Há nove anos era sábado. E chovia.
Horas antes, fui até o local da festa, que deveria estar pronto, só que a equipe que ia colocar o som ainda não tinha aparecido. Se eles não aparecessem, seria uma festa de casamento sem música. Depois da igreja, uma festa à capela, pensei. Azar, não havia nada que eu pudesse fazer naquele momento. Fui para a casa.
Em casa, hora de fazer a barba. Com todo o cuidado, “na ponta dos dedos”. No final, um deslize e craw! um talho no meu pescoço. Uma falta de prática ou um condicionamento cósmico, afinal o meu sogro havia tido o mesmo problema no seu casamento? Não importava muito naquele momento.
Cinco meses antes, quando fui marcar a data, o padre ficou surpreso quando eu disse que queria casar em agosto. “Ninguém casa em agosto”, ele disse, “dizem que dá azar”. Respondi para ele que dia trinta e um à noite já era praticamente setembro, e – além disso – a festa ia começar em agosto e ir até setembro, o que só podia ser um bom sinal, afinal de contas.
Quando a vi pela primeira vez, dia 02 de janeiro de 1995, pensei que ela era muita areia para o meu caminhãozinho. Que eu teria que fazer muito para merecê-la, para ser digno de estar com ela.
É o que venho tentando desde então.
E muito feliz.
Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você
Te amo, Jacque.
(você, timido leitor, hoje bem que podia comentar, afinal a data é especial...)
Até
Crônicas e depoimentos sobre a vida em geral. Antes o exílio; depois, a espera. Agora, o encantamento. A vida, afinal de contas, não é muito mais do que estórias para contar.
quarta-feira, agosto 31, 2005
terça-feira, agosto 30, 2005
A Volta (2)
Minha volta de New York para Toronto estava marcada para esta segunda no vôo das 7h. Como falei ontem, cheguei no aeroporto às 6h, embarquei e, duas horas depois, todos os passageiros desembarcamos pois o vôo tinha sido cancelado.
Longa fila, alguns conseguiram pegar o vôo das 8h45. Os outros, eu incluso, deveríamos ficar em stand-by para um próximo vôo com lugar. Alguns momentos passaram, e a mocinha do balcão disse que tinha seis lugares num vôo para Montreal que sairia em poucos minutos. Eu me voluntariei e pude embarcar. Só que fui o último.
O que quer dizer que quando tentei entrar no avião, minha bagagem de mão (tudo o que tinha levado para NY) foi rejeitada porque não havia mais lugar. Resmunguei coisas impublicáveis em francês e em inglês, e deixei a mala com a mala do comissário de bordo que garantiu que ela seria entregue assim que eu saísse do avião em Montreal.
Apesar de alguma turbulência, o vôo foi bem tranquilo. Ao chegar em Montreal, quase hora de embarcar para pegar a conexão, saio de avião e – adivinhe – a minha mala não está lá. Fico esperando, converso com a aeromoça, que fala no rádio e me informa que minha mala estará junto com as outras de quem as despachou. Resmungo novamente coisas impublicáveis, agora em espanhol.
Corro em direção ao terminal de embarque, mas tenho que parar pela imensa fila para passagem pela aduana. Suuuper-tranquilo e sorridente, chamo a mocinha que coordena a fila e pergunto para ela sobre a minha conexão, que está iniciando o embarque. Ela me passa na frente de todos, que provavelmente resmungam coisas impublicáveis em diversos idiomas, mas não estou nem aí. A funcionária aduaneira, super-simpática, verifica que meu visto expira em pouco mais de vinte dias. Explico a ela que já submeti os papéis para a renovação e estou aguardando resposta, informando a ela quando meus documentos chegaram em Vegreville, Alberta, quantos dias estão levando para processar os pedidos de renovação (51, dados de 22.08) e inclusive de qual data estão sendo processando agora.
Ela fica impressionada com o meu conhecimento de prazos e regulamentos, mas mesmo assim pede para eu passar no setor de imigração para eles conferirem meus papéis. Vou até lá, converso com a dona imigração, que me diz que está tudo certo mas que, a partir de 20 de setembro de 2005 eu preciso do novo work permit e de novo visto. Decido não dizer para ela que já tenho um novo visto, válido por dois anos, só que de visitor, porque aí eu realmente ia perder minha conexão.
Saio dali, ágil e veloz como um guepardo, e vou até o setor de malas: nada. Minha mala não está lá. Nem sombra dela, nem rastro, cheiro, nada. Resmungo coisas impublicáveis, em italiano. Lá vou eu, impávido que nem Muhamed Ali, tranquilo e infalível como Bruce Lee, até o setor de perda de bagagens da Air Canada. Converso com o funcionário, que não sabe informar nada. Não sou o único. Mais dois passageiros estão na mesma situação desde NY, agora sem suas malas. Decido dar um última verificada, e ela está lá, bem longe, parada num esteira imóvel e deserta.
Pego a mesma e volto ao balcão, já sabendo que já perdera a conexão. Tudo explicado, sou encaminhado ao setor de embarques domésticos (que não quer dizer que apenas assalariados que trabalham em casas de família o utilizem). Lá chegando, entrego o bilhete ao funcionário, que diz que perdi o avião. Não digo nada dessa vez, apenas fecho a mão e me preparo para o que virá. Sorrio, e penso coisas impublicáveis em árabe (ou o que eu imagino ser árabe, já que quem me ensinou estava bêbado e provavelmente o que penso ser um xingamento queira dizer “Sou um idiota, me chutem” ou “Alá é uma farsa e vocês não são de nada”).
Diz ele que, como “perdi” o meu vôo (eu?!), vou ficar em stand-by para o próximo. Explico para ele, calmamente, que EU NÃO PERDI O VÔO, A CULPA É DESTA PORCARIA DE COMPANHIA AÉREA QUE FEZ TODA A CAGADA E QUE, PARA O BEM DELES É MELHOR ME DAREM UM ASSENTO DE CLASSE EXECUTIVA OU ME PAGAREM UMA DIÁRIA NO HILTON PARA EU DESCANSAR E ME RECUPERAR DO ESTRESSE QUE O MEU DIA VEM SENDO ATÉ AQUI. Nãããão… é mentira. Eu não falei nada disso, não.
Quando ele disse que eu ia ficar em stand-by, eu decidi que era hora de tomar uma cerveja, comer alguma coisa, e relaxar.
Foi o que fiz.
Embarquei no primeiro vôo (seguinte ao que eu tinha perdido) e dormi até Toronto. Saindo do aeroporto, o ônibus estava esperando na parada, o mesmo com o metrô. Cheguei em casa dez horas depois de sair da casa do meu irmão. Quase o mesmo tempo de ir de ônibus.
Mas pelo menos posso dizer que já estive em Montreal…
#
A música de hoje, dentro da semana “9 anos de casamento” é a primeira música, temporalmente falando, que associo à Jacque porque ela vivia cantando quando começamos a namorar.
Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível
Meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nada
Que morre afogada por mim
Mistérios sempre há de pintar por aí
Até.
Longa fila, alguns conseguiram pegar o vôo das 8h45. Os outros, eu incluso, deveríamos ficar em stand-by para um próximo vôo com lugar. Alguns momentos passaram, e a mocinha do balcão disse que tinha seis lugares num vôo para Montreal que sairia em poucos minutos. Eu me voluntariei e pude embarcar. Só que fui o último.
O que quer dizer que quando tentei entrar no avião, minha bagagem de mão (tudo o que tinha levado para NY) foi rejeitada porque não havia mais lugar. Resmunguei coisas impublicáveis em francês e em inglês, e deixei a mala com a mala do comissário de bordo que garantiu que ela seria entregue assim que eu saísse do avião em Montreal.
Apesar de alguma turbulência, o vôo foi bem tranquilo. Ao chegar em Montreal, quase hora de embarcar para pegar a conexão, saio de avião e – adivinhe – a minha mala não está lá. Fico esperando, converso com a aeromoça, que fala no rádio e me informa que minha mala estará junto com as outras de quem as despachou. Resmungo novamente coisas impublicáveis, agora em espanhol.
Corro em direção ao terminal de embarque, mas tenho que parar pela imensa fila para passagem pela aduana. Suuuper-tranquilo e sorridente, chamo a mocinha que coordena a fila e pergunto para ela sobre a minha conexão, que está iniciando o embarque. Ela me passa na frente de todos, que provavelmente resmungam coisas impublicáveis em diversos idiomas, mas não estou nem aí. A funcionária aduaneira, super-simpática, verifica que meu visto expira em pouco mais de vinte dias. Explico a ela que já submeti os papéis para a renovação e estou aguardando resposta, informando a ela quando meus documentos chegaram em Vegreville, Alberta, quantos dias estão levando para processar os pedidos de renovação (51, dados de 22.08) e inclusive de qual data estão sendo processando agora.
Ela fica impressionada com o meu conhecimento de prazos e regulamentos, mas mesmo assim pede para eu passar no setor de imigração para eles conferirem meus papéis. Vou até lá, converso com a dona imigração, que me diz que está tudo certo mas que, a partir de 20 de setembro de 2005 eu preciso do novo work permit e de novo visto. Decido não dizer para ela que já tenho um novo visto, válido por dois anos, só que de visitor, porque aí eu realmente ia perder minha conexão.
Saio dali, ágil e veloz como um guepardo, e vou até o setor de malas: nada. Minha mala não está lá. Nem sombra dela, nem rastro, cheiro, nada. Resmungo coisas impublicáveis, em italiano. Lá vou eu, impávido que nem Muhamed Ali, tranquilo e infalível como Bruce Lee, até o setor de perda de bagagens da Air Canada. Converso com o funcionário, que não sabe informar nada. Não sou o único. Mais dois passageiros estão na mesma situação desde NY, agora sem suas malas. Decido dar um última verificada, e ela está lá, bem longe, parada num esteira imóvel e deserta.
Pego a mesma e volto ao balcão, já sabendo que já perdera a conexão. Tudo explicado, sou encaminhado ao setor de embarques domésticos (que não quer dizer que apenas assalariados que trabalham em casas de família o utilizem). Lá chegando, entrego o bilhete ao funcionário, que diz que perdi o avião. Não digo nada dessa vez, apenas fecho a mão e me preparo para o que virá. Sorrio, e penso coisas impublicáveis em árabe (ou o que eu imagino ser árabe, já que quem me ensinou estava bêbado e provavelmente o que penso ser um xingamento queira dizer “Sou um idiota, me chutem” ou “Alá é uma farsa e vocês não são de nada”).
Diz ele que, como “perdi” o meu vôo (eu?!), vou ficar em stand-by para o próximo. Explico para ele, calmamente, que EU NÃO PERDI O VÔO, A CULPA É DESTA PORCARIA DE COMPANHIA AÉREA QUE FEZ TODA A CAGADA E QUE, PARA O BEM DELES É MELHOR ME DAREM UM ASSENTO DE CLASSE EXECUTIVA OU ME PAGAREM UMA DIÁRIA NO HILTON PARA EU DESCANSAR E ME RECUPERAR DO ESTRESSE QUE O MEU DIA VEM SENDO ATÉ AQUI. Nãããão… é mentira. Eu não falei nada disso, não.
Quando ele disse que eu ia ficar em stand-by, eu decidi que era hora de tomar uma cerveja, comer alguma coisa, e relaxar.
Foi o que fiz.
Embarquei no primeiro vôo (seguinte ao que eu tinha perdido) e dormi até Toronto. Saindo do aeroporto, o ônibus estava esperando na parada, o mesmo com o metrô. Cheguei em casa dez horas depois de sair da casa do meu irmão. Quase o mesmo tempo de ir de ônibus.
Mas pelo menos posso dizer que já estive em Montreal…
#
A música de hoje, dentro da semana “9 anos de casamento” é a primeira música, temporalmente falando, que associo à Jacque porque ela vivia cantando quando começamos a namorar.
Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível
Meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nada
Que morre afogada por mim
Mistérios sempre há de pintar por aí
Até.
segunda-feira, agosto 29, 2005
A volta
Segunda-feira, 8h.
Aeroporto de La Guardia, New York. Para ser mais exato, estou dentro do Airbus que vai me levar de volta para Toronto. Já deveria estar chegando, afinal a partida estava prevista para 7h, mas “problemas” na aeronave estão atrasando o vôo.
Os meus planos do dia já estão comprometidos: acordei às 4h30 para poder chegar no aeroporto às 6h para partir às 7h, chegar às 8h30 e ir direto para o hospital, chegando lá por volta de 9h30. Já era. Tudo bem, não dá para estressar.
Se eu acreditasse em sinais, talvez desistisse de viajar nesse vôo. Segunda de manhã, lotação máxima, atraso por problemas técnicos. Eu deveria desconfiar, ainda mais quando eu vi entrar no avião um pai carregando sua filhinha de uns três anos no colo, aquele estereótipo perfeito para filmes catástrofe, sabe como é. Lembrei de alguns filmes do gênero.
A música que toca chama-se “Por Onde andei”, do Nando Reis e diz mais ou menos assim:
“Desculpe estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo
As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pr’uma criança
Por onde andei
Quando você me procurava
Será que eu sei
Que você é mesmo aquilo tudo que me faltava?
Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como o dia em que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança
Que a vida é mesmo muito frágil
Uma bobagem, uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama
Por onde andei
Quando você me procurava
E o que eu te dei
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei
Que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?”
Essa semana a Jacque e eu completamos 9 anos de casados, então a semana será de homenagens a nós, com algumas letras de músicas e/ou poemas que tenham a ver com isso o que temos, um bela história de amor.
UPDATE – 10h20, o avião cruza os céus do norte do mundo. Devo chegar em cerca de uma hora ao meu destino: Montreal… Lá, conexão para Toronto…
O vôo das 7h foi cancelado por falta de segurança da aeronave (algum problema técnico). Duas opções: ficar em stand-by para o primeiro vôo para Toronto (sem saber que horas sair – amanhã, talvez) ou pegar esse para Montreal e fazer conexão de volta a Toronto. Previsão de chegada: 13h15, seis horas depois do previsto…
Pequena turbulência, nada que assuste (até porque se publiquei esse texto é porque cheguei inteiro ao meu destino final).
Até.
Aeroporto de La Guardia, New York. Para ser mais exato, estou dentro do Airbus que vai me levar de volta para Toronto. Já deveria estar chegando, afinal a partida estava prevista para 7h, mas “problemas” na aeronave estão atrasando o vôo.
Os meus planos do dia já estão comprometidos: acordei às 4h30 para poder chegar no aeroporto às 6h para partir às 7h, chegar às 8h30 e ir direto para o hospital, chegando lá por volta de 9h30. Já era. Tudo bem, não dá para estressar.
Se eu acreditasse em sinais, talvez desistisse de viajar nesse vôo. Segunda de manhã, lotação máxima, atraso por problemas técnicos. Eu deveria desconfiar, ainda mais quando eu vi entrar no avião um pai carregando sua filhinha de uns três anos no colo, aquele estereótipo perfeito para filmes catástrofe, sabe como é. Lembrei de alguns filmes do gênero.
A música que toca chama-se “Por Onde andei”, do Nando Reis e diz mais ou menos assim:
“Desculpe estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo
As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pr’uma criança
Por onde andei
Quando você me procurava
Será que eu sei
Que você é mesmo aquilo tudo que me faltava?
Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como o dia em que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança
Que a vida é mesmo muito frágil
Uma bobagem, uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama
Por onde andei
Quando você me procurava
E o que eu te dei
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei
Que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?”
Essa semana a Jacque e eu completamos 9 anos de casados, então a semana será de homenagens a nós, com algumas letras de músicas e/ou poemas que tenham a ver com isso o que temos, um bela história de amor.
UPDATE – 10h20, o avião cruza os céus do norte do mundo. Devo chegar em cerca de uma hora ao meu destino: Montreal… Lá, conexão para Toronto…
O vôo das 7h foi cancelado por falta de segurança da aeronave (algum problema técnico). Duas opções: ficar em stand-by para o primeiro vôo para Toronto (sem saber que horas sair – amanhã, talvez) ou pegar esse para Montreal e fazer conexão de volta a Toronto. Previsão de chegada: 13h15, seis horas depois do previsto…
Pequena turbulência, nada que assuste (até porque se publiquei esse texto é porque cheguei inteiro ao meu destino final).
Até.
domingo, agosto 28, 2005
A Sopa 05/06
Viajar é uma experiência única.
Assim como uma pessoa nunca cruza duas vezes o mesmo rio (porque o rio não é mais mesmo assim como pessoa também não é mais a mesma), duas pessoas visitando um mesmo lugar ao mesmo tempo não estarão vendo a mesma coisa, ou sentindo as mesmas sensações. Existem quase que infinitas versões de Paris, ou New York, assim como é o número de pessoas multiplicado pelo número de vezes em que estiveram lá, e cada um, cada vez, visitou uma cidade diferente.
