sábado, abril 30, 2005

Sábado, primavera

E eu dentro de casa porque lá fora chove na maior parte do tempo, ou alternam momentos de chuva com períodos nublados. Baita porcaria. Mas como não sou de ficar me queixando do tempo, vamos em frente.

Venho há dias querendo me irritar com algo. Ou alguém.

Você sabe como é, tem dias que a gente precisa descontar em alguém, mandar alguém à merda, gastar energia dizendo impropérios a alguém ou uma situação. Na maior parte das vezes, são situações que nos irritam e acabamos descontando em alguém. Não acho isso saudável,que fique bem claro, mas acontece.

No Brasil, o trânsito é a maior fonte de estresse do dia-a-dia. Ao menos para mim. Pessoas que não respeitam o sinal de vermelho, estacionam em fila dupla, fazem conversões proibidas, tudo isso me irrita. O que tenho a ver com a situação? Na esmagadora maioria das vezes, nada. Mas fico extrememente irritado quando vejo acontecer, e não me furto de fazer comentários, um sinal de luz aqui, uma buzinada ali. Sou irritantemente chato no trânsito, admito. Ou o trânsito é a válvula de escape para outras ansiedades com que convivo, e apenas libero a energia presa sendo quando vejo os outros sendo imprudentes.

Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa.

Exorcizo meus fantasmas e me sinto mais leve.

Mas mesmo assim ainda quero me irritar com algo. Alguém. Sei lá, só para poder chamar de fiadaputa, ou fiadasputa, se forem mais de um. Aquilo de ontem não valeu, porque era uma raiva dirigida não a alguém específico, mas a uma situação genérica. A mesma coisa do que ficar irritado com as guerras do mundo. Sabe como é, genérico, sem efeito.

Mas não estou conseguindo me irritar.

Comecei a pensar seriamente no assunto, e voltando no tempo atrás de algo ou alguém que me irritasse aqui no Canadá, fui encontrar um episódio logo que me mudei aqui para casa, com a Bell Canada. Isso em agosto do ano passado. Quando aluguei o apartamento, dia 24 de agosto, para me mudar três dias depois, liguei na na mesma hora e fiz assinatura do telefone. A informação que me foi dada é que no dia que no dia seguinte à mudança, sábado dia 28, o telefone estaria funcionando.

Claro que, no dia marcado, nem sinal de telefone funcionando. Liguei para a central de atendimento ao cliente e marcaram de um técnico ir ao apartamento para corrigir o problema no domingo de manhã. Não gostei, mas tudo bem. No sábado à tarde, assim, de repente, o telefone passou a funcionar. Fiquei super-feliz, e até liguei para desmarcar a vinda do técnico.

Domingo de manhã, acordo com o telefone tocando. Atendo, e a pessoa que ligou pergunta se é da redação de um determinado jornal de bairro. Digo que não, deve ter ligado o número errado. Ele me pede desculpas, e desliga. Passa um minuto e toca o telefone de novo. A mesma pessoa, que me diz que está discando para para um número diferente e está caindo na minha casa.

Faço um teste: ligo para um conhecido que tem telefone com identificador de chamadas, que me confirma: tem outro número no meu telefone! E eu desmarquei a visita do técnico! Ligou novamente para a central de atendimento e explico a situação. Ela me diz que um técnico só poderá vir ver o problema na terça-feira (estamos no domingo de manhã). E após o telefonema, o telefone com o número errado pára de funcionar.

Aí fiquei realmente brabo. Desci até um telefone público, liguei e xinguei desde a Bell Company até provavelmente a Rainha da Inglaterra, de tão brabo que fiquei. O técnico acabou vindo na segunda-feira e, em dois minutos, no máximos, consertou e tudo ficou bem. Depois disso, eu ia dizer, nunca mais perdi o bom humor, que me é característitco.

Ia encerrar aqui, mas enquanto escrevi lembrei da outra vez em que perdi o humor aqui em Toronto: foi quando reservei um carro para alugar para o final de semana que eu e a Jacque íamos passar em Niagara Falls e, sábado de manhã, chegando na agência, nos informaram que não havia reserva. Fiquei bem brabo mesmo, tanto que demorei a entender que o funcionário estava sugerindo nos levar até a outra filial da agência para pegarmos outro carro…

Em resumo, o que queria dizer é que não tenho perdido o humor por aqui quase nunca. Isso pode ser devido a alguns fatores, por exemplo: aqui no Canadá as coisas funcionam mesmo, então n˜åo há motivo para tal; ou não tenho carro; ou, como quando em viagens de férias, acho que tudo são histórias para contar, e nada tira meu humor; talvez eu esteja ficando mais tolerante, mais flexível.

Acho que de tudo um pouco.

sexta-feira, abril 29, 2005

Por aqui, por aqui

Entre os vários periódicos gratuitos à disposição dos leitores aqui em Toronto, que têm circulação desde diária até semestral, estão os jornais com as notícias de todo o dia, como o Metronews e o 24 Hours, os semanais Eye e Now, e outros. Eu sempre procuro ler todos os disponíveis.

Ontem, peguei uma revista, The Learning Annex, edição Spring/Summer 2005, com anúncios de cursos oferecidos como educação continuada e crescimento profissional.

Foi muito divertido ver os cursos oferecidos. Divertido para dizer o mínimo. Lamentável, na sua maior parte. Auto-ajuda, em sua maioria. Alguns vão às raias do absurdo.


Angel Medicine
How to Heal & Communicate with Your Guides and Angels

The Spiritual Side of Cancer

Power Animals
Connecting with Your Animal Spirit Guide

Discover Your Own Psychic Abilities

Dramatically Improve Your Memory
In just One Evening

Become a Magnet For Money & Love

How to Travel the World For Free
(desse eu gostei)


E o que eu mais me chamou à atenção (negativamente, é claro):

Eliminate Asthma – Naturally!

Do you have asthma? Have you always been told you can control your symptoms, but you can never actually eliminate the condition?

The truth is, asthma CAN be eliminate.

At age 32, Rick Tufts developed asthma and suffered with it for 16 years. His condition was severe enough that he spent 4 days (!) in a hospital recovering from an asthma attack…


E segue por este caminho, dizendo que ele curou sua asma através da alimentação e exercício.

Suuuper legal… Quer dizer que venho estudando isso há mais de dez anos, estando inclusive aqui no Canadá para me aprofundar mais no estudo, me qualificar mais, e tudo o que eu precisava era assistir um cursinho com esse senhor, nutricionista graduado com louvor no Instituto de Nutrição Holística de Toronto?

Quer dizer que aquele papo de doença inflamatória crônica, interleucinas e citocinas, fator alfa de necrose tumoral, óxido nítrico exalado, e milhões de outras coisas que venho estudando são perda de tempo? Que é só tomar uns chás, fazer umas simpatias e seguir as orientações da vizinha que tem um conhecido que curou asma com babosa? Isso quer dizer que nós, médicos, e a ciência que seguimos, está errada?

Pois é, somos os maus que prescrevemos “bombinhas” que viciam e matam, que queremos que os pacientes fiquem doentes sempre para termos clientes…

Ah, e você sabia que as pessoas pesquisam mais quando vão comprar um eletrodoméstico do que quando estão doentes e um conhecido “receita” um remédio que não-sei-quem tomou e que fez bem?

Não tem como manter o bom humor. Ou talvez eu precise de um curso de Anger Management

:-)

quinta-feira, abril 28, 2005

Mudaram as estações…

… nada mudou. Ainda.

Vinha pensando, ontem mesmo, cá com os meus botões, sobre as diferenças das estações aqui e no Brasil. E que as mesmas, as estações, têm personalidades diferentes aqui e lá.

Aqui, a primavera é tímida. Já começou há mais de um mês e ainda não mostrou a que veio. Tem permitido o céu plúmbeo que domina os dias, algumas vezes chove, não muito longe daqui até neva. Mesmo assim as pessoas, eu incluído, insistem em trajar-se já como se estivéssemos quase entrando no verão, o que é uma verdade temporal mas uma irrealidade meteorológica.

Depois de dias carregando o guarda-chuva na minha pasta, hoje o deixei em casa. Choveu, claro, mas eu já estava trabalhando e passei a manhã acompanhando a alternância entre a chuva e os períodos de sol, para – na hora de voltar ao hospital – termos que aguardar o ônibus na momento de maior precipitação protegidos sob uma marquise.

Mas eu dizia que a primavera é tímida, assim como imagino o verão – que vem por aí, mas não pode precisar a data – como sendo relutante, não muito convicto. O inverno não, ele não faz cerimônias. Bota o pé na porta e vai entrando, como se fosse o dono da casa e estivesse voltando para o lugar de onde nunca deveria ter saído. Quer logo saber se o outono preparou a casa, retirando aquele monte de folhas e flores que a primavera planta e o verão trata com cuidado. Se já retiraram todo aquele verde que estava por tudo, e não quer saber nem de uma mudança de cores, não gosta de laranja e vermelho também.

O inverno gosta de silêncio, de vento e de branco.