Mas diferente em parte, claro. A torre Eiffel ou o Central Park serão essencialmente os mesmos. Talvez com pequenas alterações, restaurações ou manutenções, mas no seu cerne, manterão-se os mesmos. Assim como nós, que mudados, ou em circunstâncias diferentes de vida, seremos diferentes mas no fundo os mesmos. A essência.
Isso torna mais interessante visitar mais de uma vez os mesmos lugares, cidades ou países, não importa. Porque iremos ver com olhos “atualizados” o nosso destino de viagem, e atualizaremos nossa impressão sobre o mesmo. É o ponto positivo de visitar pela segunda (ou terceira, ou quarta) um mesmo local: renovar as sensações. Ou conhecer mais do mesmo, que sempre é um acréscimo, uma virtude a mais. Não ter a obrigação de visitar determinadas “atrações” é um prazer tão grande quanto o de visitá-las pela primeira vez. Ou ainda ver sob outros ângulos aquilo que já parecia bem conhecido.
Sentir-se livre para andar sem pressa, olhando muito para os lados, para as pessoas, algumas vezes ter o prazer de ser confundido com um local, com alguém que faz parte daquele contexto, daquela intricada rede de relações que chamamos de cidades. É o que diferencia o viajante do turista: a não obrigação de ver tudo em pouco tempo, não ser regido pela ampulheta que determina onde, quando e por quanto tempo ir aos lugares.
Penso isso nessa manhã nublada de domingo. Já choveu um pouco, e o meu plano de me deitar na grama do Central Park e ficar lá, olhos fechados, sentindo o calor do sol do final do verão, vai ser adiado. Lembro, então, que estive aqui há um ano, ainda nos meus primeiros dias de exílio, a sensação de desajustamento e de ter sido “arrancado” do mundo que vivia para um outro, desconhecido, eram bem fortes. Lembro que vim para cá para estar com família, me sentir novamente parte de algo.
Um ano depois, de volta, agora que tudo isso, o norte, já é parte de mim, e faço parte dele, vejo uma outra cidade. Muito melhor, muito mais viva e cheia de vida (ou sou eu que estou assim?). Não tão boa quanto o foi em dezembro, quando a Jacque estava aqui, mas definitivamente um espetáculo de cidade.
Até.
Assim como uma pessoa nunca cruza duas vezes o mesmo rio (porque o rio não é mais mesmo assim como pessoa também não é mais a mesma), duas pessoas visitando um mesmo lugar ao mesmo tempo não estarão vendo a mesma coisa, ou sentindo as mesmas sensações. Existem quase que infinitas versões de Paris, ou New York, assim como é o número de pessoas multiplicado pelo número de vezes em que estiveram lá, e cada um, cada vez, visitou uma cidade diferente.
Mas diferente em parte, claro. A torre Eiffel ou o Central Park serão essencialmente os mesmos. Talvez com pequenas alterações, restaurações ou manutenções, mas no seu cerne, manterão-se os mesmos. Assim como nós, que mudados, ou em circunstâncias diferentes de vida, seremos diferentes mas no fundo os mesmos. A essência.
Isso torna mais interessante visitar mais de uma vez os mesmos lugares, cidades ou países, não importa. Porque iremos ver com olhos “atualizados” o nosso destino de viagem, e atualizaremos nossa impressão sobre o mesmo. É o ponto positivo de visitar pela segunda (ou terceira, ou quarta) um mesmo local: renovar as sensações. Ou conhecer mais do mesmo, que sempre é um acréscimo, uma virtude a mais. Não ter a obrigação de visitar determinadas “atrações” é um prazer tão grande quanto o de visitá-las pela primeira vez. Ou ainda ver sob outros ângulos aquilo que já parecia bem conhecido.
Sentir-se livre para andar sem pressa, olhando muito para os lados, para as pessoas, algumas vezes ter o prazer de ser confundido com um local, com alguém que faz parte daquele contexto, daquela intricada rede de relações que chamamos de cidades. É o que diferencia o viajante do turista: a não obrigação de ver tudo em pouco tempo, não ser regido pela ampulheta que determina onde, quando e por quanto tempo ir aos lugares.
Penso isso nessa manhã nublada de domingo. Já choveu um pouco, e o meu plano de me deitar na grama do Central Park e ficar lá, olhos fechados, sentindo o calor do sol do final do verão, vai ser adiado. Lembro, então, que estive aqui há um ano, ainda nos meus primeiros dias de exílio, a sensação de desajustamento e de ter sido “arrancado” do mundo que vivia para um outro, desconhecido, eram bem fortes. Lembro que vim para cá para estar com família, me sentir novamente parte de algo.
Um ano depois, de volta, agora que tudo isso, o norte, já é parte de mim, e faço parte dele, vejo uma outra cidade. Muito melhor, muito mais viva e cheia de vida (ou sou eu que estou assim?). Não tão boa quanto o foi em dezembro, quando a Jacque estava aqui, mas definitivamente um espetáculo de cidade.
Até.
sábado, agosto 27, 2005
Live from New York
Sábado.
Manhã sonolenta em New York, ao menos para mim. Fisicamente exausto depois de dois dias de caminhadas incessantes por Manhatan, além parada obrigatória no Strawberry Fields para prestar tributo a um dos mestres de sempre.
Ontem foi dia de visitar o Moma no final da tarde – entranda franca – com filas imensas que andam rápido, como se estivesse na Disney. Lá dentro, um exposição do fotógrafo de Lee Friedlander – falo sobre ele outra hora – e depois uma visita a Van Gogh, Monet, Gauguin, Picasso.
O dia terminou do outro lado do rio, no Brooklyn Heights, fotografando o início da noite e o skyline e com uma pizza under the Brooklyn Bridge, no Grimaldi’s, uma das melhores pizzarias da cidade.
Até.
Manhã sonolenta em New York, ao menos para mim. Fisicamente exausto depois de dois dias de caminhadas incessantes por Manhatan, além parada obrigatória no Strawberry Fields para prestar tributo a um dos mestres de sempre.
Ontem foi dia de visitar o Moma no final da tarde – entranda franca – com filas imensas que andam rápido, como se estivesse na Disney. Lá dentro, um exposição do fotógrafo de Lee Friedlander – falo sobre ele outra hora – e depois uma visita a Van Gogh, Monet, Gauguin, Picasso.
O dia terminou do outro lado do rio, no Brooklyn Heights, fotografando o início da noite e o skyline e com uma pizza under the Brooklyn Bridge, no Grimaldi’s, uma das melhores pizzarias da cidade.
Até.
sexta-feira, agosto 26, 2005
Intelligent Design
(Continuação do texto de ontem)
Em 1925, John Thomas Scopes, aos 24 anos e professor de uma escola secundária no Tenesse, EUA, foi levado a julgamento após confessar que havia ensinado a Teoria da Evolução de Darwin em algumas aulas de biologia que deu como professor substituto. E isso era ilegal. O julgamento ficou conhecido como o “Monkey Trial”, ou ‘julgamento do macaco’.
E as razões para isso permanecem bem vivas, oitenta anos depois. A seleção natural – ciência, não fé – fornece uma explicação para as origens da vida, incluindo humana, que depende inteiramente das leis da natureza. Não fala nada sobre a existência de um deus que teria criado. O problema é que, para muitos, se os humanos são apenas mais um produto da natureza sem um status especial, não há necessidade de nenhum tipo de moralidade. Mesmo com tudo que sabemos, ainda há muita gente que é cada vez mais ligada a crenças e leis religiosas estritas.
E aí entra o Intelligent Design (ID).
Essa teoria diz que as existem estrutras biológicas muito complexas para terem sido criadas por seleção natural e devem ter sido criadas, ou ‘desenhadas’. Para isso, eles se utilizam de alguns conceitos, entre eles o da “Irreducible complexity”.
Esse conceito propõe que alguns sistemas moleculares, com aquele que desencadeia a coagulação do sangue em humanos, não pode ser “quebrado” em unidades funcionais menores, então não pode ter sido criado por seleção natural. Outro conceito, ‘Specified complexity’, utiliza a teoria das probabilidades para tentar mostrar (provar?) que é tão improvável que certas estrutras biológicas tenham surgido por processos naturais que elas devem ter sido “desenhadas”, ou criadas.
Aparentemente, essas idéias até podem parecer plausíveis, mas contêm um problema: não podem ser testadas e, portanto, NUNCA vão poder ser consideradas ou entendidas como ciência. Além disso, se for aceito, o ID pode ser o responsável pelo fim da pesquisa, pois cada vez que os cientistas chegarem a algo sem explicação, ao invés de continuarem procurando respostas poderão apenas considerar que aquilo é produto do “desenhista”.
Não só isso. Aqueles que defendem o ID dizem que – para haver justiça – nas escolas deveriam ser ensinadas as duas teorias e sua controvérsia. Controvérsia? Que controvérsia? Não há controvérsia! Esse é o problema, estão querendo dar a entender que existem dúvidas onde elas não existem.
A evolução por seleção natural vem sobrevivendo há 146 anos de escrutínio científico, de testes, e é considerada o ‘mais importante conceito na biologia moderna’ pela Academia Americana de Ciências Naturais. Não há controvérsia. Querer ensinar também o ID como alternativa à evolução natural é o mesmo que dizer que há algum tipo de controvérsia entre astronomia e astrologia.
Ou querer convencer que "existem elefantes roxos que flutuam."
Até.
Em 1925, John Thomas Scopes, aos 24 anos e professor de uma escola secundária no Tenesse, EUA, foi levado a julgamento após confessar que havia ensinado a Teoria da Evolução de Darwin em algumas aulas de biologia que deu como professor substituto. E isso era ilegal. O julgamento ficou conhecido como o “Monkey Trial”, ou ‘julgamento do macaco’.
E as razões para isso permanecem bem vivas, oitenta anos depois. A seleção natural – ciência, não fé – fornece uma explicação para as origens da vida, incluindo humana, que depende inteiramente das leis da natureza. Não fala nada sobre a existência de um deus que teria criado. O problema é que, para muitos, se os humanos são apenas mais um produto da natureza sem um status especial, não há necessidade de nenhum tipo de moralidade. Mesmo com tudo que sabemos, ainda há muita gente que é cada vez mais ligada a crenças e leis religiosas estritas.
E aí entra o Intelligent Design (ID).
Essa teoria diz que as existem estrutras biológicas muito complexas para terem sido criadas por seleção natural e devem ter sido criadas, ou ‘desenhadas’. Para isso, eles se utilizam de alguns conceitos, entre eles o da “Irreducible complexity”.
Esse conceito propõe que alguns sistemas moleculares, com aquele que desencadeia a coagulação do sangue em humanos, não pode ser “quebrado” em unidades funcionais menores, então não pode ter sido criado por seleção natural. Outro conceito, ‘Specified complexity’, utiliza a teoria das probabilidades para tentar mostrar (provar?) que é tão improvável que certas estrutras biológicas tenham surgido por processos naturais que elas devem ter sido “desenhadas”, ou criadas.
Aparentemente, essas idéias até podem parecer plausíveis, mas contêm um problema: não podem ser testadas e, portanto, NUNCA vão poder ser consideradas ou entendidas como ciência. Além disso, se for aceito, o ID pode ser o responsável pelo fim da pesquisa, pois cada vez que os cientistas chegarem a algo sem explicação, ao invés de continuarem procurando respostas poderão apenas considerar que aquilo é produto do “desenhista”.
Não só isso. Aqueles que defendem o ID dizem que – para haver justiça – nas escolas deveriam ser ensinadas as duas teorias e sua controvérsia. Controvérsia? Que controvérsia? Não há controvérsia! Esse é o problema, estão querendo dar a entender que existem dúvidas onde elas não existem.
A evolução por seleção natural vem sobrevivendo há 146 anos de escrutínio científico, de testes, e é considerada o ‘mais importante conceito na biologia moderna’ pela Academia Americana de Ciências Naturais. Não há controvérsia. Querer ensinar também o ID como alternativa à evolução natural é o mesmo que dizer que há algum tipo de controvérsia entre astronomia e astrologia.
Ou querer convencer que "existem elefantes roxos que flutuam."
Até.
quinta-feira, agosto 25, 2005
A Nova Idade Média
Um pouco de história.
A Idade Média, período situado entre a Antiguidade e os tempos Modernos, iniciou com a queda do Império Romano Ocidental, em 476, e estendeu-se – na Europa – por dez séculos, até a queda do Império Romano do Oriente (Bizâncio) em 1453. Caracterizou-se por uma ruralização e descentralização do poder, o que permitiu o desenvolvimento do feudalismo.
Você sabe (mas talvez não lembre) que o feudalismo caracterizou-se por uma economia agrícola de subsistência e mão de obra servil. Toda estrutra social e econômica baseava-se em relações de dependência pessoal ou vassalagem, que iam desde o camponês até o rei. O vassalo oferecia ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. O senhor feudal é vassalo de outro que é de outro e outro até chegar ao rei, que é o maior suserano de todos.
Foi na Idade Média também que a Igreja Católica consolidou seu poder e influência. Tornou-se religião oficial do Império Romano no ano de 392 e, no século XII, era talvez o maior senhor feudal da Europa, tendo como seus feudos os reinos da Inglaterra, Portugal e Sicília. Foi também pela Igreja Católica que as primeiras Universidades do mundo foram criadas. A Universidade de Salerno é fundada em 1087, Bolonha em 1119, Paris em 1150, Módena e Oxford em 1168, Pádua em 1222 e Valência em 1245. Com a formação de centros culturais submetidos às ordens religiosas, a Igreja manteve sob seu controle o ensino e a produção cultural. Se por um lado a igreja motivou o desenvolvimento cultural, com a criação das universidades, por outro ela também está associada a um período de obscurantismo. Como no caso da inquisição.
A inquisição foi um tribunal episcopal criado para inquirir e punir as doutrinas contrárias à ortodoxia cristã. Até o século XII as heresias eram punidas pela Igreja com desterro e enclausuramento. A partir da criação do tribunal episcopal e do tribunal papal (1231), estabeleceu-se a tortura e a pena de morte. A ação inquisitorial contra os hereges estendeu-se pelos reinos católicos durante os séculos XIV ao XIX (na península Ibérica).
Pois é, por isso – entre outras razões - associa-se idade média com retrocesso, com fatos negativos. É claro que não é só assim, mas não é o foco agora.
Estamos à beira de uma nova idade média.
Ou, ao menos, estão tentando.
Existe uma luta ocorrendo em tribunais, escolas e igrejas americanas, ao menos. E parece que, nos dias de hoje, ser Darwinista nos EUA não é a melhor coisa. Isso porque a Teoria de Darwin vem sendo contestada – mais uma vez – e os Criacionistas estão fazendo mais barulho. E falam agora do Intelligent Design, ou ‘Desenho Inteligente’, que usa linguagem científica para argüir que nós nunca vamos entender a natureza a menos que levemos em conta o sobrenatural.
Mas não é ciência.
Não dá para levar a sério, então. Porque aí é coisa de “Pessoas que Acreditam em Coisas” (ver Alex Castro, 03 de julho de 2005).
(CONTINUA)
A Idade Média, período situado entre a Antiguidade e os tempos Modernos, iniciou com a queda do Império Romano Ocidental, em 476, e estendeu-se – na Europa – por dez séculos, até a queda do Império Romano do Oriente (Bizâncio) em 1453. Caracterizou-se por uma ruralização e descentralização do poder, o que permitiu o desenvolvimento do feudalismo.
Você sabe (mas talvez não lembre) que o feudalismo caracterizou-se por uma economia agrícola de subsistência e mão de obra servil. Toda estrutra social e econômica baseava-se em relações de dependência pessoal ou vassalagem, que iam desde o camponês até o rei. O vassalo oferecia ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. O senhor feudal é vassalo de outro que é de outro e outro até chegar ao rei, que é o maior suserano de todos.
Foi na Idade Média também que a Igreja Católica consolidou seu poder e influência. Tornou-se religião oficial do Império Romano no ano de 392 e, no século XII, era talvez o maior senhor feudal da Europa, tendo como seus feudos os reinos da Inglaterra, Portugal e Sicília. Foi também pela Igreja Católica que as primeiras Universidades do mundo foram criadas. A Universidade de Salerno é fundada em 1087, Bolonha em 1119, Paris em 1150, Módena e Oxford em 1168, Pádua em 1222 e Valência em 1245. Com a formação de centros culturais submetidos às ordens religiosas, a Igreja manteve sob seu controle o ensino e a produção cultural. Se por um lado a igreja motivou o desenvolvimento cultural, com a criação das universidades, por outro ela também está associada a um período de obscurantismo. Como no caso da inquisição.
A inquisição foi um tribunal episcopal criado para inquirir e punir as doutrinas contrárias à ortodoxia cristã. Até o século XII as heresias eram punidas pela Igreja com desterro e enclausuramento. A partir da criação do tribunal episcopal e do tribunal papal (1231), estabeleceu-se a tortura e a pena de morte. A ação inquisitorial contra os hereges estendeu-se pelos reinos católicos durante os séculos XIV ao XIX (na península Ibérica).
Pois é, por isso – entre outras razões - associa-se idade média com retrocesso, com fatos negativos. É claro que não é só assim, mas não é o foco agora.
Estamos à beira de uma nova idade média.
Ou, ao menos, estão tentando.
Existe uma luta ocorrendo em tribunais, escolas e igrejas americanas, ao menos. E parece que, nos dias de hoje, ser Darwinista nos EUA não é a melhor coisa. Isso porque a Teoria de Darwin vem sendo contestada – mais uma vez – e os Criacionistas estão fazendo mais barulho. E falam agora do Intelligent Design, ou ‘Desenho Inteligente’, que usa linguagem científica para argüir que nós nunca vamos entender a natureza a menos que levemos em conta o sobrenatural.
Mas não é ciência.
Não dá para levar a sério, então. Porque aí é coisa de “Pessoas que Acreditam em Coisas” (ver Alex Castro, 03 de julho de 2005).
(CONTINUA)
Pequeno conto onírico-capitalista-nada-a-ver
Sonhei que pilotava uma Harley-Davidson pela Quinta Avenida vestindo um terno Armani.
Acordei falido.
(New York Public Library, Thursday, August 25th, 2005, 4pm)
(mais tarde, um texto de verdade)
Acordei falido.
(New York Public Library, Thursday, August 25th, 2005, 4pm)
(mais tarde, um texto de verdade)
quarta-feira, agosto 24, 2005
Start spreading the news
I'm leaving today
I want to be a part of it, New York, New York
These vagabond shoes
Are longing to stray
And make a brand new start of it
New York, New York
I want to wake up in the city that never sleeps
To find I'm king of the hill, top of the heap
These little town blues
Are melting away
I'll make a brand new start of it
In old New York
If I can make it there
I'll make it anywhere
It's up to you, New York, New York.
I want to wake up in the city that never sleeps
To find I'm king of the hill, top of the heap
These little town blues
Are melting away
I'll make a brand new start of it
In old New York
If I can make it there
I'll make it anywhere
It's up to you, New York, New York.
(“New York, New York” – Ebb-Kander)
Vou dar um pulinho até ali e volto a Toronto na segunda-feira. Mas não se assustem, mando notícias direto de lá.
Até.
I want to be a part of it, New York, New York
These vagabond shoes
Are longing to stray
And make a brand new start of it
New York, New York
I want to wake up in the city that never sleeps
To find I'm king of the hill, top of the heap
These little town blues
Are melting away
I'll make a brand new start of it
In old New York
If I can make it there
I'll make it anywhere
It's up to you, New York, New York.
I want to wake up in the city that never sleeps
To find I'm king of the hill, top of the heap
These little town blues
Are melting away
I'll make a brand new start of it
In old New York
If I can make it there
I'll make it anywhere
It's up to you, New York, New York.
(“New York, New York” – Ebb-Kander)
Vou dar um pulinho até ali e volto a Toronto na segunda-feira. Mas não se assustem, mando notícias direto de lá.
Até.
terça-feira, agosto 23, 2005
Uma discussão existencial
Um velho dilema existencial, que há muito não me preocupava, voltou às minhas reflexões nos últimos dias: crescer, amadurecer, significando restringir, limitar.
Certo, não é mais um dilema. Foi por muito tempo, contudo, e ainda penso nele, como um velho amigo que viajou para muito longe e do qual perdemos o contato. Não é motivo de angústia, mas hoje tenho a certeza de que ele deve permanecer sempre por ali, ao alcance da vista, para não perdemos a perspectiva das coisas.
Do que estou falando, afinal de contas?
Explico, explico.
Até um determinado momento, temos a possibilidade de ser qualquer coisa na vida. Fazer o que quisermos, exercer qualquer profissão. Isso acaba quando “o mundo” nos obriga a escolher o que queremos ser (o que determina o que vamos fazer, ou vice-versa, tanto faz). A partir daí, a maioria de nós se “fecha” para outras possibilidades. Se considera incapaz para atividades (intelectuais ou não) diferentes daquela em que se especializou.
É o que chamo de ‘Teoria das Células Pluripotenciais’. Todos nós temos no organismo – em determinado momento – células precursoras que podem se tornar qualquer tipo de célula específica, sei lá, por exemplo, músculo cardíaco ou neurônio. Essas células pluripotenciais, como o nome mesmo já diz, tem o potencial de se especializarem em qualquer outro tipo. Mas, depois de especializadas, não podem mudar. Grosseiramente falando, claro, afinal aqui não é aula de biologia. Mas a idéia é essa. E num plano macro, somos assim também.
Quando nascemos, temos o potencial de nos diferenciar para desenpenhar qualquer função. À medida que o tempo passa, porém, vamos nos dedicando a poucas coisas, e nosso conhecimento vai ficando cada vez mais específico até que terminamos desempenhando uma única função social, e mais nada. Nos restringimos a esse papel.
Por isso o crescer significando restringir, limitar.
Levei anos me questionando porque eu, que estava cursando medicina, não podia, sei lá, fazer cinema ao mesmo tempo? Ou ser chef de cuisine? Ou estudar os clássicos, ler filosofia, estudar física, em especial cosmologia?
Aí uma vez, numa Feira do Livro de Porto Alegre – que aliás, é o maior evento do gênero realizado ao ar livre no continente americano, e a mais antiga feira do livro do Brasil realizada de modo contínuo, esse ano indo para sua 51º edição, realizada sob a sombra dos jacarandás da Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre - assisti a um depoimento do Nelson Motta e, em determinado momento, ele disse que ele não queria ser especialista em nada, queria saber de tudo um pouco. Gostei da idéia, e por algum tempo levei comigo esse objetivo.
Só que não era suficiente, afinal eu já era médico e especialista, e tinha que me especializar cada vez mais no que eu fazia. O que fazer, então? Havia sido vencido pelo “sistema”?
Por um tempo, até achei que sim.
Até o dia em que percebi que eu podia, sim, ser especialista na minha profissão e, além disso, aprender tudo o mais que eu conseguisse, sobre os mais variados assuntos. Podia manter meus horizontes amplos, e com um mundo de possibilidades bem ali, ao alcance da minha mão.
Voltei a dormir em paz, finalmente.
Até.
Certo, não é mais um dilema. Foi por muito tempo, contudo, e ainda penso nele, como um velho amigo que viajou para muito longe e do qual perdemos o contato. Não é motivo de angústia, mas hoje tenho a certeza de que ele deve permanecer sempre por ali, ao alcance da vista, para não perdemos a perspectiva das coisas.
Do que estou falando, afinal de contas?
Explico, explico.
Até um determinado momento, temos a possibilidade de ser qualquer coisa na vida. Fazer o que quisermos, exercer qualquer profissão. Isso acaba quando “o mundo” nos obriga a escolher o que queremos ser (o que determina o que vamos fazer, ou vice-versa, tanto faz). A partir daí, a maioria de nós se “fecha” para outras possibilidades. Se considera incapaz para atividades (intelectuais ou não) diferentes daquela em que se especializou.
É o que chamo de ‘Teoria das Células Pluripotenciais’. Todos nós temos no organismo – em determinado momento – células precursoras que podem se tornar qualquer tipo de célula específica, sei lá, por exemplo, músculo cardíaco ou neurônio. Essas células pluripotenciais, como o nome mesmo já diz, tem o potencial de se especializarem em qualquer outro tipo. Mas, depois de especializadas, não podem mudar. Grosseiramente falando, claro, afinal aqui não é aula de biologia. Mas a idéia é essa. E num plano macro, somos assim também.
Quando nascemos, temos o potencial de nos diferenciar para desenpenhar qualquer função. À medida que o tempo passa, porém, vamos nos dedicando a poucas coisas, e nosso conhecimento vai ficando cada vez mais específico até que terminamos desempenhando uma única função social, e mais nada. Nos restringimos a esse papel.
Por isso o crescer significando restringir, limitar.
Levei anos me questionando porque eu, que estava cursando medicina, não podia, sei lá, fazer cinema ao mesmo tempo? Ou ser chef de cuisine? Ou estudar os clássicos, ler filosofia, estudar física, em especial cosmologia?
Aí uma vez, numa Feira do Livro de Porto Alegre – que aliás, é o maior evento do gênero realizado ao ar livre no continente americano, e a mais antiga feira do livro do Brasil realizada de modo contínuo, esse ano indo para sua 51º edição, realizada sob a sombra dos jacarandás da Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre - assisti a um depoimento do Nelson Motta e, em determinado momento, ele disse que ele não queria ser especialista em nada, queria saber de tudo um pouco. Gostei da idéia, e por algum tempo levei comigo esse objetivo.
Só que não era suficiente, afinal eu já era médico e especialista, e tinha que me especializar cada vez mais no que eu fazia. O que fazer, então? Havia sido vencido pelo “sistema”?
Por um tempo, até achei que sim.
Até o dia em que percebi que eu podia, sim, ser especialista na minha profissão e, além disso, aprender tudo o mais que eu conseguisse, sobre os mais variados assuntos. Podia manter meus horizontes amplos, e com um mundo de possibilidades bem ali, ao alcance da minha mão.
Voltei a dormir em paz, finalmente.
Até.
segunda-feira, agosto 22, 2005
Uma história (quase) real
Sábado, noite.
Pronto para sair para jantar com amigos, tranco a porta de casa e chamo o elevador. Após alguns instantes de espera, a porta do mesmo se abre e a luz do corredor ilumina o elevador escuro. Dentro dele, em meio à penumbra, uma loira alta, de possível origem européia (mas não escandinava, italiana mais provavelmente) diz que “não tem luz mas funciona, pode vir”. Eu vou, claro.
Certo, admito que não é a sueca seminua da lenda (que, segundo conta a mesma, moraria comigo, mas não passa disso mesmo, lenda), mas é uma loira e estamos num elevador que, quando fechar a porta, vai ficar sem luz. Tranquilamente, isso pode virar uma crônica ou uma piada, penso. Ou uma história de terror…
Penso na piada. Entram mais dois “passageiros”, um cara e uma morena, cabelos longos e nariz aquilino (detalhe sem relevância para a piada). Os cinco no escuro, e alguém peida. Alto, fedorento. Não fui eu. Silêncio constrangido. O cara diz “como pode alguém peidar na frente da minha mulher?”. Penso, mas não digo, “Puxa, tem fila, então… como são organizados…”. Desisto da piada. Muito fraca.
História de terror, pois. Deve funcionar melhor. A porta do elevador fecha, o breu toma conta de tudo. Estamos só nós dois, e alguém peida. Não fui eu. Não, não, não está bom. De novo. O elevador fecha, há um silêncio contrangido, e de repente a loira grita. Um grito de pavor, de desespero. Sinto espirrar em mim um líquido quente. Sangue. A porta do elevador abre, e não é o hall de entrada do prédio. Há uma floresta de árvores altas. Ao fundo, um dinossauro. Ouço atrás de mim o “swisssssswisssssswissswissssswisss” e sei o que isso significa: slitaks. Estamos no Elo Perdido.
Volto à realidade.
Entro no elevador, a porta fecha e ficamos na mais completa escuridão. Dois andares estão marcados: o 18º e o 1º, para onde vou. Paramos no 18º, e pergunto se não é o seu andar. Diz que não, que já estava assim quando ela entrou no elevador. OK, então. A porta fecha mais uma vez, nós dois no escuro, e a luz do botão do 18º acende novamente. A loira diz na mesmo hora: “Você viu isso? Acendeu sozinha!”. Eu tinha visto, sim. Ela: “Deve ter um fantasma aqui com a gente…”. Silêncio. Chegamos no térreo.
Quem precisa inventar histórias quando elas estão aí, em qualquer lugar, esperando para serem contadas?
Até.
Pronto para sair para jantar com amigos, tranco a porta de casa e chamo o elevador. Após alguns instantes de espera, a porta do mesmo se abre e a luz do corredor ilumina o elevador escuro. Dentro dele, em meio à penumbra, uma loira alta, de possível origem européia (mas não escandinava, italiana mais provavelmente) diz que “não tem luz mas funciona, pode vir”. Eu vou, claro.
Certo, admito que não é a sueca seminua da lenda (que, segundo conta a mesma, moraria comigo, mas não passa disso mesmo, lenda), mas é uma loira e estamos num elevador que, quando fechar a porta, vai ficar sem luz. Tranquilamente, isso pode virar uma crônica ou uma piada, penso. Ou uma história de terror…
Penso na piada. Entram mais dois “passageiros”, um cara e uma morena, cabelos longos e nariz aquilino (detalhe sem relevância para a piada). Os cinco no escuro, e alguém peida. Alto, fedorento. Não fui eu. Silêncio constrangido. O cara diz “como pode alguém peidar na frente da minha mulher?”. Penso, mas não digo, “Puxa, tem fila, então… como são organizados…”. Desisto da piada. Muito fraca.
História de terror, pois. Deve funcionar melhor. A porta do elevador fecha, o breu toma conta de tudo. Estamos só nós dois, e alguém peida. Não fui eu. Não, não, não está bom. De novo. O elevador fecha, há um silêncio contrangido, e de repente a loira grita. Um grito de pavor, de desespero. Sinto espirrar em mim um líquido quente. Sangue. A porta do elevador abre, e não é o hall de entrada do prédio. Há uma floresta de árvores altas. Ao fundo, um dinossauro. Ouço atrás de mim o “swisssssswisssssswissswissssswisss” e sei o que isso significa: slitaks. Estamos no Elo Perdido.
Volto à realidade.
Entro no elevador, a porta fecha e ficamos na mais completa escuridão. Dois andares estão marcados: o 18º e o 1º, para onde vou. Paramos no 18º, e pergunto se não é o seu andar. Diz que não, que já estava assim quando ela entrou no elevador. OK, então. A porta fecha mais uma vez, nós dois no escuro, e a luz do botão do 18º acende novamente. A loira diz na mesmo hora: “Você viu isso? Acendeu sozinha!”. Eu tinha visto, sim. Ela: “Deve ter um fantasma aqui com a gente…”. Silêncio. Chegamos no térreo.
Quem precisa inventar histórias quando elas estão aí, em qualquer lugar, esperando para serem contadas?
Até.
domingo, agosto 21, 2005
A Sopa 05/05
Um comercial de TV.
Uma jovem vem caminhando despreocupadamente por uma rua toda arborizada quando, em meio ao quase flanar (o seria se ela estivesse em Paris), vê uma folha (uma maple leaf) no chão. Pára, e grita desesperadamente, como se tivesse visto o Freddy Krueger em pessoa, obstruindo sua passagem e ameaçando-a com sua garra. Se fosse aqui em Toronto, próximo ao Toronto General Hospital, a rua se chamaria (como se chama) Elm St e o nome do comercial seria justamente ‘Nightmare on Elm St ‘ (explicar a piada é horrível, mas vamos lá: esse é o nome original da série de filmes com o Freddy Krueger, que no Brasil se chamou 'A Hora do Pesadelo').
Mas eu contava o comercial: ela vê a folha caída na calçada e grita, um grito de pavor, e se ouve uma voz dizendo “The summer will not last forever”. O resto do filme ou mesmo qual o anunciante não são importantes. A mensagem está clara.
O verão está terminando.
Os sinais de seu fim estão por toda a parte, e um deles é que começou esse final de semana a Canadian National Exhibition (The EX), que vai até o dia cinco de setembro, Labour Day, final das férias de verão e recomeço do ano aqui. Setembro é como março no Rio Grande do Sul, ainda verão mas tudo já está funcionando a pleno. Se bem que aqui esfria logo. Lembro que ano passado (já tenho lembranças canadenses com mais de um ano) senti frio pela primeira vez no meio de setembro. Estava eu assistindo um jogo de beisebol – no início atento para entender o jogo e depois quase morto de tédio ao aprender como funciona e achar MUITO chato – quando bateu um vento e tive que ir embora no sexto inning. Faltavam ainda quatro e – fiquei sabendo depois – não aconteceu nada nesses últimos.