Aqui, o inverno não tem frescuras.

quarta-feira, abril 27, 2005

Pois então…

… esse é um blog em crise existencial.

Que já não sabe mais a sua razão de ser.

Entrei em casa hoje e lá estava ele, o blog, se perguntando: quem ou o quê sou e para onde vou? Sou engraçadinho, sou sério e circunspecto, ou lírico e poético? Qual é minha vocação?

Troquei de roupa e, de abrigo e camiseta, tomei lugar na minha cadeira de trabalho e suspirei. ‘Calma, blog, você ainda é muito novo para ter esse tipo de dúvidas existenciais. Faz o seguinte, não pensa nisso agora, calça um tênis e vai para a rua aproveitar que ainda está claro e tem sol, coisa que há dias não tínhamos aqui em Toronto’, disse eu. ‘Mas…”, ainda tentou argumentar, mas fiz ele ir para a rua viver um pouco.

Depois que o blog saiu de casa, levando seus vários assuntos pendentes fazendo festa a sua volta, fiquei em silêncio pensando no que ele tinha me perguntado. Do por quê de sua existência, quais suas reais motivações. Mas acabei pegando no sono. Quando acordei, o blog estava de volta e os assuntos, impacientes, insistiam em serem escritos o quanto antes, hoje, de preferência.

Amanhã, amanhã.

#

Em virtude do prazo final que se aproxima, fui hoje até a CRA (Canada Revenue Agency) para obter algumas informações e, se tudo estivesse OK, entregar minha declaração de renda.

Enquanto aguardava, fiquei lendo o General Income Tax and Benefit Guide 2004, com as instruções de preenchimento. Na última página, os direitos do cidadão quando estiver tratando com a CRA:

Fair treatment
You have the right to expect us to apply the law fairly and impartially.

Courtesy and consideration
You have the right to be treated with courtesy, respect, and consideration.

Privacy and confidentiality
You have the right to expect that your personal and financial information is protected against unauthorized use for disclosure.

Information
You have the right to get complete, accurate, and clear information about your rights, entitlements, and obligations.

Entitlements
You have the right to every benefit allowed under the law.

Formal review
If you believe you have not received your full entitlements under the law, you have the right to a formal review of your file. If we cannot resolve the matter to your satisfaction, you have the right to appeal to the courts


Cidadania é outro papo, não é?

E você, sente-se respeitado como cidadão na cidade e no país em que mora?

terça-feira, abril 26, 2005

Mais leve?

Após alguns dias de reflexões e assuntos, digamos, nublados, recebi uma dica de que era hora de voltar a lidar com questões menos graves, mais coloridas e menos sérias.

Mas não vou falar de amenidades ou de coisas leves, lamento.

As mulheres francesas estão se tornando obesas.

Eu estava lendo o Metronews – jornal diário gratuito que leio aqui em Toronto – hoje quando me deparei com essa notícia: segundo médicos franceses, as francesas, apesar de ainda não serem obesas, estão se tornando.

Porque a epidemia de obesidade está se espalhando na na França na mesma proporção que nos Estados Unidos, apenas com um “atraso” de cinco a dez anos. Em 2003, pesquisadores verificaram que 11% da população francesa era obesa, contra 30% dos americanos do norte. Contudo, a obesidade cresce na França a uma taxa de 5% ao ano.

Isso vai contra o bestseller “Frech women don’t get fat”, sucesso nos Estados Unidos. A sua autora, uma gourmet francesa que mora em Nova York, diz em seu livro que as francesas, apesar de comerem muitos queijos e croissants, mantêm-se magras porque caminham muito, preparam refeições com ingredientes frescos, e param de comer quando comeram o suficiente. Os médicos afirmam que o modelo francês de refeições regulares, saudáveis e em família está desaparecendo, em troca de mais lanches e menos refeições.

Que a França não vire um país de gordos.

Se acontecer, é o fim...

segunda-feira, abril 25, 2005

Pátria

O Magno, grande parceiro de festas & música & filosofia & viagens, quando foi passar o ano passado todo fazendo uma especialização fora do Rio Grande do Sul, notou que havia se tornado mais ligado à sua terra, sentia-se mais gaúcho que antes, podemos dizer. Discutimos isso em alguns encontros avulsos neste período, já que quando ele voltou ao sul do Brasil eu tinha ido para o norte do mundo, onde estou agora e fico mais um tempinho antes de voltar: se me sentiria mais ligado ao meu chão, à minha querência, por estar longe.

Inicialmente, disse que nada havia mudado, talvez porque a tecnologia tenha tornado o mundo pequeno, no sentido que consigo, todos os dias, dar uma olhada nos jornais locais e até ouvir um pouco de rádio. Logo, não consigo me sentir afastado, distante. Acompanho tudo o que acontece, desde política local até futebol, ouvindo pelo rádio jogos ao vivo (começou o campeonato brasileiro e o Inter perdeu na estréia, baita porcaria… paciência…). Mas acompanho também, obviamente, as notícias do Brasil como um todo, não apenas do meu estado, e tenho como perceber a visão que se tem do Brasil aqui no Canadá.

Então, de certa forma, tenho – pela primeira vez na vida – uma visão de perspectiva sobre o Brasil (com suas limitações óbvias) e termos de comparação. Estou aprendendo in loco, na prática, que algumas coisas poderiam ser feitas de forma diferente e dariam certo se quiséssemos mudar. E outras que, do jeito que são no Brasil, funcionam bem.

Além disso, o fato de estar fora (será só por isso ou porque tenho tempo para refletir sobre o assunto?) me faz pensar muito sobre o meu dever – já que optei por voltar ao Brasil no final deste período aqui – como cidadão para com o país.

Sim, me sinto mais brasileiro, e se eu levasse apenas isso de volta quando retornar ao Brasil daqui a um ano e pouco, minha estada aqui já teria valido a pena. Essa é a minha visão pessoal.

Mas é claro que não vou levar só isso.

domingo, abril 24, 2005

A Sopa 04/40

A partir de hoje, vou cuidar muito bem o que digo e/ou escrevo aqui no blog. Imaginem se um dia eu saio papa de um conclave: vai ser bem desagradável ficar vendo a imprensa revirar o meu passado para saber o que disse ou escrevi muitos anos antes.

Pior, o que vão dizer quando descobrirem que fiz parte do M.O.R.T.E. (Movimento Organizado Revolucionário Terrorista e Exterminador) e – mais – cheguei ao cargo máximo de sua hierarquia – Mortandade-Mor – aos doze anos de idade?! E que fui um dos fundadores do menor país do mundo, com cerca de mil metros quadrados, no litoral norte do Rio Grande do Sul, que voltou a ser parte do Brasil, de forma pacífica, pouco tempo depois de sua fundação, porque tínhamos que ir à praia e nos preocupar com assuntos mais importantes. Mulheres, evidentemente…

Bom, mas eu tinha prometido a mim mesmo não falar mais sobre o Papa, mas não dá para resistir. Além disso, todo mundo tem dado palpite sobre se ele é conservador, se é contra isso ou aquilo. Como eu era muito novo na época dos dois últimos conclaves, que elegeram, respectivamente, João Paulo I e II, não tenho como lembrar se ficaram discutindo, à época, se o João Paulo II era a melhor escolha, se seria um bom papa, etc. Acho que não.

Agora é diferente, o mundo mudou, vivemos a era da informação, o que acontece em Roma é visto no Brasil em tempo real, etc. E tudo e todos parecem que ficaram muito íntimos. É o Ratzinger prá cá, Ratz prá lá, como se ele fosse um parceiro de mesa de bar nosso. Desde quando se discute se um papa escolhido é o melhor? Desde quando se torce para que um papa seja de um ou outro país? Alguém escreveu e eu endosso: tava parecendo torcida de jogo de futebol. Ou briga de partidos políticos por seus candidatos.

Não vou entrar neste campo, da política, ao menos hoje. Prometo ficar restrito à religião. Até porque há muita polêmica que pode ser criada em torno do assunto. A começar pelos dogmas e a discussão em torno deles. Que, adianto, acho uma discussão sem sentido, e para isso me aproprio do que escreveu Umberto Eco em livro já citado neste blog ‘Em que crêem os que não crêem’, escrito em parceria com o Cardeal Carlo Maria Martini, ex-cardeal de Milão e um dos papáveis do último conclave. Discutindo sobre alguns dogmas, Umberto Eco escreveu:

“Em princípio, considero que ninguém tem o direito de julgar as obrigações que as várias confissões impõem a seus fiéis. Não tenho nada a objetar contra o fato de que a religião muçulmana proíba o consumo de substâncias alcoólicas; se não estou de acordo, não me torno muçulmano. Não vejo porque os leigos devem se escandalizar porque a Igreja Católica condena o divórcio: se alguém quer ser católico, que não se divorcie; se quer divorciar-se que se faça protestante; e reaja apenas se a Igreja quiser impedir você, que não é católico, se divorcie. Confesso que me sinto até irritado diante dos homossexuais que querem ser reconhecidos pela Igreja, ou dos padres que querem se casar. Quando eu entro em uma mesquita, eu tiro os sapatos, e em Jerusalém aceito que em alguns edifícios, aos sábados, os elevadores andem sozinhos, parando automaticamente em cada andar. Se quero manter os sapatos ou comandar o elevador a meu bel-prazer, vou para outros lugares. Há algumas recepções (laicíssimas) em que se exige o smoking e cabe a mim decidir se quero me submeter a um hábito que me irrita porque tenho alguma razão imperiosa para participar de tal evento ou, se quiser afirmar minha liberdade, ficar em casa…”


Pois é, falou o que eu vinha pensando há algum tempo – talvez desde que li o livro a primeira vez, há alguns anos. Não acho que a Igreja deva se modenizar, nem flexibilizar seus dogmas em virtude de uma dita evolução dos tempos. Nem acho que a Igreja deva se adaptar às pessoas, mas o contrário. As pessoas devem ser moldar ao que diz a Igreja. Ou não freqüentem. Ninguém obriga ninguém a seguir determinada confissão, mas uma vez que decide ser católico, ou protestante, ou muçulmano, deve se adaptar a ela. Ou ficar à parte, laico.