Já disse diversas vezes isso, mas insisto: aqui no Canadá, pelo fato das estações serem bem marcadas, a noção da passagem do tempo é mais clara. Logo as folhas começarão a mudar de cor e a cair de novo, o ciclo se completando com a chegada do longo e rigoroso inverno, de dias curtos, muito frio, introspecção. E dois mil e cinco estará termindo e avançaremos por dois mil e seis, o ano que terá duas primaveras, para compensar os dois outonos de dois mil e quatro.
Pois, como diz o meu pai, “Acabou agosto, acabou o ano”.
Até.
Uma jovem vem caminhando despreocupadamente por uma rua toda arborizada quando, em meio ao quase flanar (o seria se ela estivesse em Paris), vê uma folha (uma maple leaf) no chão. Pára, e grita desesperadamente, como se tivesse visto o Freddy Krueger em pessoa, obstruindo sua passagem e ameaçando-a com sua garra. Se fosse aqui em Toronto, próximo ao Toronto General Hospital, a rua se chamaria (como se chama) Elm St e o nome do comercial seria justamente ‘Nightmare on Elm St ‘ (explicar a piada é horrível, mas vamos lá: esse é o nome original da série de filmes com o Freddy Krueger, que no Brasil se chamou 'A Hora do Pesadelo').
Mas eu contava o comercial: ela vê a folha caída na calçada e grita, um grito de pavor, e se ouve uma voz dizendo “The summer will not last forever”. O resto do filme ou mesmo qual o anunciante não são importantes. A mensagem está clara.
O verão está terminando.
Os sinais de seu fim estão por toda a parte, e um deles é que começou esse final de semana a Canadian National Exhibition (The EX), que vai até o dia cinco de setembro, Labour Day, final das férias de verão e recomeço do ano aqui. Setembro é como março no Rio Grande do Sul, ainda verão mas tudo já está funcionando a pleno. Se bem que aqui esfria logo. Lembro que ano passado (já tenho lembranças canadenses com mais de um ano) senti frio pela primeira vez no meio de setembro. Estava eu assistindo um jogo de beisebol – no início atento para entender o jogo e depois quase morto de tédio ao aprender como funciona e achar MUITO chato – quando bateu um vento e tive que ir embora no sexto inning. Faltavam ainda quatro e – fiquei sabendo depois – não aconteceu nada nesses últimos.
Já disse diversas vezes isso, mas insisto: aqui no Canadá, pelo fato das estações serem bem marcadas, a noção da passagem do tempo é mais clara. Logo as folhas começarão a mudar de cor e a cair de novo, o ciclo se completando com a chegada do longo e rigoroso inverno, de dias curtos, muito frio, introspecção. E dois mil e cinco estará termindo e avançaremos por dois mil e seis, o ano que terá duas primaveras, para compensar os dois outonos de dois mil e quatro.
Pois, como diz o meu pai, “Acabou agosto, acabou o ano”.
Até.
sábado, agosto 20, 2005
Diários de uma vida canadense (2)
A chegada.
Aterrisamos (o avião, comigo nele) em Toronto pouco depois das 6:00am. Um dia plúmbeo, com cara de poucos amigos. A passagem pela alfândega e pela imigração foi tranquila, os funcionários todos muito atenciosos e educados. O que demorou foram as malas. Por um problema qualquer, sua chegada ao terminou atrasou uns quarenta minutos, aproximadamente. Mas chegaram inteiras as duas imensas malas que eu trouxe para esta longa estada.
Saindo do aeroporto, peguei um táxi para ir até o hostel onde vou ficar a primeira semana: New College Residence da U of T. No trajeto, vim conversando com o motorista indiano. Ele me contou que deixou a Índia em busca de qualidade de vida para si e para seus filhos (que vão ter mais oportunidades aqui do que em sua terra natal).
Apesar de estar com a estadia reservada, só poderia (em tese) fazer o check in às 2 pm (eram pouco mais de 8 am). De qualquer forma, fui direto à recepção para perguntar se poderia ao menos deixar as malas numa sala qualquer até a hora do checkin. O recepcionista perguntou o meu nome, “Rodrigues”, e, após ele procurar por alguns instantes, achei melhor explicar que o ‘Rodrigues’ era com ‘s’ e não ‘z’. Foi aí que ele encontrou minha reserva.
Perguntou se eu era brasileiro, “Yes”, e de onde. Quando ouviu que eu era de Porto Alegre, perguntou em português com sotaque “De onde?”. Respondi que morava na Independência e perguntei por quê. Me esclareceu que brasileiros tinham estado ali nesse verão e que sua namorada era de Porto Alegre. Por isso, ser de Porto Alegre, eu receberia tratamento especial, e poderia entrar no quarto aqueala hora. Entregou-me a chave (na verdade um cartão para acessar o quarto e uma chave que abre as portas de acesso, que ficam fechadas após as 10pm, e servem também para acionar o elevador), agradeci e subi para largar as coisas.
Como o New College é um dormitório estudantil que durante o verão vira hostel, eu já imaginava o que encontraria: um quarto com uma cama, uma armário, uma poltrona e uma escrivaninha com cadeira. Se eu tivesse televisão e/ou computador, poderia ter tv a cabo e internet no quarto. O banheiro é coletivo, mas com cabines com chuveiro, não sendo aquele lance de vestiário de clube. Cada andar (com muitos quartos) tem uma sala de TV coletiva e uma lavanderia, com máquinas de lavar, secar e uma tábua de passar roupa. Após deixar as malas no quarto e esvaziar parte da mochila, saí para conhecer a cidade e ir encontrar o meu contato aqui, Dr Noé Zamel, um gaúcho que está aqui há mais de trinta anos e que foi quem intermediou minha vinda para cá.
Enquanto caminhava e fazia um reconhecimento do local, lembrei que havia deixado o papel com os números de telefone de lá no hostel, mas lembrei também que eu ouvira falar que ele trabalhava no Mont Sinai. Fui para lá e, chegando, me perguntei como encontrá-lo naquele imenso hospital. Óbvio, fui à central de informações. Chegando lá, perguntei pelo “Dr Zamel, Noé”. “Who?!”. “Dr Noé Zamel”. “I’ve never heard this name…”, mas me ofereceu um telefone para tentar localizado com auxílio da telefonista. Liguei, funcionou e, em pouco tempo, encontrei-o, que me recebeu como um velho amigo que chegara. Disse estar feliz que finalmente eu chegara, que eu ia gostar muito e falou que ia me apresentar a Carlos Gutierrez, a pessoa que seria o meu cicerone neste início, me auxiliando com todas as burocracias e dando todas as dicas que eu precisasse.
Tentou falar com ele, mas descobriu que ele não estava só viria na segunda-feira. De qualquer forma, fomos dalia até o Toronto General, me mostrou onde fica o laboratório e fomos conversando de volta. Falamos sobre o meu fellow, o PEAP (período de avaliação antes de começar efetivamente), sobre o TSE (talvez não precise fazer) e sobre a vida em Toronto em geral. Tudo bem, tudo legal.
Mas eram 10 am de sexta-feira e meu próximo compromisso seria só na segunda-feria de manhã. Tinha todo o final de semana sem poder adiantar nada (apartamento, etc) e sozinho. Neste instante, definitivamente, caiu a ficha. Estava sozinho e – pior – só veria a Jacque de novo em quase quatro meses!
Decidi sair a andar pela cidade. Lenta e calmamente, sem pressa, apreciando o ambiente ao meu redor, segui caminhando em direção ao lago. No trajeto, fui até a CN Tower, 553m de altura, a mais alta estrutura sem sustenção do mundo. Ao lado dela, fica o Skydome, p primeiro estádio do mundo a ter o teto retrátil, e que é o lar do Toronto Blue Jays, time de beisebol local. Dali, segui até o Harbourfront, a região do porto, que foi recuperada e é um ótimo lugar para passear, com parques, cafés e restaurantes. Já eram 11h, a hora em que eu tinha combinado de ligar para a Jacque. Não deu para segurar, e transmiti a ela toda a sensação de vazio e solidão que eu sentia e, claramente, a deixei preocupada.
Resolvi voltar ao hostel caminhando, pela Spadina, desde o porto. Foi uma longa caminhada, passando inclusive pela Chinatown, que fica na própria Spadina, entre outras, até chegar ao hostel. Cheguei cansado, afinal tudo isso acontecera depois do vôo desde Porto Alegre e dormira pouco. Deitei, dormi e, quando acordei, ainda era 15h30. O tempo parecia não passar, para minha aflição. Com o cartão telefônico que eu havia comprado para falar com a Jacque – não consegui, liguei com meu cartão de crédito – liguei para o Neni, meu irmão – que mora aqui perto, em New York.
Conversando por mais de uma hora, ele fazendo o papel de CVV, falando que passara por isso quando se mudara para NY, que era assim mesmo, que ia passar. Eu dizia que sabia que seria assim, mas não imaginava a intensidade. Me aconselhou a usar o final de semana todo que eu tinha pela frente para conhecer a cidade, ser “turistão”. Afinal de contas eu estava em Toronto, a cidade mais cosmopolita do mundo. Melhorei com a conversa.
Saí novamente, dessa vez em busca de uma internet para acessar, ver emails e notícias de casa. Saí para o norte, até a Bloor, e segui para oeste, me afastando da universidade. Na própria Bloor st encontrei um, onde vi meus emails, postei uma mensagem meio triste no blog, entrei no orkut, comunidade ‘Brasileiros em Toronto’ e descobri que nas sextas-feiras havia reunião de brasileiros no Centro Brasil Angola, e estava começando em poucos minutos. Decidi ir até lá. Longa caminhada, e cheguei.
Assisti a uma palestra sobre imigração (que não tinha nenhuma . utilidade para mim), e depois voltei caminhando. No caminho, liguei para o pai e a mãe, que também me deram força para agüentar esse período inicial.
É bom ter referências…
Voltei até o hostel pensando que vai ser difícil esse começo, mas tudo vai dar certo. “O que não me mata me deixa mais forte”, como disse o Neni.
Até.
Aterrisamos (o avião, comigo nele) em Toronto pouco depois das 6:00am. Um dia plúmbeo, com cara de poucos amigos. A passagem pela alfândega e pela imigração foi tranquila, os funcionários todos muito atenciosos e educados. O que demorou foram as malas. Por um problema qualquer, sua chegada ao terminou atrasou uns quarenta minutos, aproximadamente. Mas chegaram inteiras as duas imensas malas que eu trouxe para esta longa estada.
Saindo do aeroporto, peguei um táxi para ir até o hostel onde vou ficar a primeira semana: New College Residence da U of T. No trajeto, vim conversando com o motorista indiano. Ele me contou que deixou a Índia em busca de qualidade de vida para si e para seus filhos (que vão ter mais oportunidades aqui do que em sua terra natal).
Apesar de estar com a estadia reservada, só poderia (em tese) fazer o check in às 2 pm (eram pouco mais de 8 am). De qualquer forma, fui direto à recepção para perguntar se poderia ao menos deixar as malas numa sala qualquer até a hora do checkin. O recepcionista perguntou o meu nome, “Rodrigues”, e, após ele procurar por alguns instantes, achei melhor explicar que o ‘Rodrigues’ era com ‘s’ e não ‘z’. Foi aí que ele encontrou minha reserva.
Perguntou se eu era brasileiro, “Yes”, e de onde. Quando ouviu que eu era de Porto Alegre, perguntou em português com sotaque “De onde?”. Respondi que morava na Independência e perguntei por quê. Me esclareceu que brasileiros tinham estado ali nesse verão e que sua namorada era de Porto Alegre. Por isso, ser de Porto Alegre, eu receberia tratamento especial, e poderia entrar no quarto aqueala hora. Entregou-me a chave (na verdade um cartão para acessar o quarto e uma chave que abre as portas de acesso, que ficam fechadas após as 10pm, e servem também para acionar o elevador), agradeci e subi para largar as coisas.
Como o New College é um dormitório estudantil que durante o verão vira hostel, eu já imaginava o que encontraria: um quarto com uma cama, uma armário, uma poltrona e uma escrivaninha com cadeira. Se eu tivesse televisão e/ou computador, poderia ter tv a cabo e internet no quarto. O banheiro é coletivo, mas com cabines com chuveiro, não sendo aquele lance de vestiário de clube. Cada andar (com muitos quartos) tem uma sala de TV coletiva e uma lavanderia, com máquinas de lavar, secar e uma tábua de passar roupa. Após deixar as malas no quarto e esvaziar parte da mochila, saí para conhecer a cidade e ir encontrar o meu contato aqui, Dr Noé Zamel, um gaúcho que está aqui há mais de trinta anos e que foi quem intermediou minha vinda para cá.
Enquanto caminhava e fazia um reconhecimento do local, lembrei que havia deixado o papel com os números de telefone de lá no hostel, mas lembrei também que eu ouvira falar que ele trabalhava no Mont Sinai. Fui para lá e, chegando, me perguntei como encontrá-lo naquele imenso hospital. Óbvio, fui à central de informações. Chegando lá, perguntei pelo “Dr Zamel, Noé”. “Who?!”. “Dr Noé Zamel”. “I’ve never heard this name…”, mas me ofereceu um telefone para tentar localizado com auxílio da telefonista. Liguei, funcionou e, em pouco tempo, encontrei-o, que me recebeu como um velho amigo que chegara. Disse estar feliz que finalmente eu chegara, que eu ia gostar muito e falou que ia me apresentar a Carlos Gutierrez, a pessoa que seria o meu cicerone neste início, me auxiliando com todas as burocracias e dando todas as dicas que eu precisasse.
Tentou falar com ele, mas descobriu que ele não estava só viria na segunda-feira. De qualquer forma, fomos dalia até o Toronto General, me mostrou onde fica o laboratório e fomos conversando de volta. Falamos sobre o meu fellow, o PEAP (período de avaliação antes de começar efetivamente), sobre o TSE (talvez não precise fazer) e sobre a vida em Toronto em geral. Tudo bem, tudo legal.
Mas eram 10 am de sexta-feira e meu próximo compromisso seria só na segunda-feria de manhã. Tinha todo o final de semana sem poder adiantar nada (apartamento, etc) e sozinho. Neste instante, definitivamente, caiu a ficha. Estava sozinho e – pior – só veria a Jacque de novo em quase quatro meses!
Decidi sair a andar pela cidade. Lenta e calmamente, sem pressa, apreciando o ambiente ao meu redor, segui caminhando em direção ao lago. No trajeto, fui até a CN Tower, 553m de altura, a mais alta estrutura sem sustenção do mundo. Ao lado dela, fica o Skydome, p primeiro estádio do mundo a ter o teto retrátil, e que é o lar do Toronto Blue Jays, time de beisebol local. Dali, segui até o Harbourfront, a região do porto, que foi recuperada e é um ótimo lugar para passear, com parques, cafés e restaurantes. Já eram 11h, a hora em que eu tinha combinado de ligar para a Jacque. Não deu para segurar, e transmiti a ela toda a sensação de vazio e solidão que eu sentia e, claramente, a deixei preocupada.
Resolvi voltar ao hostel caminhando, pela Spadina, desde o porto. Foi uma longa caminhada, passando inclusive pela Chinatown, que fica na própria Spadina, entre outras, até chegar ao hostel. Cheguei cansado, afinal tudo isso acontecera depois do vôo desde Porto Alegre e dormira pouco. Deitei, dormi e, quando acordei, ainda era 15h30. O tempo parecia não passar, para minha aflição. Com o cartão telefônico que eu havia comprado para falar com a Jacque – não consegui, liguei com meu cartão de crédito – liguei para o Neni, meu irmão – que mora aqui perto, em New York.
Conversando por mais de uma hora, ele fazendo o papel de CVV, falando que passara por isso quando se mudara para NY, que era assim mesmo, que ia passar. Eu dizia que sabia que seria assim, mas não imaginava a intensidade. Me aconselhou a usar o final de semana todo que eu tinha pela frente para conhecer a cidade, ser “turistão”. Afinal de contas eu estava em Toronto, a cidade mais cosmopolita do mundo. Melhorei com a conversa.
Saí novamente, dessa vez em busca de uma internet para acessar, ver emails e notícias de casa. Saí para o norte, até a Bloor, e segui para oeste, me afastando da universidade. Na própria Bloor st encontrei um, onde vi meus emails, postei uma mensagem meio triste no blog, entrei no orkut, comunidade ‘Brasileiros em Toronto’ e descobri que nas sextas-feiras havia reunião de brasileiros no Centro Brasil Angola, e estava começando em poucos minutos. Decidi ir até lá. Longa caminhada, e cheguei.
Assisti a uma palestra sobre imigração (que não tinha nenhuma . utilidade para mim), e depois voltei caminhando. No caminho, liguei para o pai e a mãe, que também me deram força para agüentar esse período inicial.