Como o casamento de homossexuais: sou a favor. Casamento como contrato social, com mesmos direitos e deveres perante à justiça, etc. Mas não faz sentido querer casamento religioso, conforme as leis da igreja: até porque essas leis não prevêem isso.

Complicado, polêmico. Tudo isso, admito. Eu, por exemplo, por questões pessoais, freqüento muito pouco a Igreja e, quando lá, não comungo. Porque não concordo com tudo o que é determinado, e tenho dúvidas e questões que, enquanto não forem resolvidas, através de estudo e quem sabe fé, não me permitem participar ativamente dos ritos da igreja. Acima de tudo, cada um tem sua fé e – seja qual for – deve ser respeitada.

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Fórmulas

(Nelson Lehmann)

Fazer ciência é tentar esclarecer um fenômeno por uma fórmula, a mais sintética (e elegante, dizem) possível. A ‘E = mc2’ de Einstein exemplifica. Direi que nas chamadas Ciências Humanas, a distinção entre Liberalismo e Socialismo (uma polaridade histórica constante ) seria redutível a fórmula:

Socialismo = a cada um segundo suas necessidades
Liberalismo= a cada um segundo seus méritos

Isto aceito, surge a questão de definir MÉRITO e NECESSIDADE. Ora, mérito se define como uma mais ou menos universal valoração comparativa entre feitos e competências. Quem mais merece será quem mais corresponder a expectativas dos demais. Quem supostamente mais contribuir para o bem comum. Este merece mais aplausos, respeito, consideração, prestigio, autoridade, prêmios, remuneração, etc.

Assim se estabelece o preço, o valor, a admiração, a emulação. Do futebol à musica popular, do profissional ao artista, do produto ao serviço. Sempre existiu o melhor, o pior e a graduação intermediária. As Olimpíadas e o Oscar, as notas escolares e o preço dos ingressos, tudo isso expressa o juízo de mérito.

Já a questão das NECESSIDADES introduz uma imprecisão insolúvel. Necessidades humanas se distingüem entre mais/menos urgentes, mais/menos Importantes. Comer, beber, dormir, abrigar-se, são inadiáveis, urgentes. Segurança, afeto, informação, etc, são importantes, mas prescindiveis.

Numa tribo da idade da pedra, necessidades básicas serão providas. Por mais miseráveis que sejam não terão termo de comparação e se julgarão satisfeitos. Mas no dia em que um dos participantes ganhar uma espingarda, aquilo vai tornar-se algo desejável para os demais. Logo, uma Necessidade reclamada por todos. A necessidade é relativa ao que outros já alcançaram. A necessidade de um negro americano não é a mesma que a de um negro africano. As necessidades de um pobre sueco não serão as mesmas de um miserável nordestino. Seus termos de comparação serão outros.

Portanto, diferentemente de Mérito, Necessidades são relativas. Relativas ao obtido por outrem, independentemente de mérito. Ou de sorte. Prezar e retribuir ao mérito é espontâneo, natural. É o que chamamos avaliação, comparação, preferência, escolha, ou MERCADO.

Considerar necessidades é algo relativo, circunstancial, artificial, ou POLÍTICA democrática…

sábado, abril 23, 2005

Sábado, abril

Já estou há alguns dias com uma opinião no mínimo polêmica mas que estou segurando para escrever no domingo que, junto com a segunda-feira, são os dias de maior afluência e este blog, certamente ainda resquício da época em que só escrevia nas segundas-feiras a sopa semanal. Então, mais nenhuma palavra até amanhã.

Mas outros assuntos pululam ao meu redor querendo atenção, como cães esperando para serem levados para passear. Faço um afago num, penso um pouco mais sobre outro, não decido sobre qual vou escrever. Tudo tem acontecido de forma muito rápida. Crise política no Canadá, crise de identidade das esquerdas brasileiras, o novo Papa (ops, não posso falar, amanhã, amanhã), quinhentos e cinco anos de Brasil, o meu Rio Grande do Sul, céu, sol, sul, terra e cor, a sopa no Canadá, etc.

Ainda sobre o que eu falava ontem, da minha “obrigação moral” de retornar ao Brasil depois de terminado o meu tempo aqui, afinal a parte final da minha formação acadêmica foi feita em instituição pública, financiada pelos cidadão brasileiros, em suma, digo que me sentiria obrigado a voltar de qualquer jeito. É apenas uma questão de considerar um imperativo moral (pessoal, que fique bem claro) dar retorno e investir e insistir com o país em que – involuntariamenre, óbvio – nasci e onde decidi morar quando tive (e estou tendo) a oportunidade de escolher.

E isso é fundamental: é uma opção (que pode até mudar um dia, quem pode saber?) voltar ao Brasil e trabalhar lá. E uma opção pessoal, que não implica em julgamento das opções dos outros. A Deise comentou, no post anterior, algo que tem a ver com isso, a possível sensação (ou atribuição ou acusação) de ser um traidor, por ter abandonado o local onde nasceu. Eu – ao menos – não vejo assim.

Cada um tem suas razoes, que são de interesse único de quem tomou a decisão. Qualquer outra consideração a respeito é perda de tempo.

Até amanhã.

sexta-feira, abril 22, 2005

O Descobrimento do Brasil

Pela primeira vez, estou fora do Brasil num dia vinte e dois de abril, data do descobrimento. Talvez por estar longe, tenho pensado muito no país, sob muitos aspectos. O que fazer para melhorá-lo, qual o meu papel neste processo. O que eu posso fazer?

Como a minha pós-graduação, doutorado defendido em dezembro, foi feita com bolsa da CAPES, tenho a obrigação – moral, ao menos – de retornar ao Brasil e pagar, com trabalho, pesquisa, dedicação, o investimento que foi feito em mim. Enquanto fora, penso sobre a situação do país e as formas de nos tornamos um país melhor para todos. Educação, essa é a chave para tudo, sem dúvidas.

Como forma de homenagear a data, uma canção da Legião Urbana, das mais bonitas, cujo título é justamento ‘O Descobrimento do Brasil’.

Ela me disse que trabalha no correio
E que namora um menino eletricista
Estou pensando em casamento
Mas não quero me casar

Quem modelou teu rosto ?
Quem viu a tua alma entrando ?
Quem viu a tua alma entrar ?
Quem são teus inimigos ?
Quem é de tua cria ? A professora
Adélia, a tia Edilamar e a tia
Esperança

Será que você vai saber
O quanto penso em você com
o meu coração ?

Quem está agora ao teu lado ?
Quem para sempre está ?
Quem para sempre estará ?

Ela me disse que trabalha no correio
E que namora um menino eletricista
As família se conhecem bem
E são amigas nesta vida

Será que você vai saber, o quanto
penso em você com meu coração ?
Será que você vai saber, o quanto
penso em você com o meu coração ?

A gente quer um lugar pra gente
A gente quer é de papel passado
Com festa, bolo e brigadeiro
A gente quer um canto sossegado
A gente quer um canto de sossego

Estou pensando em casamento
Ainda não posso me casar
Eu sou rapaz direito
E fui escolhido pela menina mais bonita.

(Marcelo Bonfá / Renato Russo)

quinta-feira, abril 21, 2005

Sem janelas

Uma das primeiras estranhezas que vivenciei quando cheguei ao Canadá, logo que aluguei o apartamento – bem localizado, vigésimo-primeiro andar -, foi o fato de que não havia janela nem na cozinha nem no banheiro. Também não tinha uma área de serviço, mas isso eu já sabia, eu lavaria a roupa na lavanderia do próprio edifício ou em alguma próxima. Mas a falta de janelas foi uma surpresa, e eu estranho até hoje.

O banheiro sem janelas – onde ao se apagar a luz cai-se num breu total, o que torna a experiência de tomar banho no escuro algo pertubador – e cujo interruptor de luz fica no lado de fora, tem um chuveiro muito bom e banheira. E é todo branco, o que torna a limpeza obsessiva um imperativo. Se cai um mísero cabelo – e os meus estão caindo sempre – já parece que não limpei o banheiro.