É bom ter referências…
Voltei até o hostel pensando que vai ser difícil esse começo, mas tudo vai dar certo. “O que não me mata me deixa mais forte”, como disse o Neni.
Até.
sexta-feira, agosto 19, 2005
Diários de uma vida canadense
Um ano de Canadá.
Hoje como há um ano: céu cinza, chuva. Só que agora não mais perdido, não mais exilado de tudo. Em casa.
Muito aconteceu nesse ano de Canadá, e tenho registrado algumas de minhas impressões aqui neste blog. Logo que cheguei, ainda antes de comprar o meu laptop, (d)escrevi o que acontecia e o que eu sentia naqueles primeiros dias. Vou publicar hoje e amanhã o que escrevi nestes primeiros dois dias, o da saída do Brasil e o da chegada.
Foi logo que cheguei, e está impregnado por todas as sensações de desajustamento da chegada, aquilo que chamo de ‘Síndrome do Fantasma’: andar pelas ruas, as pessoas passam, ninguém olha, não há um rosto conhecido, não existem referências. Abaixo, transcrevo o escrito da saída do Brasil, em 19/08/2004.
Dezenove de agosto de dois mil e quatro
Depois de um ano e meio de expectativas, ansiedades, frustrações – “Acho que não vai acontecer” – e descrenças, e após várias despedidas (família, amigos, família de novo, outra vez dos amigos, família) embarquei no vôo RG 2328 até São Paulo e aí no AC 0991 até Toronto. Mas não embarquei sozinho.
A derradeira despedida de todos foi no aeroporto: os meus pais, os pais da Jacque, o Magno, o Márcio e a Sônia foram até la para dar um ‘tchau, até breve’. A parte difícil começou neste momento: ao passar pelo detector de metais e antes de entrar na sala de embarque, uma última olhada para trás. Todos abanando para mim, no último adeus. Confesso: bateu forte. E ainda faltava me despedir da Jacque, que ia comigo no vôo até São Paulo.
Foi um vôo cheio de emoções. Passamos o tempo todo abraçados, aproveitando cada instante antes de nos separarmos ao menos até dezembro, quando ela vem para passar o final de ano comigo. Nosso último momento foi quando ela embarcou na van que a levaria para o hotel em que ficaria para um curso. Nos despedimos, ela embarcou, e a última visão que tive dela foi seu vulto, através do vidro escurecido, abanando para mim, que abanava para ela.
Ali começou a cair a ficha. Senti o meu coração apertar, ficar pequeno dentro do peito, um vazio enorme tomou conta de mim, e me arrependi. Me senti um idiota por ficar longe da mulher que é tudo para mim, sem a qual nada mais importa. Mas não tinha mais volta… Embarquei no avião para o vôo que me manteria por meses longe da mulher que amo já com um enorme sentimento de culpa, que me acompanhou boa parte da noite, em que dormi sob o efeito de Dormonid...
Amanhã, o dia da chegada.
Até.
Hoje como há um ano: céu cinza, chuva. Só que agora não mais perdido, não mais exilado de tudo. Em casa.
Muito aconteceu nesse ano de Canadá, e tenho registrado algumas de minhas impressões aqui neste blog. Logo que cheguei, ainda antes de comprar o meu laptop, (d)escrevi o que acontecia e o que eu sentia naqueles primeiros dias. Vou publicar hoje e amanhã o que escrevi nestes primeiros dois dias, o da saída do Brasil e o da chegada.
Foi logo que cheguei, e está impregnado por todas as sensações de desajustamento da chegada, aquilo que chamo de ‘Síndrome do Fantasma’: andar pelas ruas, as pessoas passam, ninguém olha, não há um rosto conhecido, não existem referências. Abaixo, transcrevo o escrito da saída do Brasil, em 19/08/2004.
Dezenove de agosto de dois mil e quatro
Depois de um ano e meio de expectativas, ansiedades, frustrações – “Acho que não vai acontecer” – e descrenças, e após várias despedidas (família, amigos, família de novo, outra vez dos amigos, família) embarquei no vôo RG 2328 até São Paulo e aí no AC 0991 até Toronto. Mas não embarquei sozinho.
A derradeira despedida de todos foi no aeroporto: os meus pais, os pais da Jacque, o Magno, o Márcio e a Sônia foram até la para dar um ‘tchau, até breve’. A parte difícil começou neste momento: ao passar pelo detector de metais e antes de entrar na sala de embarque, uma última olhada para trás. Todos abanando para mim, no último adeus. Confesso: bateu forte. E ainda faltava me despedir da Jacque, que ia comigo no vôo até São Paulo.
Foi um vôo cheio de emoções. Passamos o tempo todo abraçados, aproveitando cada instante antes de nos separarmos ao menos até dezembro, quando ela vem para passar o final de ano comigo. Nosso último momento foi quando ela embarcou na van que a levaria para o hotel em que ficaria para um curso. Nos despedimos, ela embarcou, e a última visão que tive dela foi seu vulto, através do vidro escurecido, abanando para mim, que abanava para ela.
Ali começou a cair a ficha. Senti o meu coração apertar, ficar pequeno dentro do peito, um vazio enorme tomou conta de mim, e me arrependi. Me senti um idiota por ficar longe da mulher que é tudo para mim, sem a qual nada mais importa. Mas não tinha mais volta… Embarquei no avião para o vôo que me manteria por meses longe da mulher que amo já com um enorme sentimento de culpa, que me acompanhou boa parte da noite, em que dormi sob o efeito de Dormonid...
Amanhã, o dia da chegada.
Até.
quinta-feira, agosto 18, 2005
Churrasquinho de gato
Esses tempos, não faz muito, a polícia foi chamada para “prender” um morador de rua que havia matado e comido alguns cachorros num terreno baldio em um bairro de Porto Alegre. Chamada por moradores horrorizados com o caso. Os mesmo moradores que davam comida para os cães de rua e negavam o mesmo ao faminto “mendigo”.
Quando a polícia chegou e foi falar com ele, ele admitiu que tinha cozinhado e comido os cachorros. Por fome. Mesmo assim, foi levado e internado num hospital psiquiátrico. É loucura ter fome, pelo visto.
Pois é…
Eu comeria os cachorros, se estivesse na mesma situação.
E sem vacilar, podem estar certos.
A maior atrocidade do caso, para mim, foi o fato de alguns moradores terem ficado horrorizados com o fato e não com a necessidade de um homem matar cachorros para sobreviver. Ninguém se perturba com pessoas revirando o lixo para encontrar comida. Onde é que nós estamos?
É uma questão cultural, pelo visto. Se ele estivesse fazendo o mesmo que fez com uma, digamos, ovelha, não haveria todo esse escândalo. No máximo, seria preso por roubar a ovelha de seu dono, ou algo do gênero.
Lembrei disso depois de ver no blog da Luly, na segunda-feira, uma foto de um vendedor de churrasquinho na rua que com uma placa que anunciava: “Churrasquinho do Ceará de gato siamês – Criado na ração, nunca comeu rato”. Fiquei pensando sobre o anúncio.
Super-honesto, e bem adequado.
Os gatos que ele usava era criados em cativero com fins de abate. Como milhares de frangos, vacas, ovelhas, javalis, coelhos e até cavalos. Perfeito, provavelmente inclusive do ponto de vista sanitário. Não estavam contaminados por comer rato, se bem que se fosse ratos criados em cativeiro…
E os vegetais, ninguém fica chocado com o que fazem com eles?
Eu acho esses vegetarianos muito mais cruéis…
Até.
AMANHÃ: Um ano desde que saí do Brasil.
Quando a polícia chegou e foi falar com ele, ele admitiu que tinha cozinhado e comido os cachorros. Por fome. Mesmo assim, foi levado e internado num hospital psiquiátrico. É loucura ter fome, pelo visto.
Pois é…
Eu comeria os cachorros, se estivesse na mesma situação.
E sem vacilar, podem estar certos.
A maior atrocidade do caso, para mim, foi o fato de alguns moradores terem ficado horrorizados com o fato e não com a necessidade de um homem matar cachorros para sobreviver. Ninguém se perturba com pessoas revirando o lixo para encontrar comida. Onde é que nós estamos?
É uma questão cultural, pelo visto. Se ele estivesse fazendo o mesmo que fez com uma, digamos, ovelha, não haveria todo esse escândalo. No máximo, seria preso por roubar a ovelha de seu dono, ou algo do gênero.
Lembrei disso depois de ver no blog da Luly, na segunda-feira, uma foto de um vendedor de churrasquinho na rua que com uma placa que anunciava: “Churrasquinho do Ceará de gato siamês – Criado na ração, nunca comeu rato”. Fiquei pensando sobre o anúncio.
Super-honesto, e bem adequado.
Os gatos que ele usava era criados em cativero com fins de abate. Como milhares de frangos, vacas, ovelhas, javalis, coelhos e até cavalos. Perfeito, provavelmente inclusive do ponto de vista sanitário. Não estavam contaminados por comer rato, se bem que se fosse ratos criados em cativeiro…
E os vegetais, ninguém fica chocado com o que fazem com eles?
Eu acho esses vegetarianos muito mais cruéis…
Até.
AMANHÃ: Um ano desde que saí do Brasil.
quarta-feira, agosto 17, 2005
Apenas um amador
Eu sempre pensei que eu fosse um narcisista profissional.
Você sabe, um egocêntrico por profissão, uma pessoa conhecida por todos como alguém que sinceramente pensa que o mundo gira em torno de si. Alguém que não pode ver um espelho que tem que parar para conferir o penteado, a forma física, o porte. Que merecesse ser tratado por Senhor Narcisista.
Melhor: alguém que, quando falasse de si, o fizesse na terceira pessoa. Quem apontou essa característica (mesmo não identificando o portador dela como um narcisista profissional) foi o Henrique, numa das nossas conversas em algum pub aqui de Toronto. E eu fiz associação: falar de si na terceira pessoa é o cúmulo do narcisismo. Era o que eu achava.
Mas sou um amador.
Cheguei ontem, por acaso, no website de uma pessoa que estudou na mesma faculdade que eu, e de quem não tinha notícias há provavelmente dez anos. Fui ler, e concluí que – em termos de egocentrismo e narcisismo – não sou nada. Foi um golpe na minha auto-estima. Eu descobri que não sou o maior megalomaníaco do mundo…
A primeira característica que salta aos olhos ao ler o site é que ele se refere a si mesmo em terceira pessoa, o tempo todo. De cara, vi que ele era dos bons. Mas ele foi adiante: o site tem uma biografia dele, romantizada, além de seus projetos profissionais futuros. Ali, públicos. E notícias. Notícias sobre ele, referindo-se a si mesmo em terceira pessoa. E não é um blog, que fique bem claro.
Confesso que fiquei com inveja. Nem eu consigo ser tão megalomaníaco.
Mas ele tem o meu total apoio.
Se ele está feliz assim, quem sou para julgar?
Até.
Você sabe, um egocêntrico por profissão, uma pessoa conhecida por todos como alguém que sinceramente pensa que o mundo gira em torno de si. Alguém que não pode ver um espelho que tem que parar para conferir o penteado, a forma física, o porte. Que merecesse ser tratado por Senhor Narcisista.
Melhor: alguém que, quando falasse de si, o fizesse na terceira pessoa. Quem apontou essa característica (mesmo não identificando o portador dela como um narcisista profissional) foi o Henrique, numa das nossas conversas em algum pub aqui de Toronto. E eu fiz associação: falar de si na terceira pessoa é o cúmulo do narcisismo. Era o que eu achava.
Mas sou um amador.
Cheguei ontem, por acaso, no website de uma pessoa que estudou na mesma faculdade que eu, e de quem não tinha notícias há provavelmente dez anos. Fui ler, e concluí que – em termos de egocentrismo e narcisismo – não sou nada. Foi um golpe na minha auto-estima. Eu descobri que não sou o maior megalomaníaco do mundo…
A primeira característica que salta aos olhos ao ler o site é que ele se refere a si mesmo em terceira pessoa, o tempo todo. De cara, vi que ele era dos bons. Mas ele foi adiante: o site tem uma biografia dele, romantizada, além de seus projetos profissionais futuros. Ali, públicos. E notícias. Notícias sobre ele, referindo-se a si mesmo em terceira pessoa. E não é um blog, que fique bem claro.
Confesso que fiquei com inveja. Nem eu consigo ser tão megalomaníaco.
Mas ele tem o meu total apoio.
Se ele está feliz assim, quem sou para julgar?
Até.
terça-feira, agosto 16, 2005
O copo e a água
Após longa caminhada, entrei no pub imaginário.
Sentados numa mesa perto do bar, estavam o otimista e o pessimista, observando um copo com água pela metade. De vez em quando, faziam comentários um para o outro, alternadamente. Aproximei-me da mesa e sentei.
Olharam-me por alguns instantes e voltaram a debater sobre o copo com metade de água. O debate óbvio era se ele estava meio cheio ou meio vazio. Argumentavam com entusiasmo juvenil sobre as implicações morais e perspectivas históricas das duas possibilidades. O pessimista de tempos em tempos dava de ombros e resmugava “Whatever”, o que fazia o otimista ficar mais empolgado com a discussão.
Mas não durou muito.
Depois de debaterem mais alguns minutos, o pessimista encerrou a discussão com o argumento definitivo: “Que importa se o copo está meio cheio ou meio vazio, se vamos todos morrer no final da história?”. O otimista o olhou sério, sem piscar, e desistiu. “Whatever”, disse, e deu de ombros. Tinha perdido, jogara a toalha.
Foi a minha deixa para entrar na conversa.
“Vocês estão discutindo o volume de água do copo. Isso é o mais importante? Eu mesmo respondo: não! O volume não importa! O que importa é o conteúdo, é sua essência: o gosto. Melhor, a ausência dele. Água é inodora e incolor. Água não tem gosto. Quando alguém diz que a água ‘está com um gosto estranho’ no fundo está dizendo que ela está com gosto! Aquilo que as pessoas sentem quando tomam água, e pensam que é o gosto dela, não o é. Aquilo é o não-gosto, a ausência de gosto, a negação do gosto. Já pensaram nisso? Vocês pod”
Não pude continuar porque os dois levantaram e se dirigiram à saída. A última coisa que eu ouvi eles comentarem entre si antes de me dirigir ao bar pedir uma cerveja imaginária foi “A gente tem que aguentar cada um por aqui…”.
Até.
Sentados numa mesa perto do bar, estavam o otimista e o pessimista, observando um copo com água pela metade. De vez em quando, faziam comentários um para o outro, alternadamente. Aproximei-me da mesa e sentei.
Olharam-me por alguns instantes e voltaram a debater sobre o copo com metade de água. O debate óbvio era se ele estava meio cheio ou meio vazio. Argumentavam com entusiasmo juvenil sobre as implicações morais e perspectivas históricas das duas possibilidades. O pessimista de tempos em tempos dava de ombros e resmugava “Whatever”, o que fazia o otimista ficar mais empolgado com a discussão.
Mas não durou muito.
Depois de debaterem mais alguns minutos, o pessimista encerrou a discussão com o argumento definitivo: “Que importa se o copo está meio cheio ou meio vazio, se vamos todos morrer no final da história?”. O otimista o olhou sério, sem piscar, e desistiu. “Whatever”, disse, e deu de ombros. Tinha perdido, jogara a toalha.
Foi a minha deixa para entrar na conversa.
“Vocês estão discutindo o volume de água do copo. Isso é o mais importante? Eu mesmo respondo: não! O volume não importa! O que importa é o conteúdo, é sua essência: o gosto. Melhor, a ausência dele. Água é inodora e incolor. Água não tem gosto. Quando alguém diz que a água ‘está com um gosto estranho’ no fundo está dizendo que ela está com gosto! Aquilo que as pessoas sentem quando tomam água, e pensam que é o gosto dela, não o é. Aquilo é o não-gosto, a ausência de gosto, a negação do gosto. Já pensaram nisso? Vocês pod”
Não pude continuar porque os dois levantaram e se dirigiram à saída. A última coisa que eu ouvi eles comentarem entre si antes de me dirigir ao bar pedir uma cerveja imaginária foi “A gente tem que aguentar cada um por aqui…”.
Até.
segunda-feira, agosto 15, 2005
O churrasco
Os vegetarianos que me perdoem, mas carne é fundamental.
Para ser sincero, eu imagino que – a despeito de toda propaganda que fazem – a vida de um vegetariano deve ser em preto e branco. Eu ia dizer que ser vegetariano é coisa de… deixa pra lá, eu seria criticado pela brigada dos politicamente corretos. Azar, vou dizer mesmo assim: ser vegetariano é coisa de gente sem sal… Bah… falei, que venham as pedras…
Esses tempos, nós estávamos num pub aqui em Toronto tomando (no meu caso) uma Guiness e conversando amenidades. O nós a que me refiro somos o grupo do laboratório onde estou trabalhando como pesquisador. Pois é, entre os diferentes assuntos debatidos, falamos de dietas. Uma das técnicas mostrou-nos a dieta que havia recebido de um endocrinologista que ela havia consultado. Entre as orientações, a de não consumir carne vermelha. Olhei atentamente todas as orientações e concluí: baaiiita picareta, não sabe nada…
Aí começamos a falar sobre tipos de alimentos permitidos ou não em dietas, você sabe, aquele velho papo. O Carlos e eu, ambos latino-americanos, ele colombiano e eu brasileiro, fechamos questão que – sem carne vermelha, sem churrasco – a vida não vale à pena. Eu disse mais, se o médico viesse me preescrever uma dieta e ali constasse abstinência total de carne, eu pediria para ele me dar um tiro. Que me matasse logo, se era essa a sua intenção…
Sou gaúcho, e o churrasco não é só uma refeição, uma festa: é um imperativo moral (fazia tempo que eu não usava essa expressão, tava sentindo falta dela). E não só o churrasco, o espeto corrido (ou rodízio).
O espeto corrido é a suprema festa do glutão. É a gula sem culpas, sem pudores. É selvageria pura, é o homem frente aos seus mais primitivos instintos (nada a ver com Roberto Jefferson e José Dirceu, por favor). Num espeto corrido, não estamos ali apenas para um almoço ou janta, estamos frente a um desafio e um arquétipo: somos lembrados da nossa fome ancestral, de nossos antepassados mais remotos que saíam em busca de alimento e nunca sabiam se conseguiriam voltar para a caverna com a refeição, ou mesmo retornar inteiros, vivos.
No espeto corrido, somos trogloditas, e qualquer coisa menos que isso é, no fundo, um desrespeito a todos os que morreram lutando para tornar esse mundo melhor.
(Tudo isso para dizer que estivemos em Niagara Falls para almoçar no Copacabana, uma churrascaria brasileira em frente ao Fallsview Casino, mas ela estava fechada… nada há de ser nada, não está morto quem peleia…)
Até.
Para ser sincero, eu imagino que – a despeito de toda propaganda que fazem – a vida de um vegetariano deve ser em preto e branco. Eu ia dizer que ser vegetariano é coisa de… deixa pra lá, eu seria criticado pela brigada dos politicamente corretos. Azar, vou dizer mesmo assim: ser vegetariano é coisa de gente sem sal… Bah… falei, que venham as pedras…
Esses tempos, nós estávamos num pub aqui em Toronto tomando (no meu caso) uma Guiness e conversando amenidades. O nós a que me refiro somos o grupo do laboratório onde estou trabalhando como pesquisador. Pois é, entre os diferentes assuntos debatidos, falamos de dietas. Uma das técnicas mostrou-nos a dieta que havia recebido de um endocrinologista que ela havia consultado. Entre as orientações, a de não consumir carne vermelha. Olhei atentamente todas as orientações e concluí: baaiiita picareta, não sabe nada…
Aí começamos a falar sobre tipos de alimentos permitidos ou não em dietas, você sabe, aquele velho papo. O Carlos e eu, ambos latino-americanos, ele colombiano e eu brasileiro, fechamos questão que – sem carne vermelha, sem churrasco – a vida não vale à pena. Eu disse mais, se o médico viesse me preescrever uma dieta e ali constasse abstinência total de carne, eu pediria para ele me dar um tiro. Que me matasse logo, se era essa a sua intenção…
Sou gaúcho, e o churrasco não é só uma refeição, uma festa: é um imperativo moral (fazia tempo que eu não usava essa expressão, tava sentindo falta dela). E não só o churrasco, o espeto corrido (ou rodízio).
O espeto corrido é a suprema festa do glutão. É a gula sem culpas, sem pudores. É selvageria pura, é o homem frente aos seus mais primitivos instintos (nada a ver com Roberto Jefferson e José Dirceu, por favor). Num espeto corrido, não estamos ali apenas para um almoço ou janta, estamos frente a um desafio e um arquétipo: somos lembrados da nossa fome ancestral, de nossos antepassados mais remotos que saíam em busca de alimento e nunca sabiam se conseguiriam voltar para a caverna com a refeição, ou mesmo retornar inteiros, vivos.
No espeto corrido, somos trogloditas, e qualquer coisa menos que isso é, no fundo, um desrespeito a todos os que morreram lutando para tornar esse mundo melhor.
(Tudo isso para dizer que estivemos em Niagara Falls para almoçar no Copacabana, uma churrascaria brasileira em frente ao Fallsview Casino, mas ela estava fechada… nada há de ser nada, não está morto quem peleia…)
Até.
domingo, agosto 14, 2005
A Sopa 05/04
Sou obrigado a confessar: eu sou uma farsa.
Não dá mais. Pensei que poderia manter essa história toda por mais tempo, mas não consigo. Fui desmascarado, fiquei sem ter o que dizer, não podia mais sustentar a história. É hora de todos conhecerem a verdade.
O Marcelo não existe. Ou, melhor, não existe mais.
Tudo começou há quinze anos, na época do acidente de carro em que ele esteve envolvido. Ele não se recuperou totalmente e, por decisão conjunta dos médicos e da família, ele foi mandado para uma clínica de reabilitação num templo budista em Três Coroas/RS. Ali, além de fisioterapia zen, foi iniciado nos ensinamentos do budismo e acabou se tornando um monge. A última notícia que se teve dele foi que havia ido para o Nepal e que estava a caminho de ser o novo Dalai Lama, mas não pudemos confirmar a informação porque ele não atende o seu celular…
Quem sou eu que escreve e assina como ele, você deve estar se perguntando. Bom, meu nome verdadeiro – que já não uso há quinze anos – era Nestor. Confesso que gosto mais de Marcelo, apesar de não poder dizer “ao seu dispor’ após informar o meu nome. Como foi que tudo aconteceu?
Eu estava desempregado àquela época, e a proposta pareceu tentadora: substituir o Marcelo original por um período determinado. Quando o original decidiu não voltar para Porto Alegre, achamos melhor – eu participei da decisão – continuar com o teatro. Eu estava executando o meu papel realmente bem.
Passei então por uma cirurgia plástica e assumi de vez sua vida. Todas as pessoas que conheceram o “Marcelo” nos últimos quinze anos, na verdade não conheceram o Marcelo, me conheceram. Tudo o que ele fez, pensou, disse ou escreveu, tudo fui eu. As fotos, as viagens, a sopa de ervilhas, tudo criação minha. Nada vem do Marcelo. Ou vem, afinal eu sou o Marcelo, apesar de não ser ele. O narcisista burguês sou eu, e não o Marcelo. As pirações esquizofrênicas são minhas (e as vozes existem, juro!), e não do Marcelo. O pouco cabelo nós dois compartilhamos, mas é só. Mas se o Marcelo que vocês conhecem sou eu desde o início, então eu sou o Marcelo. O outro Marcelo, esse não existe mais.
Então ele não é responsável por tudo isso, estejam certos.
Ah, e quem pagou por toda essa operação de troca de identidade foi um carequinha, que eu nunca conheci pessoalmente. Parece que seu nome era Marcos Valério.
Que bobagem…
#
Dias dos Pais.
Há alguns anos, dei um presente para o meu pai que era, mais do que um presente, um símbolo do que eu pensava dele: um boneco do Superman.
Não preciso dizer mais nada.
Até.
Não dá mais. Pensei que poderia manter essa história toda por mais tempo, mas não consigo. Fui desmascarado, fiquei sem ter o que dizer, não podia mais sustentar a história. É hora de todos conhecerem a verdade.
O Marcelo não existe. Ou, melhor, não existe mais.
Tudo começou há quinze anos, na época do acidente de carro em que ele esteve envolvido. Ele não se recuperou totalmente e, por decisão conjunta dos médicos e da família, ele foi mandado para uma clínica de reabilitação num templo budista em Três Coroas/RS. Ali, além de fisioterapia zen, foi iniciado nos ensinamentos do budismo e acabou se tornando um monge. A última notícia que se teve dele foi que havia ido para o Nepal e que estava a caminho de ser o novo Dalai Lama, mas não pudemos confirmar a informação porque ele não atende o seu celular…
Quem sou eu que escreve e assina como ele, você deve estar se perguntando. Bom, meu nome verdadeiro – que já não uso há quinze anos – era Nestor. Confesso que gosto mais de Marcelo, apesar de não poder dizer “ao seu dispor’ após informar o meu nome. Como foi que tudo aconteceu?
Eu estava desempregado àquela época, e a proposta pareceu tentadora: substituir o Marcelo original por um período determinado. Quando o original decidiu não voltar para Porto Alegre, achamos melhor – eu participei da decisão – continuar com o teatro. Eu estava executando o meu papel realmente bem.
Passei então por uma cirurgia plástica e assumi de vez sua vida. Todas as pessoas que conheceram o “Marcelo” nos últimos quinze anos, na verdade não conheceram o Marcelo, me conheceram. Tudo o que ele fez, pensou, disse ou escreveu, tudo fui eu. As fotos, as viagens, a sopa de ervilhas, tudo criação minha. Nada vem do Marcelo. Ou vem, afinal eu sou o Marcelo, apesar de não ser ele. O narcisista burguês sou eu, e não o Marcelo. As pirações esquizofrênicas são minhas (e as vozes existem, juro!), e não do Marcelo. O pouco cabelo nós dois compartilhamos, mas é só. Mas se o Marcelo que vocês conhecem sou eu desde o início, então eu sou o Marcelo. O outro Marcelo, esse não existe mais.
Então ele não é responsável por tudo isso, estejam certos.
Ah, e quem pagou por toda essa operação de troca de identidade foi um carequinha, que eu nunca conheci pessoalmente. Parece que seu nome era Marcos Valério.
Que bobagem…
Dias dos Pais.
Há alguns anos, dei um presente para o meu pai que era, mais do que um presente, um símbolo do que eu pensava dele: um boneco do Superman.
Não preciso dizer mais nada.
Até.
sábado, agosto 13, 2005
A.M.E.
Não sei se já comentei isso aqui nesse blog, mas todo esse papo de pós-graduação, doutorado, pós-doutorado, fellow no Canadá, tudo isso não passa de perfumaria. Atividades a que me dedico para passar o tempo, nada mais. Sou mesmo é outra coisa.
Sou marido de endocrinologista.
Verdade. Sério mesmo. É uma função a que me adaptei totalmente, apesar das exigências. Sim, porque não é fácil ser um marido de endocrinologista. É uma tarefa que exige dedicação. Acompanhá-la em congressos, por exemplo.
Pensam que é fácil? Pensam? Pensam?
Estão enganados.
Ser acompanhante de congressista é tarefa tão ou mais árdua que ser palestrante. Imaginem a dificuldade que é preencher o tempo livre enquanto ela assiste as palestras. Num hotel de praia! Ou num resort! E além disso, frequentar todos os coffee breaks, ser obrigado a visitar todos os estandes da indústria farmacêutica, participar de sorteios, ganhar brindes. É uma tarefa extenuante.
E depois as jantas, as festas. É atividade social que não acaba mais. Somos quase massacrados por tamanha demanda de eventos gastronômicos, esportivos e de lazer. Sim, eu disse somos, porque em determinado momento percebi que eu não estava sozinho nessa, outros passavam pela mesma situação que eu.
E ninguém falava nada! Nenhuma voz se levantava contra essa situação desumana. Algo precisava ser feito!
No início timidamente, começamos a trocar idéias e experiências semelhantes, até que tomamos coragem e criamos nossa própria associação. Nos organizamos! E a nossa situação, enquanto maridos de endocrinologistas, mudou.
A A.M.E. (Associção dos Maridos das Endocrinologistas) foi criada há quase quatro anos para tornar a vida de seus sócios bem mais agrádavel do que já era. É uma entidade sem fins lucrativos, cujo único objetivo é proporcionar grandes momentos aos seus sócios. E desde a sua criação tem conseguido cumprir sua função.
A hierarquia é simples. Temos cargos vitalícios. O Pedro é o presidente vitalício porque é quem está casado há mais tempo (se bem que… deixa para lá). O vice-presidente vitalício e momentaneamente servindo como embaixador da A.M.E. no Canadá é este que vos escreve. Aceitamos novos sócios, sim, mas não é um processo tão simples.
Há uma reunião secreta da diretoria em que é debatida a proposta de adesão do novo sócio e, se aceito, há um período probatório, em que o novo sócio – chamado de ‘bagrinho’ – deve passar por certos testes, além do cri-cri e de eventualmente “pagar dez”, só para ele lembrar de como eles eram frouxos no exército…
E nunca, jamais, em hipótese alguma, tentar beber a garrafa de Johnie Walker da diretoria.
Bom sábado a todos.
Até.
Sou marido de endocrinologista.
Verdade. Sério mesmo. É uma função a que me adaptei totalmente, apesar das exigências. Sim, porque não é fácil ser um marido de endocrinologista. É uma tarefa que exige dedicação. Acompanhá-la em congressos, por exemplo.
Pensam que é fácil? Pensam? Pensam?
Estão enganados.
Ser acompanhante de congressista é tarefa tão ou mais árdua que ser palestrante. Imaginem a dificuldade que é preencher o tempo livre enquanto ela assiste as palestras. Num hotel de praia! Ou num resort! E além disso, frequentar todos os coffee breaks, ser obrigado a visitar todos os estandes da indústria farmacêutica, participar de sorteios, ganhar brindes. É uma tarefa extenuante.
E depois as jantas, as festas. É atividade social que não acaba mais. Somos quase massacrados por tamanha demanda de eventos gastronômicos, esportivos e de lazer. Sim, eu disse somos, porque em determinado momento percebi que eu não estava sozinho nessa, outros passavam pela mesma situação que eu.
E ninguém falava nada! Nenhuma voz se levantava contra essa situação desumana. Algo precisava ser feito!
No início timidamente, começamos a trocar idéias e experiências semelhantes, até que tomamos coragem e criamos nossa própria associação. Nos organizamos! E a nossa situação, enquanto maridos de endocrinologistas, mudou.
A A.M.E. (Associção dos Maridos das Endocrinologistas) foi criada há quase quatro anos para tornar a vida de seus sócios bem mais agrádavel do que já era. É uma entidade sem fins lucrativos, cujo único objetivo é proporcionar grandes momentos aos seus sócios. E desde a sua criação tem conseguido cumprir sua função.
A hierarquia é simples. Temos cargos vitalícios. O Pedro é o presidente vitalício porque é quem está casado há mais tempo (se bem que… deixa para lá). O vice-presidente vitalício e momentaneamente servindo como embaixador da A.M.E. no Canadá é este que vos escreve. Aceitamos novos sócios, sim, mas não é um processo tão simples.
Há uma reunião secreta da diretoria em que é debatida a proposta de adesão do novo sócio e, se aceito, há um período probatório, em que o novo sócio – chamado de ‘bagrinho’ – deve passar por certos testes, além do cri-cri e de eventualmente “pagar dez”, só para ele lembrar de como eles eram frouxos no exército…
E nunca, jamais, em hipótese alguma, tentar beber a garrafa de Johnie Walker da diretoria.
Bom sábado a todos.
Até.
sexta-feira, agosto 12, 2005
Uma declaração de princípios
Sempre tive por política deste blog não responder a comentários feitos nele. Ou, pelo menos, quase nunca respondê-los. E quando o faço, na maioria das vezes é por email ou por um comentário no blog da pessoa, se a mesma possuiu um. Acima de tudo, apagar comentários anônimos.
Além disso, nunca responder a um comentário com um texto, ainda mais se for um comentário agressivo. Por uma razão simples: não posso dar audiência a quem não merece.
E não que eu não aceite que discordem de mim, que me critiquem. As críticas, desde que vindas como parte de um debate, são sempre bem recebidas. Como quando falei do Norman, o peixe, e insinuei uma relação entre possuir um peixe e homossexualidade. Recebi o seguinte comentário, assinado e com email de quem o fez:
“Me impressiona que mesmo tendo a chance de viver num pais mais tolerante voce ainda esta carregando o resquicio de um pais hipocrita como o Brasil, onde e' comum ficar tirando sarro, contando piadas e tratando como inferior ou weird uma outra pessoa so por causa de sua orientacao sexual, cor, religiao, etc etc. Eu espero que ao longo de algum tempo voce mude e seja mais tolerante. Afinal de contas uma pessoa straight segura de sua sexualidade nao tem nada a temer.
Eu gosto dos ler os seus posts mas esse comentario me pareceu preconceituoso.