Com relação a banheiras, saibam que tenho um relação conflituada com elas. Principalmente as italianas. Há alguns anos, quase morri em Roma por causa de um delas, e saí ileso de um atentado por outra em Florença. Em Roma, consegui escorregar e cair para fora da banheira!

Foi no Hotel Margutta, situado na Via Laurina, próximo à Piazza del Popolo e da Piazza di Spagna, quase esquina com a Via dei Corso, não tão longa caminhada até o monumento a Vittorio Emmanuelle, o Coliseu e ao Fórum Romano. Nosso quarto ficava no terraço, e tinha um pequeno jardim com flores, mesmo num dezembro de pouco frio.

Mas eu falava da minha queda da (e não na) banheira. Caí para fora, nem sei explicar como, assim como não sei dizer como não bati de cabeça na pia ou no bidê. Imagine a cena e a manchete: turista brasileiro encontrado morto, por traumatismo craniano, em hotel de Roma. Morrer não seria nada, pior seria o vexame.

Em Florença, por outro lado, caí na banheira.

Aqui, até agora, estou ileso.

Que continue assim…

quarta-feira, abril 20, 2005

Chuva

Eu ia dizer que odeio guarda-chuva. Mas dizer “eu odeio” alguma coisa é quase uma declaração de bichisse. Se, além disso, eu ainda dissesse que sapateio em cima de guarda-chuvas, bom, aí não haveria dúvida.

Então digo que não gosto de guarda-chuva, assim, sério, circunspecto. Não gosto mesmo. No Brasil, por ter que me deslocar de um lado a outro de Porto Alegre no mesmo dia, andava de carro e dispensava os guarda-chuvas. Aqui não posso fazer isso.

Depois de duas semanas de temperaturas agradáveis e tempo seco (num início de primavera atípico, segundo todos) hoje choveu e deve esfriar um pouco até o final de semana. Tudo coincidindo com a minha volta para cá, associação essa que seria claramente por minha causa se eu fosse paranóico ou megalomaníaco. Ops, eu sou paranóico e megalomaníaco: o tempo piorou porque voltei para Toronto! Mas eu falava da minha relação com guarda-chuvas, que não existe. A relação, quero dizer.

Uma vez, numa dinâmica de grupo, parte de um teste psicotécnico antes de eu entrar na Força Aérea Brasileira (como médico, claro), foi pedido ao grupo que – assim, de improviso, em poucos minutos – inventássemos algo e apresentássemos ao grupo na forma de um anúncio. Pensei, e “inventei” o No Rain, o guarda-chuva inflável.

Simples, quando começasse a chover, era só pegá-lo e, através de um ventil, encher o guarda-chuva, como aqueles colchões de ar para piscina. Foi um sucesso, eu acho.

Pelo menos não me rejeitaram na Aeronáutica, não me declaram incapaz nem me prenderam, o que quase aconteceu depois, durante o treinamento quando dei uma aula a todos em que o assunto era eu mesmo.

Mas isso é outra história.

terça-feira, abril 19, 2005

Ainda readaptando

De volta ao trabalho efetivamente, ainda sinto os efeitos da viagem de domingo. Mas não só da viagem em si, também das despedidas e da perspectiva de novo encontro com a Jacque, meus pais e os amigos. Talvez só no final do ano…

Tenho certeza, contudo, que vai ser bem mais cedo que isso. Algum jeito vamos achar de nos encontrar antes. Até lá, é como os alcoólicos anônimos: um dia após o outro.

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Trouxe mais bagagem do que levei, claro. O complicado vai ser na hora de me mudar de volta para o Brasil. Acho que vou ter que mandar muitas coisas antes, pelo correio.

Mas falava que trouxe mais coisa de que levei. Nada mais natural, afinal fui passar o meu aniversário lá. Comigo vieram, além de algumas roupas novas, alguns dos livros que ganhei e que vou ter tempo para ler:

Os Cantos – Erzra Pound
Dicionário de Palavras & Expressões Estrangeiras – Luís Augusto Fischer
Histórias Coloradas – Vários Autores
Em Berço Esplêndido / Ensaios de Psicologia Coletiva Brasileira – J.O. de Meira Penna

Trouxe também dois livros de culinária, com o claro objetivo de me aperfeiçoar nas lides da cozinha (e comer menos “porcarias”).

Livros, roupas. Também estavam na minha mala bombons, mariolas (doces de banana), café em pó e solúvel, e – finalmente – costelinha de porco defumada, essencial para a preparação da Sopa. Corria o risco de não me deixarem entrar no Canadá com ela, mas acho que valia o risco…

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Finalmente, o novo papa.

Não vou falar dele, mas do que eu estava torcendo que virasse papa, e não falo de nenhum brasileiro. Torcia por Carlo Maria Martini. Já explico o por quê da minha torcida.

Só lamento que o Conclave tenha sido tão rápido. Queria ter tido tempo de reler um livro – e aí entra a explicação da minha torcida pelo ex-Cardeal de Milão - que comprei há alguns anos, chamado “Em que crêem os que não crêem?”. Este livro, de dupla autoria, é a reunião de cartas publicadas na Revista italiana Liberal por um pensador laico, Umberto Eco, e um cardeal da igreja de Roma, justamente Carlo Maria Martini.

Durante um ano eles travaram um diálogo na forma de cartas em que discutiram a existência de Deus e a invenção de Deus; os fundamentos da ética e o respeito ao outro; as mulheres e o sacerdócio; a liberdade de escolha e de ação aos imperativos religiosos; o aborto; o respeito à vida; a engenharia genetica; o apocalipse e a idéia de fim na cultura laica; a existência ou não de uma noção de esperança comum a crentes e não crentes.

Não faço julgamentos de nenhum tipo sobre o novo papa, mas teria sido muito interessante que um homem como Carlo Maria Martini tivesse virado papa.

Até.

segunda-feira, abril 18, 2005

Tetra


Inter, originally uploaded by Marcelo Tadday.


Pra não dizer que não falei de flores...

Tetracampeão!

De volta

Enquanto o táxi seguia lentamente em meio ao trânsito matinal da Lake Shore Boulevard lembrei de Heráclito de Éfeso: “Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”, que é o mesmo que “nenhum homem duas vezes no mesmo rio, pois nem mais a pessoa nem o rio serão os mesmos”. E lembrei de quando cheguei aqui, há oito meses.

Ao contrário de hoje – dia claro, céu azul – a manhã de vinte de agosto era púmblea, com grossas nuvens deixando o céu mais baixo, mais pesado. Eu, sozinho, sem saber o que me esperava aqui e ainda culpado por ter deixado o meu mundo, a Jacque, em Porto Alegre. Foram difíceis, aqueles primeiros dias.

Voltei para Toronto.

Não posso dizer que estou me acostumando com despedidas porque estaria mentindo: não gosto e não vou me acostumar nunca. Mas, no momento, não tenho opção: tenho um projeto e objetivos a alcançar, e Toronto faz parte do caminho para chegar a eles. Então, paciência.

Não que eu não goste daqui, ao contrário. Toronto é uma ótima cidade para se morar. Segura, cheia de opções de todos os tipos, multicultura, a qualidade de vida é incomparável. O seu único defeito: não é Porto Alegre.

Ontem, na minha curta estada no aeroporto em Guarulhos, tive a chance de encontrar o Radica, meu amigo, uma amizade de vinte anos. A nossa conversa passou também por isso, a falta que sentimos (ou não) do sul, de Porto Alegre. Falei que não sei se quando me refiro à Porto Alegre não estou na verdade querendo me referir ao meu mundo, Jacque, meus pais, amigos, a vida que eu tinha lá e que vou ter quando voltar daqui a um tempo. Não sei mesmo.

Pensando bem, me refiro também a eles, ou principalmente a eles, mas gosto da cidade também, o astral, as ruas e avenidas, os bairros, até os shopping centers. Voltando para casa, de carro, na quinta-feira à noite, me vi feliz ao passar por um cruzamento. Um cruzamento de duas ruas! Loucura, não?

Bom, mas agora Toronto é minha casa de novo. E é impressionante a mudança anímica que ocorreu aqui desde a chegada da primavera. As pessoas parecem mais vivas, mais alegres. Hoje a temperatura prevista era de até 19ºC, e amanhã 26ºC! Claro que ainda vai esfriar, mas é outra cidade. A mudança das estações do ano, que são bem marcadas, inverno muito rigoroso, primavera clara, tudo isso reforça a sensação de impermanência, de que tudo passa, de que mudamos constantemente. Falo mais sobre isso um dia desses.

Até.

domingo, abril 17, 2005

A Sopa 04/39

Uma situação indesejada, mas uma oportunidade literária.

Tudo começou no ano passado, quando estava me preparando para ir para Toronto. Entre as exigências burocráticas da Universidade (diferentes das do governo canadense e do College of Physicians and Surgeons of Ontario) estavam alguns exames médicos e declarações de vacina, varicela, caxumba, tétano, sarampo e tuberculose.

Quanto à tuberculose, era feita a solicitação da Reação de Mantoux (ou Teste Tuberculínico). É uma reação imune cutânea, ou seja, injeta-se no subcutâneo da pessoa uma solução com proteínas do bacilo e se a pessoa já foi exposta ao bacilo, há uma reação de pele que forma um "enduração", que é medida e este é o resultado. Este teste indica se a pessoa teve contato com o bacilo da tuberculose. Bem claro, não é diagnóstico de doença, apenas indica contato. Como eu trabalhava há três anos atendendo pacientes com tuberculose, eu tinha certeza que o meu teste daria forte reator (uma enduração maior que 9mm). Sendo positivo, faria um RX de tórax que se fosse normal, tudo ficaria tranqüilo. Estava tão certo disso que até fiz o RX antes, me antecipando ao resultado positivo.

Só que o teste deu negativo, provavelmente por problemas na aplicação. Até aí, tudo bem. O problema é que eu teria que repetir o teste todo ano, e - se fosse positivo - seria um problema. Mas não porque eu teria tuberculose ou outra doença contagiosa, mas porque eu seria um "conversor recente" indicando que eu tive contato com o bacilo nos últimos doze meses, o que aumentaria a minha chance de desenvolver uma forma de tuberculose num futuro não muito distante. E estaria criada a indicação de fazer quimioprofilaxia: fazer prevenção com medicamentos. Seis meses tomando Isoniazida 300mg/dia. Este é o mesmo tempo de tratamento da tuberculose, seis meses, mas eu tomaria apenas uma medicação e não as três do tratamento.

No início de março, recebi a carta da Univesidade solicitando o exame. Como viria ao Brasil, decidi fazer aqui, no mesmo lugar, mas sabendo que se fosse bem aplicado eu acabaria tomando medicação por seis meses para prevenir uma possível tuberculose no futuro. Fiz o exame. O resultado? Dúvidas?

Positivo, claro. Ao ver o resultado, fui diretamente ao Centro de Saúde Modelo, em Porto Alegre, no setor de tuberculose, e conversei com um colega e ex-professor meu apenas para ouvir ele me dizer o que eu já sabia: eu tinha indicação de tomar medicação preventiva. Por seis meses, três comprimidos ao dia, quinhentos e quarenta comprimidos ao todo. Saí de lá com uma caixa de remédios e a brincadeira: eu sou tísico.

Levei na boa, afinal tomar medicação por seis meses não é o fim do mundo e - afinal -não estou doente, é apenas profilaxia. De qualquer jeito, a brincadeira pegou: Marcelo, tísico.

Mas quem se deu conta do potencial literário da história foi o seu Alfredo, meu sogro: "tísico", eu estou com o 'Mal do Século'. Século dezenove. Assim como Álvares de Azevedo, Casemiro de Abreu e Castro Alves.

Vou fazer poesia e já volto...

sábado, abril 16, 2005

Sábado em Porto Alegre

O último antes de voltar para o Canadá.

Sol, nuvens, e a agradável temperatura de 18ºC. Em pouco mais de uma hora vou devolver o carro alugado e depois ir almoçar na casa dos meus pais, "comida tipicamente daqui", segundo meu pai, mas que eu ainda não sei qual das comidas típicas é. Ontem teve janta na casa dos pais da Jacque, meus sogros.

Hoje não devemos fazer nada mais, além de eu arrumar minhas coisas. Ficar em casa, jantar, tomar um vinho, ver um filme: chega de passeios e turmas. Hoje somos só nós.

Fiquei duas semanas aqui em Porto Alegre, e amanhã vôo para São Paulo ao mesmo tempo em que o Inter joga a final do campeonato gaúcho - contra o 15 de Novembro de Campo Bom - em busca do tetracampeonato. Vou ligar de Guarulhos para saber o resultado.

Duas semanas são pouco tempo, eu sei, mas suficientes para matar as saudades de casa (sempre fica a vontade de ficar aqui de vez), rever os amigos, fazer alguns contatos profissionais, ser visto para ser lembrado (ou não ser esquecido, o que é fatal em termos de trabalho). Agora é voltar, baixar a cabeça e trabalhar, muito. Estudar. Aproveitar bem o tempo.

Sem esquecer de tomar os remédios.

(explicações amanhã)

sexta-feira, abril 15, 2005

Sono

Tenho sono, muito sono.

Ainda quando estava no primeiro ano da faculdade de medicina, numa das aulas de anatomia do sábado de manhã, não sei por quê, tive a idéia de uma história que se chamaria “O Homem e seu Cérebro”. Falaria sobre um cara que começa a ser sabotado pelo seu próprio cérebro. Começa a esquecer coisas importantes apenas por um capricho de sua massa encefálica. Ao se dar conta, marca consulta com um neurologista, mas esquece. Vira refém do seu próprio cérebro.

História não foi muito além disso, outros interesses me desviaram dela, tanto que só fui lembrar da idéia bem recentemente. Não tinha futuro, afinal nós somos o nosso cérebro. Nós somos o que pensamos, nós pensamos o quê e quem somos. Podemos ser reféns de nós mesmos? Até podemos, mas para falar disso eu teria que entrar no ramo da auto-ajuda e da neurolingüística. Não é o meu objetivo. O que quero é fazer uma confissão.

Sou refém do meu relógio biológico.

Tenho sono, muito sono. À noite, normalmente. Depois da meia-noite, mais freqüentemente. E acordo, de manhã, sempre. Estranho, não? Ter sono à noite e acordar de manhã. Mas é o que acontece comigo, invariavelmente. Independente da hora que vou dormir, acordo cedo. Principalmente quando não preciso, o que enlouquece as pessoas para quem conto esse fato. Sábado de folga, depois de um festão na sexta à noite, lá estou acordado as sete da manhã. Fui dormir às 5h? Acordo à 8h30. A vantagem é que não preciso de despertador. Se quero acordar às 6h40, desperto espontaneamente neste horário. Como disse, um relógio.

Até este ponto, tudo bem. Os incômodos e as situações embaraçosas acontecem à noite, quando o meu corpo, esse receptáculo do meu cérebro e tudo o mais, resolve que é hora de ir dormir e estou em algum evento social. Jantando na casa de amigos, num bar conversando, chega um determinado horário, que para mim é incerto, e durmo. Chato, mas inevitável. Muitas pessoas não entendem, até se ofendem. Mas, explico, é involuntário, é ele quem está no comando, o relógio biológico. Vivo a ditadura de ter hora para dormir e acordar, como se ainda tivesse cinco anos de idade e, o que é pior, não tenho nem contra quem me rebelar. É o fim.

(Texto publicado nos primórdios do blog...)

quinta-feira, abril 14, 2005

Teoria da Permanência do Peso Terrestre

Amenidades.

Existem muitas teorias para explicar tudo o que acontece no universo, e trago aqui mais uma: é a Teoria da Permanência do Peso Terrestre. Formulei esta teoria há alguns dias, e ela explica muita coisa, desde o aumento dos casos de obesidade nos Estados Unidos, a superpopulação no planeta e até a má distribuição de renda mundial, manifestada pela fome na África.

A teoria é bem simples. Diz que a Terra, o planeta, com tudo o que está nela (animal, vegetal e mineral) tem um peso constante, imutável. Qualquer alteração é compensada, de alguma maneira, de forma que o peso vai sempre se manter o mesmo. Se perde de um lado, ganha de outro.

É o exemplo de quem faz dietas. Para uma dieta funcionar, alguém tem que engordar. Se em Porto Alegre eu perco 5kg de peso, em algum lugar do mundo alguém vai ganhá-los. Ou cinco pessoas vão ganhar um quilo cada uma. Se nos Estados Unidos o índice de obesos é muito grande, a contrapartida é que na África ou em certas regiões da Ásia a fome aumenta e – conseqüência – o baixo peso e a desnutrição aumentam proporcionalmente. Da mesma forma, se a população aumenta e o peso deve se manter o mesmo, as pessoas irão tornar-se mais “magras”.

Faz sentido se pensarmos que temos que alimentar um número muito grande de pessoas e que a quantidade de comida produzida não aumenta na mesma proporção da população. Talvez faça mais sentido ainda se utilizarmos esta teoria para justificar que gordinhos façam dieta, tipo “se emagreceres, diminuis a fome no Afeganistão”. É uma teoria que aumenta a auto-estima de quem se vê obrigado a perder peso, pois emagrecer passa a ser uma questão de interesse da humanidade, e não apenas de saúde pessoal ou estética.

Sei lá, apenas idéias malucas de uma manhã sem inspiração.

(Texto pubhlicado n'A Sopa A.B - Antes do Blog)

quarta-feira, abril 13, 2005

Escrever

Muitas vezes, escrever uma crônica diária (ou mesmo semanal) é tão difícil quanto um parto a fórceps. Senta-se em frente ao computador de olho na tela branca, esperando a inspiração aparecer, sempre cogitando escrever sobre a falta de inspiração, maneira fácil de enrolar o leitor, como parece que estou fazendo agora. Parece, mas não estou. Por mais que vocês concluam que eu estou fazendo, vocês estão enganados. (Viu como é fácil? Enchi um parágrafo inteiro).