Entendi a crítica, e a respeito. Não concordo, mas vou pensar a respeito. Como a pessoa que fez o comentário não me conhece pessoalmente, tem todo o direito de pensar que o que eu escrevi foi mais do que uma simples piada. Tudo bem, sem mágoas. Por outro lado…
Recebi ontem o seguinte comentário:
Este egocentrismo burguês está cada vez me enchendo mais e mais.Vou desistir de ler teu blog, não sabe escrever outra coisa que não suas pirações esquizofrenicas? Se ama tanto o teu Brasil, por que não está fazendo esse curso por aqui mesmo? Rafael
Pois é.
Pensei no que fazer com comentário: apagar, ignorar, ficar revoltado (You and I, outside, now!), responder num outro comentário. Achei que esse valia um texto como resposta. Mas não extamaente como resposta, porque um Rafael que não se indentifica é a mesma coisa que se assinasse como “Pessoa” ou “Humano”: não me diz nada. Se fosse sério, estava lá o seu sobrenome e e-mail. Mas nem assim valeria uma resposta direta a você, caro leitor anônimo que se identificou como Rafael.
Mas ainda assim é uma respota, e vou fazê-la por partes, dissecando o comentário com cuidado para todos poderem ver suas entranhas, suas tripas expostas. Do comentário, claro. Vanlá, então…
”Este egocentrismo burguês…”
Por princípio, quem escreve um blog é egocêntrico. Mais, nós, escritores, por definição, somos egocêntricos. Ampliando mais um pouco, todo – todo - o artista é egocêntrico e narcisista, definições que podem soar redundantes mas que são diferentes.
E eu não sou diferente, e olha que só estou me incluindo como dono de blog e, forçando um pouco, escritor, apesar de – confesso – me considerar um artista também, mas isso não preciso dizer, todos já devem saber em virtude do tamanho do meu ego. O bom é que isso não é novidade para ninguém, e nunca foi problema, com exceção da vez entrei em discussão com um colega que insistia em me contrariar até que ameacei: “olha que te transformo em pedra”, no que ele respondeu, desafiadoramente “transforma, vai, quero ver!”. Neste momento de tensão, fui magnânimo: perdoei ele e ficou tudo bem... (*)
Só não entendi o burguês, mas não tem problema. Já passei há anos pela fase de ficar perturbado de ser chamado de burguês. Faz tempo que tinha ouvido isso a última vez, acho que foi no colégio, numa hora do recreio, mas não tenho certeza.
“…está cada vez me enchendo mais e mais…”
Isso significa que vens lendo o meu blog há tempo, não gostando e mesmo assim te torturando com isso, indo lá todos os dias para conferir o que o “egocêntrico burguês” escreveu? E o que fazes depois, auto-mutilação?
”…Vou desistir de ler teu blog…”
Mas se te faz tanto mal assim, por que inisistes em sofrer? Eu ia te recomendar isso mesmo, quem sabe acabes te sentindo melhor, mais tolerante, bem humorado?
”...não sabe escrever outra coisa que não suas pirações esquizofrenicas?…”
Não. Aliás, não é da tua conta.
”…Se ama tanto o teu Brasil, por que não está fazendo esse curso por aqui mesmo?”
Não entendi essa parte, de verdade. O que uma coisa tem a ver com outra? Se gosto do lugar em que nasci e sempre vivi significa que não posso sair dali? Ou não posso sentir falta? Não sei o que pensas do teu Brasil, mas também não me interessa saber, deixa para lá….
#
Imaginei que isso pudesse acontecer. Quando – e se – a audiência diária desse blog aumentasse, iam começar as tentativas de pautar o conteúdo do que escrevo. Está acontecendo, mais não vai funcionar.
A Sopa, e depois esse blog, foram criados justamente para eu escrever sobre o que eu quisesse, e, enquanto aqui no Canadá, sobre o que eu passo/sinto/penso. Eu, eu, eu. É essa a função do blog, falar sobre mim e sobre o que eu penso (que nada mais é o que sou). E de vez em quando escrever literatura.
E não é um blog de utilidade pública. Se você chegou aqui procurando informações sobre o Canadá ou qualquer outra coisa, se deu mal: aqui fala do Canadá que eu vivo, das coisas que eu passo, das minhas impressões. Existem muitos lugares melhores do que esse para informações.
Evidentemente que eu quero ser lido. Qual o escritor que não quer? Mas não vou mudar o que escrevo conforme a vontade das pessoas. Respeito os escritores que leio, mesmo que não concorde. Se não gosto mesmo, não leio. Ponto.
E vamos acabar com essa palhaçada.
Até.
(*) Trecho llivremente inspirado em crônica do Luís Fernando Veríssimo
Além disso, nunca responder a um comentário com um texto, ainda mais se for um comentário agressivo. Por uma razão simples: não posso dar audiência a quem não merece.
E não que eu não aceite que discordem de mim, que me critiquem. As críticas, desde que vindas como parte de um debate, são sempre bem recebidas. Como quando falei do Norman, o peixe, e insinuei uma relação entre possuir um peixe e homossexualidade. Recebi o seguinte comentário, assinado e com email de quem o fez:
“Me impressiona que mesmo tendo a chance de viver num pais mais tolerante voce ainda esta carregando o resquicio de um pais hipocrita como o Brasil, onde e' comum ficar tirando sarro, contando piadas e tratando como inferior ou weird uma outra pessoa so por causa de sua orientacao sexual, cor, religiao, etc etc. Eu espero que ao longo de algum tempo voce mude e seja mais tolerante. Afinal de contas uma pessoa straight segura de sua sexualidade nao tem nada a temer.
Eu gosto dos ler os seus posts mas esse comentario me pareceu preconceituoso.
Entendi a crítica, e a respeito. Não concordo, mas vou pensar a respeito. Como a pessoa que fez o comentário não me conhece pessoalmente, tem todo o direito de pensar que o que eu escrevi foi mais do que uma simples piada. Tudo bem, sem mágoas. Por outro lado…
Recebi ontem o seguinte comentário:
Este egocentrismo burguês está cada vez me enchendo mais e mais.Vou desistir de ler teu blog, não sabe escrever outra coisa que não suas pirações esquizofrenicas? Se ama tanto o teu Brasil, por que não está fazendo esse curso por aqui mesmo? Rafael
Pois é.
Pensei no que fazer com comentário: apagar, ignorar, ficar revoltado (You and I, outside, now!), responder num outro comentário. Achei que esse valia um texto como resposta. Mas não extamaente como resposta, porque um Rafael que não se indentifica é a mesma coisa que se assinasse como “Pessoa” ou “Humano”: não me diz nada. Se fosse sério, estava lá o seu sobrenome e e-mail. Mas nem assim valeria uma resposta direta a você, caro leitor anônimo que se identificou como Rafael.
Mas ainda assim é uma respota, e vou fazê-la por partes, dissecando o comentário com cuidado para todos poderem ver suas entranhas, suas tripas expostas. Do comentário, claro. Vanlá, então…
”Este egocentrismo burguês…”
Por princípio, quem escreve um blog é egocêntrico. Mais, nós, escritores, por definição, somos egocêntricos. Ampliando mais um pouco, todo – todo - o artista é egocêntrico e narcisista, definições que podem soar redundantes mas que são diferentes.
E eu não sou diferente, e olha que só estou me incluindo como dono de blog e, forçando um pouco, escritor, apesar de – confesso – me considerar um artista também, mas isso não preciso dizer, todos já devem saber em virtude do tamanho do meu ego. O bom é que isso não é novidade para ninguém, e nunca foi problema, com exceção da vez entrei em discussão com um colega que insistia em me contrariar até que ameacei: “olha que te transformo em pedra”, no que ele respondeu, desafiadoramente “transforma, vai, quero ver!”. Neste momento de tensão, fui magnânimo: perdoei ele e ficou tudo bem... (*)
Só não entendi o burguês, mas não tem problema. Já passei há anos pela fase de ficar perturbado de ser chamado de burguês. Faz tempo que tinha ouvido isso a última vez, acho que foi no colégio, numa hora do recreio, mas não tenho certeza.
“…está cada vez me enchendo mais e mais…”
Isso significa que vens lendo o meu blog há tempo, não gostando e mesmo assim te torturando com isso, indo lá todos os dias para conferir o que o “egocêntrico burguês” escreveu? E o que fazes depois, auto-mutilação?
”…Vou desistir de ler teu blog…”
Mas se te faz tanto mal assim, por que inisistes em sofrer? Eu ia te recomendar isso mesmo, quem sabe acabes te sentindo melhor, mais tolerante, bem humorado?
”...não sabe escrever outra coisa que não suas pirações esquizofrenicas?…”
Não. Aliás, não é da tua conta.
”…Se ama tanto o teu Brasil, por que não está fazendo esse curso por aqui mesmo?”
Não entendi essa parte, de verdade. O que uma coisa tem a ver com outra? Se gosto do lugar em que nasci e sempre vivi significa que não posso sair dali? Ou não posso sentir falta? Não sei o que pensas do teu Brasil, mas também não me interessa saber, deixa para lá….
Imaginei que isso pudesse acontecer. Quando – e se – a audiência diária desse blog aumentasse, iam começar as tentativas de pautar o conteúdo do que escrevo. Está acontecendo, mais não vai funcionar.
A Sopa, e depois esse blog, foram criados justamente para eu escrever sobre o que eu quisesse, e, enquanto aqui no Canadá, sobre o que eu passo/sinto/penso. Eu, eu, eu. É essa a função do blog, falar sobre mim e sobre o que eu penso (que nada mais é o que sou). E de vez em quando escrever literatura.
E não é um blog de utilidade pública. Se você chegou aqui procurando informações sobre o Canadá ou qualquer outra coisa, se deu mal: aqui fala do Canadá que eu vivo, das coisas que eu passo, das minhas impressões. Existem muitos lugares melhores do que esse para informações.
Evidentemente que eu quero ser lido. Qual o escritor que não quer? Mas não vou mudar o que escrevo conforme a vontade das pessoas. Respeito os escritores que leio, mesmo que não concorde. Se não gosto mesmo, não leio. Ponto.
E vamos acabar com essa palhaçada.
Até.
(*) Trecho llivremente inspirado em crônica do Luís Fernando Veríssimo
quinta-feira, agosto 11, 2005
Como sempre, mas para sempre?
Em meio a uma semana pouco inspirada em termos literários, uma certa acentuação na vontade de voltar para casa, possivelmente relacionada à aproximação da data em que completo um ano de Canadá, o que quer dizer um ano morando longe do centro emocional da minha vida, e a lembrança dos primeiros dias aqui, a Síndrome do Fantasma, com eu chamo. A boa memória para datas e eventos tem como outro lado da moeda isso, mais reflexões, silêncio e circunspecção, que não condizem com os dias longos e quentes desse verão canadense.
No Brasil, por outro lado, Roberto Jefferson é modelo de honestidade e o PT descobriu que não é feito só de virtudes. Escândalo para cá, escândalo para lá, e os mesmos de sempre continuam impunes, desses ninguém fala. Quando as investigações se aproximarem de onde não devem, arranja-se um novo show para a tevê e continua tudo com d’antes.
E tem gente que anda feliz com chamam de derrocada moral do PT, repetindo “Eu não disse, não disse?” como se o dito fracasso de uns não atingisse a todos. Estupidez, sem dúvida nenhuma. Mas deixa para lá, este não é um espaço para discutir política. Não, não é verdade, é que estou sem paciência mesmo. Sim, eu sei, eu posso discutir a estupidez humana aqui, mas não vou.
Lembro de uma música, do final dos anos 80, que continua bem atual.
Brasil
(Cazuza / Nilo Roméro / George Israel)
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer "sim, sim"
Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)
No Brasil, por outro lado, Roberto Jefferson é modelo de honestidade e o PT descobriu que não é feito só de virtudes. Escândalo para cá, escândalo para lá, e os mesmos de sempre continuam impunes, desses ninguém fala. Quando as investigações se aproximarem de onde não devem, arranja-se um novo show para a tevê e continua tudo com d’antes.
E tem gente que anda feliz com chamam de derrocada moral do PT, repetindo “Eu não disse, não disse?” como se o dito fracasso de uns não atingisse a todos. Estupidez, sem dúvida nenhuma. Mas deixa para lá, este não é um espaço para discutir política. Não, não é verdade, é que estou sem paciência mesmo. Sim, eu sei, eu posso discutir a estupidez humana aqui, mas não vou.
Lembro de uma música, do final dos anos 80, que continua bem atual.
Brasil
(Cazuza / Nilo Roméro / George Israel)
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer "sim, sim"
Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)
quarta-feira, agosto 10, 2005
Referências
Desde antes de sair do Brasil, venho me deparando com a questão da minha própria relação com o país. Como me sinto com relação ao lugar onde nasci, e como me sentiria quando mudasse – mesmo que por pouco tempo – para longe dele, são as perguntas que venho me fazendo há mais de um ano.
Pensando localmente para depois ampliar a visão, com a minha cidade e com o estado, o Rio Grande, o sul, não há dúvidas. Sempre soube o meu lugar. É o óbvio ululante, eu sou o lugar em que nasci e me criei, e nunca se foge disso. Onde quer que eu vá, serei – mesmo que cidadão do mundo – sempre Porto Alegre, cep noventa mil. Todas as referências estão lá.
Lembro a primeira vez que estive em Buenos Aires. Andávamos, a Jacque e eu, pela calle Florida, lá em cima, quase na Plaza San Martin, e a visão de toda ela, calle Florida, seu calçadão, as pessoas indo e vindo, as bancas de jornal. “Rua da Praia, Porto Alegre”, pensei. Poderia algum desavisado leitor lembrar que as duas cidades são próximas, vizinhas de cone sul, a proximidade misturando culturas e povos. Sim e não, antecipo a resposta. Tive uma impressão parecida, só que parecia Buenos Aires, ao andar nas margens do Tevere em Roma. Mas, afinal de contas, temos todos a mesma origem, não? Somos do ocidente.
A questão do Brasil, então.
Confesso que nunca me senti tão brasileiro como agora. Talvez funcione como um mecanismo de defesa, reforçar a identidade para sentir-se parte de algo maior, possivelmente até como forma de aproximar-se de pessoas, de mesma nacionalidade e mesmo idioma, por mais que falemos todos dialetos regionais.
Por outro lado, mantenho o mesmo estranhamento com relação ao Brasil que tinha antes. Mas que não é apenas meu, é de muitos. E é um traço característico nosso, habitantes do extremo meridional do país, questionar nossa relação com o restante do país. Em que somos diferentes, quais nossas similaridades?
Por seu tamanho continental, o Brasil não é um só. Somos muitos 'Brasis".
No domingo que passou, estive na Brazilfest 2005, aqui em Toronto. Fui lá para dar uma olhada, fiquei um pouco e fui embora. Havia samba, havia mulatas, caipirinha. Brasil, com todos os estereótipos possíveis. Faltando – talvez – futebol. Por que não me senti em casa?
Porque no Brasil onde vivo faz frio, e até neva.
Até.
Pensando localmente para depois ampliar a visão, com a minha cidade e com o estado, o Rio Grande, o sul, não há dúvidas. Sempre soube o meu lugar. É o óbvio ululante, eu sou o lugar em que nasci e me criei, e nunca se foge disso. Onde quer que eu vá, serei – mesmo que cidadão do mundo – sempre Porto Alegre, cep noventa mil. Todas as referências estão lá.
Lembro a primeira vez que estive em Buenos Aires. Andávamos, a Jacque e eu, pela calle Florida, lá em cima, quase na Plaza San Martin, e a visão de toda ela, calle Florida, seu calçadão, as pessoas indo e vindo, as bancas de jornal. “Rua da Praia, Porto Alegre”, pensei. Poderia algum desavisado leitor lembrar que as duas cidades são próximas, vizinhas de cone sul, a proximidade misturando culturas e povos. Sim e não, antecipo a resposta. Tive uma impressão parecida, só que parecia Buenos Aires, ao andar nas margens do Tevere em Roma. Mas, afinal de contas, temos todos a mesma origem, não? Somos do ocidente.
A questão do Brasil, então.
Confesso que nunca me senti tão brasileiro como agora. Talvez funcione como um mecanismo de defesa, reforçar a identidade para sentir-se parte de algo maior, possivelmente até como forma de aproximar-se de pessoas, de mesma nacionalidade e mesmo idioma, por mais que falemos todos dialetos regionais.
Por outro lado, mantenho o mesmo estranhamento com relação ao Brasil que tinha antes. Mas que não é apenas meu, é de muitos. E é um traço característico nosso, habitantes do extremo meridional do país, questionar nossa relação com o restante do país. Em que somos diferentes, quais nossas similaridades?
Por seu tamanho continental, o Brasil não é um só. Somos muitos 'Brasis".