Mas eu queria falar de sensibilidade, de estar aberto ao mundo ao redor, captar as histórias que estão por aí, etéreas, esperando para serem contadas. O mesmo fenômeno ocorre com a música. Penso que nas vezes em que não surge assunto é porque não estamos sensíveis ao que nos cerca, ao mundo. Por outro lado, é porque estamos conectados com a “Grande História do Mundo”, da qual todas pequenas (ou grandes) histórias são parte, que algumas vezes a história “se atira” na nossa frente.

Como no caso do homem com a tatuagem entre parênteses. Estava saindo de uma lancheria (restaurante, se preferirem) quando passou por mim uma pessoa que tinha ideogramas chineses tatuados no braço direito. Entre parênteses! Aquilo me intrigou profundamente. O que significava aquilo? Uma seita, um culto, uma mensagem ou uma indecisão? Algo como “O Senhor é meu pastor. Ou não.” Talvez significasse “Eu amo Rosa, mas sem exageros”. Ou “Este lado para cima”. “Produto japonês, mas fabricado em São Sebastião da Boa-Vontade”. Quem pode saber...

Os parênteses são um recurso da gramática que eu admiro com sinceridade, porque eles são a mensagem subliminar, são o pensamento oculto, muitas vezes a ironia. O poder de usar os parênteses não devia ser outorgado a qualquer um. Aliás, acho que só deveriam ter o direito de usá-los pessoas treinadas para tal tarefa, cujas qualificações teriam sido testadas e certificadas previamente. Todo texto com parênteses bem utilizados poderia vir com um selo de autenticidade e certificação de origem.

Para aqueles que os usassem de maneira leviana seriam aplicadas multas. Casos reincidentes seriam punidos com afastamento do convívio social, pelos menos em bibliotecas. Na verdade, acho que deveriam ser punidos também os assassinos de vírgulas, dos negligentes com acentos e outros criminosos da Língua Portuguesa.

(Publicado n'A Sopa em 2004, antes do blog)

terça-feira, abril 12, 2005

Elevadores

(Texto publicado na A Sopa de 01 de setembro de 2003)


O segundo meio de transporte mais seguro do mundo é o avião, todos sabem. Mas o que muitos não sabem é que o mais seguro é o elevador. Sim, senhor. E mesmo sabendo que recentemente, nos Estados Unidos, no Texas, mais especificamente, um médico residente teve sua cabeça arrancada por um elevador fora de controle, e uma passageira ficou duas horas presa dentro do elevador com parte do morto (a cabeça ou o corpo, a notícia não especificava), ele ainda é muito seguro. Por sinal, algumas coisas só acontecem nos Estados Unidos, e mais ainda no Texas. Bush filho é o maior exemplo.

Claro que sempre temos que ter alguns cuidados, como olhar para conferir se ele está realmente parado no andar em que estamos. Aliás, existe uma lei municipal de Porto Alegre que diz que devemos conferir sempre se o elevador está no nosso andar. Fico pensando que a punição por não olharmos seja cair no fosso... Mas, afinal, existem tantas leis inúteis, mais uma não faz diferença. Outra questão: como alguém pode ser tão distraído que não enxerga que o elevador não está no andar. Pode pensar: “Puxa, está escuro ali dentro, deve ter faltado luz! Vou entrar e esperar a luz voltar...”. Pois é.

Só que as pessoas têm uma relação mística com os elevadores. Elas acreditam que eles têm vida própria. Que param nos andares apenas quando estão com vontade. Se querem descer e ele está subindo, entram mesmo assim, afinal, vai que ele não queria parar na volta. E o que é pior: esperar pelo elevador, e apertar os botões para ele parar no andar. Muita atenção: todos vocês sabem disso, existem dois botões apenas, um para subir e outro para descer. Se quero subir, aperto o botão de cima. Caso contrário, o de baixo. É simples. Obviamente, não é o que acontece.

Existem aqueles que pensam que, ao apertar o botão, o elevador está recebendo uma ordem que deverá cumprir. Então, se ele está em algum andar acima de onde estão, apertam o botão de baixo, mesmo se querem subir, para que ele desça e aí então possam subir. Ou pior, apertam os dois, para ele descer e depois elas subirem! Ou então, por pressa, ficam apertando insistentemente o botão como se ele fosse vir mais rapidamente. Bem certinho...

Existe, também, um etiqueta de elevadores. Por exemplo, em hotéis, as pessoas se saúdam ao entrar no elevador logo de manhã, assim como quando vão tomar café. É gentil e dá a sensação de estarmos em casa, ou numa grande casa em que não precisamos arrumar a cama e nem fazer um café. Praticamente a casa da nossa mãe.

Voltando ao quesito segurança, elevadores não caem nem acaba o ar dentro. Aprendi isso assistindo ao Mundo de Beakman, um seriado que dava na TVE há muitos anos atrás, que ensinava de forma divertida sobre os mais diversos temas de ciência. Mesmo que rompam os cabos, o elevador não deve cair, porque tem um sistema que tranca a queda, muito engenhoso.

Por último, sobre elevadores, lembro de um bem antigo, do Hotel Margutta, em Roma, em que entrávamos por um lado, fechávamos a porta de grade, subíamos e saíamos pela lateral esquerda dele, onde ficava uma outro porta, para subirmos de escada um último lance de escada até nosso quarto no terraço.

segunda-feira, abril 11, 2005

O Nariz

(Mais um texto antigo, enquanto me ocupo de respirar um pouco do ar da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul).

Todo mundo tem nariz, isso é óbvio. Excluindo-se – certamente – aqueles que tiveram o seu retirado (ou que tenha caído) por alguma razão. Razões para se extirpar um nariz, não deve haver muitas fora do âmbito médico. Não consigo imaginar nenhuma, aliás. Quanto a modificá-lo, bom, aí é outra história.

O importante, no caso, é que o nariz – mesmo o da Julia Roberts – é uma estrutura feia. Isole o nariz do conjunto do corpo e teremos uma estrutura formada de osso e cartilagem que forma dois orifícios com pêlos que podem até avançar para fora de sua cavidade e formar um quadro repugnante. Deixemos de lado as funções do nariz (filtrar, aquecer e umidificar o ar) e, olhando só pela estética, é um desastre. Certo, você pode argumentar que no conjunto de um corpo ele fica bem, que ele joga pelo time, etc, e eu posso até concordar com esse argumento. Só que sou obrigado a questionar: e a celulite?

O que a celulite tem a ver com o nariz? Distância, no máximo, mas digo que a celulite é uma injustiçada. Todo mundo tem celulite, assim como tem nariz. Ela é parte integrante do corpo humano, mas ninguém (nesse caso ninguém significa todas as mulheres do mundo) aceita este fato naturalmente. Escondem o fato, dizem que foi a coca-cola, compras cremes para eliminá-las, etc. Já viu alguém comprar creme para eliminar o nariz? Claro que não.

E a imprensa colabora com isso, especificamente as revistas masculinas. Já viu uma celulite na Playboy? Não, com certeza. Tudo modificado por computador, o que todos sabem. As modelos? Nunca aparecem tão perto para que possamos conferir. Vivemos uma grande farsa. Lutamos contra algo que todos têm, que é da natureza. Qual Don Quixotes delirantes, lutamos contra moinhos de vento, sem saber que, pelas nossas barrigas, estamos mais para Sanchos Panças.

Voltemos nossas energias para outra causa, como a criação de espaços cercados e protegidos para que as baleias que circulam nas areias dos litorais do mundo possam ficar sem causar danos ao visual do ambiente marinho.

domingo, abril 10, 2005

A Sopa 04/38

Um texto antigo enquanto circulo por Porto Alegre.


A Vida é uma Manhã Sentado Num Muro

Grande momento este, que vivemos.

Grandes momentos foram aqueles nos quais nos vimos involuntariamente envolvidos com pessoas que queriam nos ferir, mas não matar. Tempos estranhos, isso sim.

Então já é sábado e é manhã, e o sol brilha por entre as árvores e gotas de orvalho ainda ameaçam cair por sobre os carros logo abaixo. O começo do fim. Da semana, do mês e da dor. O jornal está na porta que abro, com as notícias de ontem e o programa de amanhã. O ar de primavera perdido na manhã de inverno pode fazer crer que é chegada a hora, mas a terra ainda não está pronta para renascer. Pego o jornal com notícias de ontem, olho o céu e respiro profundamente. Sobrevivi.

De volta para dentro, já acomodado com o chimarrão quente esquentando a mão fria, escuto o violão que toca no rádio e dedilha a milonga que o pajador declama e que fala da vastidão do pampa e de solidão, enquanto leio notícias do mundo e penso em qual é o meu lugar. Penso não apenas em qual o nosso (meu) lugar no mundo, mas também qual é a minha/nossa missão e quais as opções. Nem sempre temos as opções que pensamos ter e nem como saber disso antes da hora. É o risco.

Risco esse que está sempre presente em tudo o que fazemos, desde abrir a porta para pegar o jornal até esquentar a água para o mate de um sábado de manhã. Temos que correr o risco e pagar o preço, agüentar as conseqüências e, principalmente, viver. Pois a vida é isso, é risco, é perder e ganhar.

Volto à entrada da casa, caminho até o portão, vejo o movimento incipiente da rua e sento no muro. O mesmo muro de ontem e sempre, o muro que não é metáfora de indecisão, o muro onde planejamos o futuro a partir do que sabíamos do presente. O muro que agora é passado que não volta mais. Sempre em casa, não vi o muro diminuir de tamanho. Ou fui eu que cresci? Sentado, a grama ainda úmida do sereno, alguns pássaros voam logo acima das árvores.

Logo todos estarão acordados, na casa e no mundo. Estas preocupações filosóficas do tipo onde estou e pra onde vou ficarão para o próximo amanhecer ou para o próximo sábado, quando a manhã chegar e água chiar lembrando que não pode ferver.

sábado, abril 09, 2005

Dicionários (3)

Sim, eu falo o porto-alegrês.

É inevitável, afinal sou daqui. Nunca tinha me dado conta, por exemplo, de como falo 'Bá' até estar num congresso em Gramado/RS e ficar no mesmo hotel de umas colegas médicas de São Paulo. Em dois minutos de conversa, devo ter falado uns cinco 'bás'...

Alguns vocábulos do 'Dicionário de Porto-Alegrês':

A Facão - Diz-se de algo que foi mal feito, ou feito às pressas, que foi feito a facão, isto é, sem o instrumento adequado, sem o refinamento exigido. Parecido com "à moda miguelão" (v.).

A Fu - Ver "a fuder".

A Fuder - Pela ortografia brasileira deveria grafar-se "a foder", mas pe "a fuder" a expressão, que tem uma forma contrata, "a fu", que também se diz, malandramente segundo critério popular, "a fuzel"; designa aquilo que é muito bom, de alta qualidade, tanto uma situação ("Tava uma festa a fuder") quanto um sujeito ("Bá, esse cara é a fuder").

A La Louca - Expressão adverbial que descreve o modo alucinado com que alguém faz alguma coisa. "O cara veio a toda e entrou a la louca aqui na esquina", por exemplo. Aquele "la" deve ser platinismo, e se usa em outras expressões como "a la merda", "a la putcha", "a la fresca".

A Perigo - Estar "a perigo" é o mesmo que estar "na unha": em situação limite, nas últimas, "matando cachorro a grito". Usado especificamente com relação a mulher, do ponto de vista do homem: cara que está a perigo é principalmente o cara que não transa há horas. Pode acontecer também com a grana.

Abobado - Trata-se de um insulto muito usado contra os xaropes em geral; comporta variações: "abobado da enchente", alguns dizem que devido á famosa enchente de 1941, quando Porto Alegre submergiu; "abobado da tiriça", expressão que pode ser derivada de icterícia. Tem também "abobado da punheta", insinuação de que, conforme a velha idéia, o exercício reiterado da masturbação deixa o cara meio louco da cabeça.

Bailar na curva - Tem o sentido genérico de perder o rumo, ser posto pra fora de algo, por aí; o mesmo que "tomar um baile". O Júlio Conte escreveu e dirigiu uma peça que fez muito sucesso anos atrás, chamada justamente "Bailei na Curva", nome que expressava fortemente a vigência do termo entre nós e ajudou a perpetuá-lo. Também se diz "sobrar na curva", aqui em analogia com um carro que saia da pista numa curva.

Bater as botas - Morrer. V. "esticar as canelas".

Churrio - Nome mais ou menos elegante da caganeira, da diarréia, vinda diretamente do espanhol chorillo.

Colorado - Sujeito de alto discernimento espiritual, que prefere torcer por um time de elvados méritos, o Sport Club Internacional, ainda que perdedor. Diferente do gremista, que é um sujeito melancólico, raivoso, de baixa espiritualidade. Vem direto do espanhol, em que tem sentido de "da cor vermelha", que aliás é linda, sem nenhum preconceito.

Cu-doce - Expressão das mais interessantes, que não imagino como terá nascido. Quer dizer o seguinte: um sujeito que fica fazendo onda para aceitar um presente, ou um sujeito que fica se fresqueando para dar cabo da tarefa, ou fica se fazendo de difícil, é um cara que está fazendo cu-doce. Foram criados derivativos, mais amenos, como ânus glicosado, por exemplo, que é para usar o termo em família.


(continua)

sexta-feira, abril 08, 2005

Dicionários (2)

Assim como o 'Dicionário de Porto-Alegrês', também o 'Bá, Tchê! - Dicionário Temático' (Ed Artes e Ofícios, Porto Alegre, 2000) é de autoria do Professor Luís Augusto Fischer. Este último é, na verdade, uma edição de bolso do primeiro, mas organizado por assuntos, como Alimentação, Formas de cortesia e insultos, Geografia, tipos humanos e clima, Manhas de linguagem, etc.

Assim como o de porto-alegrês, a versão de bolso não é um relato completo da linguagem gaúcha nem as palavras constantes nele são exclusividade apenas dos gaúchos, é apenas uma "...tentativa de fazer uma fotografia da língua cotidiana que usamos..." .

Manhas de Linguagem

Assim, ó

Expressão que preludia a explicação de algo. "Assim, ó: tu pega aqui na tua direita, segue duas quadras e tu vai sair bem lá perto". Também usada apenas como ameaço: sujeito que queira demonstrar seu desapreço, seu desarcoçôo com algo que lhe foi dito, comenta apenas "Assim, ó", podendo acrescentar "tô de cara com essa pinta".

Aço

Se algo "está que é um aço", é porque está no melhor de sua forma, está na ponta dos cascos (v.). Por outro lado, -aço é um sufixo muito produtivo na língua do local, significando a designação do ato ou efeito daquilo que a palavra-matriz indica, como guampaço, braguetaço (v.), relhaço, fundaço, etc.



Muitas vezes escrito bah, significa tanro aprovação quanto desaprovação; já se disse que é uma redução de barbaridade, palavra com a qual o resto do Brasil nos identifica, em vários sentidos. Muito usada como fala de aprovação enfática a algo dito ou feito: "Mas bá" quer dizer "tu tens toda a razão" "Pode crer, "é isso aí". A expressão 'Bá, tchê' equivale, nos termos paulistanos, a "Orra meu": tem função mais ou menos retórica


(continua)

quinta-feira, abril 07, 2005

Dicionários

No Brasil, falamos português.

Em cada canto do nosso continental país, contudo, fala-se um "dialeto" diferente. O português que se fala no Rio de Janeiro é diferente - não só a pronúncia, mas o uso de expressões, gírias, etc - daquele que se fala em Tocantins, por exemplo. Assim como o de São Paulo é diferente do da Bahia, ou Ceará ou do Paraná. Eu, que sou do sul, gaúcho, além de falar um português local, falo também porto-alegrês, "dialeto" bem característico. Existe até um 'Dicionário de Porto-Alegrês', do professor de literatura Luís Augusto Fischer (Ed. Artes e Ofícios, 1ª edição, 1999, Porto Alegre).

Estava em casa arrumando uns livros e me deparei com ele. Decidi, então, compartilhar com vocês um pouco do porto-alegrês, até para poderem me entender quando falo (aqueles que não são meus conterrâneos). Começamos com 'Umas Palavras', o prefácio do livro, na visão do próprio autor:

Este Dicionário de Porto-Alegrês é impreciso, precário, perecível, incompleto e várias vezes arbitrário. É que é um dicionário, e portanto igual a todos. Só que este aqui está dizendo isso tudo de cara, na primeira linha, meio como defesa do material que aqui vai, meio como constatação, e outro impossível meio para explicar o inexplicável: Porto Alegre não tem turistas, e os habitantes de Porto Alegre não têm maior problema de falarem a língua portuguesa à sua maneira. Então para que raios pode servir um Dicionário de Porto-Alegrês, se nem para foram nem para dentro ele será um dicionário, isto é, um livro a que se recorre para sanar dúvidas de significados ou grafias corretas ou consagradas? Eu não sei.

E tem mais uma mentira: este dicionário não é de Porto-Alegrês, mas de porto-alegrês. Certo que não é um dicionário de gauchês, que é outra língua, aquela falada originalmente na Campanha e nas Missões, que passou para a literatura com a obra de gente como Simões Lopes Neto e hoje em dia vive no imenso campo do tradicionalismo, nos CTGs e em inúmeras manifestações. Mas de todo modo é mentira que o dialeto (e é um dialeto?) aqui registrado seja exclusividade de Porto Alegre, aquela cidade, esta cidade. A rigor, pelo menos em todas as cidades da região metropolitana uns mais ou menos quatro milhões de bocas falam esta língua.

E te mais outra: os termos que compõem este Dicionário não são, em larga medida, exclusividade sequer do Rio Grande do Sul. Muitos freqüentam a linguagem de várias outras paragens do país, e outras paragens fora do país, nesse caso pertencentes a outro grande país, este que Ángel Rama algumas vezes chamou de Comarca do Pampa - cujos epicentros maiores são Buenos Aires e Montevideo e que tem como centro menor, mas importante, a mui leal e valerosa cidade de Porto Alegre. De forma alguma o consulente (esse é o nome de quem consulta) encontrará aqui muita coisa já dicionarizada, e eu tentei registrar essa circunstância sempre que foi possível.

(...)

quarta-feira, abril 06, 2005

Outono

Nada como a casa da gente.

O outono no sul do Brasil, e em Porto Alegre em especial, talvez seja a estação do ano mais bonita. É quando o céu parece de azul profundo, e as cores de tudo são mais vivas, mais vibrantes. Ainda há o verde que vem do verão, mesmo que este ano tenha ocorrido uma seca sem precedentes, o que desagradou os agricultores em geral, mas tornou as uvas mais doces o que torna a safra de vinhos produzidos este ano - e que vai ao mercado em 2007, para os vinhos mais encorpados, que necessitam de tempo de maturação em barris de carvalho - a melhor de toda a história aqui no sul do América do Sul, Brasil.

Hoje fui - uma vez mais - ao hospital em que trabalhava até junho do ano passado. Para rever amigos, colocar conversas em dia. A pergunta de todos: já de volta, ou turista? Turista, respondo, pois é com esse olhar que tenho visto os dias passarem por aqui desde que cheguei. Mas, ao mesmo tempo, a estranha - e boa - sensação de que nunca saí daqui, que continuo parte do todo, parte do local onde sempre vivi e para onde volto no final desta minha jornada por terras canadenses.

O melhor é saber que já me sinto parte do todo também em Toronto. Estou lá, inteiro e vivendo a experiência com dedicação total. Faço parte de dois mundos, que - no fundo - são o mesmo.

Na fase de transição, ao sair da escola para entrar na faculdade de medicina, bem adolescente ainda, eu percebi que eu era mais de um, três até, para conviver nos diferentes mundos que me cercavam, três meios sociais, com pessoas diferentes, quase antagônicos até. Com o passar do tempo, não sem alguma perda e/ou dor, unifiquei os mundos em que vivia. Ou, melhor, me tornei único, uno. O mesmo Marcelo sempre, em todas as situações.

Coerência.

Foi quando vi que tinha crescido.

terça-feira, abril 05, 2005

Cinco de abril

Números

Última edição do Guiness Book
corações a mais de 1000
E eu com esses números?
5 extinções em massa... 400 humanidades
E eu com esses números?
solidão a 2... dívida externa... anos luz
aos 33 Jesus na cruz... Cabral no mar aos 33
e eu (em Toronto), o que faço com estes números?


a medida de amar é amar sem medida
velocidade máxima permitida
a medida de amar é amar sem medida

Nascimento e Silva 107... Corrientes 348
E eu com esses números?
Traço de audiência... tração nas 4 rodas
E eu, o que faço com estes números?
7 vidas... mais de mil destinos
Todos foram tão cretinos
quando elas se beijaram

a medida de amar é amar sem medida
preparar a decolagem
contagem regressiva
a medida de amar é amar sem medida

mega ultra híper micro baixas calorias
kilowatts...gigabytes
e eu, o que faço com esses números?

a medida de amar é amar sem medida
preparar a decolagem
contagem regressiva
a medida de amar é amar sem medida

(humberto gessinger)


Agradeço sinceramente a todas as felicitações recebidas

segunda-feira, abril 04, 2005

A Boneca Morta


dead toll Posted by Hello

Como vocês devem ter notado, esta foi a minha companheira no vôo Toronto - Porto Alegre. E se estou escrevendo aqui é porque a minha "energia positiva" foi maior que a negativa dela...

Até amanhã.

domingo, abril 03, 2005

A Sopa 04/37

A minha viagem para Porto Alegre não foi apenas a passeio.

Eu fiz o translado da boneca morta.

Enquanto o carro avançava por Toronto em direção ao aeroporto, eu e a minha carona providencial conversávamos generalidades sobre a vida no Canadá, Toronto em especial. E nos contávamos histórias.

A Adriana - minha carona - também é de Porto Alegre e imigrou para o Canadá. Estava separada do marido, conheceu e casou com o Brian, que é canadense. Por isso, imigrou. Como tem duas filhas, que não puderam ir junto num primeiro momento, ficou mais ou menos na ponte aérea Toronto - Porto Alegre.

Imagino como deve ser difícil. Mas, sempre que pode, ela vem à Porto Alegre e nas férias as gurias vão para lá. Foi nas últimas férias em que estavam em Toronto que as conheci, assim como à Adriana. Foi num sábado final de tarde em que fui tomar chimarrão com ela e com o Diego (que está de volta à Porto Alegre, já PhD e professor da ULBRA) e que se transformou em janta e conversa boa de muitas risadas e histórias até o início da madrugada seguinte.

Alguns dias antes da minha viagem, em conversa via e-mail, ela perguntou de eu poderia levar comigo o presente de Páscoa das filhas. "Em troca", ela me levaria até o aeroporto. Disse a ela que tudo bem, desde que o presente não fossem bicicletas... Apenas chocolates, respondeu ela, e claro que não foi problema.

Íamos, então, em direção ao aeroporto e conversando sobre a vida, até que - de passagem - ela falou na boneca morta, e eu lembrei dela daquele sábado em fui na sua casa: uma da filhas tinha me mostrado uma pequena boneca vestida de noiva e com o rosto coberto por sangue, morta, enfim. O seu nome, bem adequado, Dead Doll. Pois é, me contou a Adriana que a boneca tinha ficado porque a dona, uma de suas filhas, tinha ficado "com receio" de levá-la no avião... E quando soube que eu transportaria o presente de Páscoa delas, pediu que junto fosse a boneca morta. A Adriana perguntou se não me importava de levar. Claro que não, respondi.

Mas foi inevitável pensar que se acontecesse alguma coisa com avião, caísse, por exemplo, eu já tinha a quem culpar. Bom, mas se o avião caísse, eu não ia precisar culpar ninguém...

No aeroporto, esperando a hora do embarque, esqueci da boneca morta. Só fui lembrar dela na hora em que o avião tocou o solo em São Paulo, no sábado pela manhã. O meu santo é mais forte que o da boneca morta, pensei. Mas aí lembrei que ainda faltava o trecho para Porto Alegre. A Boneca ainda podia vencer...

sábado, abril 02, 2005

Chegamos

Viagem tranqüila, estamos em casa, em Porto Alegre.

Viemos bem, eu e a boneca morta.

...

sexta-feira, abril 01, 2005

Sexta-feira, esperamos

Enquanto termino de arrumar minha mala, banho tomado, organizando últimas coisas, ainda devo por o lixo para fora, a televisão ligada na CNN mostra imagens ao vivo da Praça de São Pedro, no Vaticano, pequeno país independente envolto por todos os lados pela eterna cidade de Roma. João Paulo II está morrendo, e milhares de fiéis aguardam notícias postados, mesmo à meia noite, na praça.

A Basílica de São Pedro, na praça de mesmo nome, é uma construção gigantesca, imponente e emocionante. Lá, o peito do pé de Pedro, onde todos passam a mão, é preto e gasto. Também dentro da basílica está, protegida por vidro, a Pietá, de Michelangelo. Impressiona. A alguns passos dali, o castelo e a ponte de Sant’Angelo. Em Roma, tudo é história, tudo é sagrado.

A despeito de qualquer outra consideração, João Paulo II foi talvez o Papa mais carismático da história, e o de maior visibilidade. Graças à tecnologia, foi visto por muito mais pessoas, o que mais viajou. Eu lembro de quando ele teve no Brasil em 1980 (eu acho), da música que cantávamos, e que – em Porto Alegre – foi recebido pelo grito de “ucho, ucho, ucho, o Papa é gaúcho”, que – de volta ao Brasil em 1997 – no Rio de Janeiro, ao ouvir o “oca, oca, oca, o Papa é carioca”, comentou “aqui, o Papa é carioca, mas em Porto Alegre, o Papa é gaúcho”.

Nunca, antes de João Paulo II, um papa foi pop, no sentido de visibilidade e cobertura de mídia, até porque nunca antes houve tanta informação disponível. E agora acompanham – ao vivo – os seus últimos momentos. Christianne Amanpour faz agora um boletim ao vivo de Roma e, de Atlanta, bispos falam sobre os últimos momentos de João Paulo II.

Apesar de não concordar com muitas das suas posições políticas, sempre nutri grande admirição por ele, e entendi que muitas das posições com relação a diversos temas polêmicos eram parte do seu papel. A igreja deve ser conservadora, hoje compreendo.

Assim como devemos saber julgar o que é melhor para nós.

#

Em trânsito.

Próximo boletim, de Porto Alegre.

(alguém descobriu sobre as ervilhas e o Canadá?