No domingo que passou, estive na Brazilfest 2005, aqui em Toronto. Fui lá para dar uma olhada, fiquei um pouco e fui embora. Havia samba, havia mulatas, caipirinha. Brasil, com todos os estereótipos possíveis. Faltando – talvez – futebol. Por que não me senti em casa?
Porque no Brasil onde vivo faz frio, e até neva.
Até.
terça-feira, agosto 09, 2005
Orcute
Uma das características da minha estada aqui no Canadá, além de todas que já comentei aqui anteriormente e muitas que ainda não me dei conta, é que passo muito tempo online. Sou provavelmente uma das pessoas que ficam mais tempo conectado à internet no mundo.
Mas não estou contando vantagem, claro. É uma das circunstâncias de morar sozinho fora do país, nas minha fase de vida, nada mais. Antes era mais tempo em frente ao computador. Desde que o tempo melhorou, desde que comecei a fazer atividade física e – vejam só – desde que comprei a televisão, fico menos tempo navegando pela rede. Ainda assim, é muito.
No início, confesso, além das funções básicas de contato com a família (bendito seja o iChat), notícias do Brasil e do Rio Grande do Sul em especial, usava também para procurar histórias parecidas com a minha, pessoas que estivesse passando pelo mesmo que eu. E até como uma forma de conhecer pessoas. Foi assim que surgiram os EBS (Encontro dos Blogueiros e Simpatizantes de Toronto), assim que conheci boa parte das pessoas com quem convivo por aqui.
Pelo Orkut, o site das comunidades online, passei a frequentar a comunidade ‘Brasileiros em Toronto’ e suas co-irmãs, ‘Brazucas no Canadá’ e ‘Brasil – Canadá’. Parênteses. Não sei por que exatamente, mas não simpatizo com a expressão ‘brazuca’. Sei lá. Fecha parênteses. Além de comunidades de Porto Alegre, Braisleiros no Exterior, etc. Hoje acho que foi demais.
Cansei.
É muito chato, de verdade. Comecei a ler com atenção o que as pessoas comentavam nessas comunidades, passei a comentar também, até que passei a discutir. Foi quando eu vi que eu não aguentava mais isso. Não tinha mais paciência. Já não tenho mais idade para isso. Para quê, exatamente?
Comunidades de Brasileiros em Toronto. Em Toronto! Está claro, não? Uma comunidade de brasileiros que está em Toronto, para discutir coisas relacionadas à cidade. Qual o tópico mais frequente?
Maio (ou outro mês qualquer) de 2006. Eu vou. Uhhuuu!!! Quem vai?
Ou então:
Tô pensando em ir para o Canadá para estudar e trabalhar. Alguém pode me dar uma dica?
Claro que sim. Não precisa nem levantar a bunda dessa cadeira: vai no Goolgle e tecla “Imigração Canada”. Não? Está certo, é mais fácil perguntar aqui e esperar tudo de mão beijada.
Outra comunidade: EU AMO o BRASIL.
Assunto: Qualidades do Brasil?
”Porque no Brasil não tem terromoto e o povo é o mais hospitaleiro. Porque nossas praia são lindas e têm altas ondas.”
“tem mó praias e claro clima proprício para frequentá-las...
comida gostosas e suculentas com muitos temperos(aí q delicia !)”
“A abundância de beleza natural... As prais do Nordeste... As cachoeiras de Minas... O Rio, a Bahia...”
Isso são qualidades de um país? Desde quando? Geografia não é qualidade, é característica…
Muito chato esse papinho, “amo o Brasil, os EUA são o grande demônio, nunca saí do Brasil e nem quero, não conheço e não gosto”.
Estou ficando sem paciência. Ou homesick
Até.
Mas não estou contando vantagem, claro. É uma das circunstâncias de morar sozinho fora do país, nas minha fase de vida, nada mais. Antes era mais tempo em frente ao computador. Desde que o tempo melhorou, desde que comecei a fazer atividade física e – vejam só – desde que comprei a televisão, fico menos tempo navegando pela rede. Ainda assim, é muito.
No início, confesso, além das funções básicas de contato com a família (bendito seja o iChat), notícias do Brasil e do Rio Grande do Sul em especial, usava também para procurar histórias parecidas com a minha, pessoas que estivesse passando pelo mesmo que eu. E até como uma forma de conhecer pessoas. Foi assim que surgiram os EBS (Encontro dos Blogueiros e Simpatizantes de Toronto), assim que conheci boa parte das pessoas com quem convivo por aqui.
Pelo Orkut, o site das comunidades online, passei a frequentar a comunidade ‘Brasileiros em Toronto’ e suas co-irmãs, ‘Brazucas no Canadá’ e ‘Brasil – Canadá’. Parênteses. Não sei por que exatamente, mas não simpatizo com a expressão ‘brazuca’. Sei lá. Fecha parênteses. Além de comunidades de Porto Alegre, Braisleiros no Exterior, etc. Hoje acho que foi demais.
Cansei.
É muito chato, de verdade. Comecei a ler com atenção o que as pessoas comentavam nessas comunidades, passei a comentar também, até que passei a discutir. Foi quando eu vi que eu não aguentava mais isso. Não tinha mais paciência. Já não tenho mais idade para isso. Para quê, exatamente?
Comunidades de Brasileiros em Toronto. Em Toronto! Está claro, não? Uma comunidade de brasileiros que está em Toronto, para discutir coisas relacionadas à cidade. Qual o tópico mais frequente?
Maio (ou outro mês qualquer) de 2006. Eu vou. Uhhuuu!!! Quem vai?
Ou então:
Tô pensando em ir para o Canadá para estudar e trabalhar. Alguém pode me dar uma dica?
Claro que sim. Não precisa nem levantar a bunda dessa cadeira: vai no Goolgle e tecla “Imigração Canada”. Não? Está certo, é mais fácil perguntar aqui e esperar tudo de mão beijada.
Outra comunidade: EU AMO o BRASIL.
Assunto: Qualidades do Brasil?
”Porque no Brasil não tem terromoto e o povo é o mais hospitaleiro. Porque nossas praia são lindas e têm altas ondas.”
“tem mó praias e claro clima proprício para frequentá-las...
comida gostosas e suculentas com muitos temperos(aí q delicia !)”
“A abundância de beleza natural... As prais do Nordeste... As cachoeiras de Minas... O Rio, a Bahia...”
Isso são qualidades de um país? Desde quando? Geografia não é qualidade, é característica…
Muito chato esse papinho, “amo o Brasil, os EUA são o grande demônio, nunca saí do Brasil e nem quero, não conheço e não gosto”.
Estou ficando sem paciência. Ou homesick
Até.
segunda-feira, agosto 08, 2005
Sou inocente
Eu não causei o tsunami.
Ninguém me tira da cabeça que o tsunami não aconteceu por minha culpa. É uma teoria que eu tenho, e não tem nada a ver com megalomania. Digamos, então, que eu nem ao menos contribuí para o fenônemo da natureza que devastou a Tailândia em dezembro passado, como poderia algum desavisado pensar.
É um pensamento bem simples: o mundo tem sua ordem pré-estabelecida, a engrenagem funcionando perfeitamente, todos executando seus papéis conforme o esperado e planejado (Por quem? Deixemos a metafísica de lado…). Aí alguém sai do roteiro, faz um movimento inesperado, e de certa forma altera o curso regular do mundo. O resultado? Castástrofes naturais.
É quase a mesma coisa do que dizem da teoria do caos: uma borboleta batendo as asas numa frequência diferente da usual na Califórnia pode causar uma tempestade tropical na Nova Guiné. O mesmo acontece quando pessoas saem da rota esperada para elas.
E eu com as calças?
Pois é, eu tenho um álibi.
Explico.
Certamente existem algumas pessoas que ficaram surpresas com a minha vinda, há quase um ano, aqui para Toronto. Isso porque achavam que eu provavelmente eu “não merecesse” vir para cá, ou talvez não quisesse ou até não tivesse capacidade. Sei lá, as pessoas pensam tantas coisas sem fundamento, vai saber…
Mas o fato é que essas mesmas pessoas podem ter pensado quando souberam do ocorrido naquelas praias do sul da Ásia: “o Marcelo tem a ver com isso. Ele saiu do rumo que estava estabelecido para ele, e agora acontece isso. Ele devia ser punido”. Pois é, as pessoas pensam coisas estranhas. Vê só, tem gente que acha que o Roberto Jeferson é um herói porque está denunciando um esquema que ocorria no governo, enquanto qualquer um que pensa um pouco, lê um pouco, sabe que ele só denunciou porque pediu mais dinheiro – do esquema que ele fazia parte – e não levou. Ele não é alguém pensando no bem do Brasil, ele está mais para ex-mulher traída entregando o marido que parou de pagar pensão. Pois é…
Mas eu dizia que não causei o tsunami. Isso porque eu não saí do meu caminho. Onde estou agora é parte, e – melhor – cheguei aqui sem me desviar dele. Demorou um pouco mais de tempo, mas foi porque segui por várias tornantes. São elas que levam para cima e deixam o caminho mais interessante.
The long and winding road.
Até.
Ninguém me tira da cabeça que o tsunami não aconteceu por minha culpa. É uma teoria que eu tenho, e não tem nada a ver com megalomania. Digamos, então, que eu nem ao menos contribuí para o fenônemo da natureza que devastou a Tailândia em dezembro passado, como poderia algum desavisado pensar.
É um pensamento bem simples: o mundo tem sua ordem pré-estabelecida, a engrenagem funcionando perfeitamente, todos executando seus papéis conforme o esperado e planejado (Por quem? Deixemos a metafísica de lado…). Aí alguém sai do roteiro, faz um movimento inesperado, e de certa forma altera o curso regular do mundo. O resultado? Castástrofes naturais.
É quase a mesma coisa do que dizem da teoria do caos: uma borboleta batendo as asas numa frequência diferente da usual na Califórnia pode causar uma tempestade tropical na Nova Guiné. O mesmo acontece quando pessoas saem da rota esperada para elas.
E eu com as calças?
Pois é, eu tenho um álibi.
Explico.
Certamente existem algumas pessoas que ficaram surpresas com a minha vinda, há quase um ano, aqui para Toronto. Isso porque achavam que eu provavelmente eu “não merecesse” vir para cá, ou talvez não quisesse ou até não tivesse capacidade. Sei lá, as pessoas pensam tantas coisas sem fundamento, vai saber…
Mas o fato é que essas mesmas pessoas podem ter pensado quando souberam do ocorrido naquelas praias do sul da Ásia: “o Marcelo tem a ver com isso. Ele saiu do rumo que estava estabelecido para ele, e agora acontece isso. Ele devia ser punido”. Pois é, as pessoas pensam coisas estranhas. Vê só, tem gente que acha que o Roberto Jeferson é um herói porque está denunciando um esquema que ocorria no governo, enquanto qualquer um que pensa um pouco, lê um pouco, sabe que ele só denunciou porque pediu mais dinheiro – do esquema que ele fazia parte – e não levou. Ele não é alguém pensando no bem do Brasil, ele está mais para ex-mulher traída entregando o marido que parou de pagar pensão. Pois é…
Mas eu dizia que não causei o tsunami. Isso porque eu não saí do meu caminho. Onde estou agora é parte, e – melhor – cheguei aqui sem me desviar dele. Demorou um pouco mais de tempo, mas foi porque segui por várias tornantes. São elas que levam para cima e deixam o caminho mais interessante.
The long and winding road.
Até.
domingo, agosto 07, 2005
A Sopa 05/03
Hoje não vou falar do peixe.
Para quem não acompanha este blog diariamente, eu explico, mas antes pergunto: como é que você, distraído leitor, consegue não acompanhar o que se passa aqui todos os dias? Bom, deixe para lá…
Explicando, então. Estou, por alguns dias, servindo de babá para o Norman, o peixe, enquanto a Adriana, mãe da Alice (e da Laura, a dona da Boneca Morta), que é dona dele, viaja de férias. Pois bem, estar tomando conta do Norman tem me proporcionado algumas reflexões, alguns insights sobre a condição humana, e o mundo em geral.
Mas eu disse que não ia falar do peixe.
Vou falar do iPod.
Já falei nele antes, aliás. Ele mudou a minha vida aqui no Canadá. Desde que comprei o tocador de MP3 da Apple, os dias têm tido outra cor, tem tido trilha sonora. As minhas corridas na esteira na academia também se tornaram toleráveis por causa dele, e a pergunta que surgiu foi “Como eu podia viver antes do advento do iPod?”. É a mesma pergunta que as pessoas se fazem sobre o telefone celular, e algumas até sobre os computadores.
A vida era mais simples, com certeza, mas era pior ou melhor? Cada um tem uma opinião, claro, e eu apenas olho e penso: “Whatever…”. O que a vida era ou podia ter sido não importa muito. Importa o hoje e o amanhã, o que vamos fazer com ela, a vida. Importam as pessoas, sem dúvida.
De volta ao iPod, entre suas opções, posso ouvir as músicas em ordem aleatória. Era a minha opção, ser surpreendido pela música seguinte. De uns dias para cá, mudei essa opção: estou ouvindo as músicas em ordem alfabética. É uma experiência totalmente nova, e tão interessante quanto ouvi-las aleatoriamente. E acontecem situações sui generis, como – por exemplo – ouvir a música ‘Eu Sei’, da Legião Urbana, primeiro na versão acústica da Banda da Sopa e em seguida ouvir a mesma música na versão da própria Legião Urbana e, perceber – modestamente, é claro – que a da Banda da Sopa não fica devendo em nada para a original. Mas, por outro lado, e ainda no exemplo da Legião Urbana, ocorre de eu ter que ouvir em sequência duas versões de ‘Faroeste Caboclo’.
Comentando isso com a Jacque, ela perguntou por que eu não pulava a segunda versão da música, para não precisar ouvir duas vezes? Respondi que não podia, afinal eu estaria trapaceando, e alguma coisa ruim poderia acontecer.
Vai, por exemplo, que o Norman morresse.
Prefiro não correr esse risco…
============================================================
A Crise do Brasil
by Marcelo Tadday Rodrigues
Tenho pensado muito sobre a crise moral que o país enfrenta. Muito mesmo. No início, a primeira vontade que dá – ao olhar com um pouco mais de atenção a tudo o que acontece à nossa volta – é de sair do país e ir trabalhar em qualquer coisa fora do Brasil, tipo garçom, jardineiro, sei lá. Abandonar o barco porque está fazendo água, há tempos.
Basta abrir os jornais: é crise política, corrupção, mar de lama, etc. O PT, que era o último bastião da moralidade e honestidade no país, está envolvido – ainda a ser completamente provado – num esquema de proporções ainda não vistas. Ou vista e esquecida como característica brasileira: a pouca memória. E as investigações se aproximam do governo anterior, ou do partido do governo anterior, parece envolvido numa grande engrenagem de financiamento de campanhas e lavagem de dinheiro através de empréstimos nunca pagos em bancos que se beneficiaram de benesses públicas. No fundo, é são os mesmos mandando no país desde sempre, só mudando os nomes na fachada, a máquina por trás intacta. Lembra uma música atual do Gabriel, o Pensador: “...até quando você vai levando (porrada), até quando vai ficar sem fazer nada?”.
A crise moral que nos assola não está restrita apenas ao âmbito da política, contudo. Sabe como é: “Cada povo tem o novo que merece”. É no dia-a-dia que se vê porque as coisas estão mal, nos detalhes é que se percebe a semente de tudo. Passar quando o sinal está fechado, furar filas, querer sempre levar vantagem. Falta de educação, em suma.
Pensando neste contexto sombrio, cheguei à conclusão que o que falta no Brasil atualmente, é a influência da família. Famílias fortes, que cultivem a honra e a lealdade, são o que podem nos salvar da ruína social. Para ser mais específico, famiglias. O que falta no Brasil é a máfia. Não estes grupelhos de marginais, ditos de extermínio, ou traficantes e contrabandistas. Não. O que precisamos é da máfia no sentido de pessoas que prezem pela lealdade à família, à tradição. Somos um país jovem, precisamos de alguém que nos ponha na linha, como um pai, ou um chefão. Alguém que respeitemos e que – mesmo que por temor – não nos deixe sucumbir às tentações do mau caminho.
Por isso, finalmente,é com orgulho que a holding Sopa de Ervilhas Anual do Marcelo, da qual A Sopa e o blog A Sopa no Exílio são parte integrante, anuncia o lançamento, nos próximos meses, do Tele-Máfia.
Não gosta do namorado de sua filha? Acha que teu sócio está te roubando? Aquele grandalhão da oitava série está te ameaçando? Necessita de alguém que leve seus filhos nas festinhas e, além disso, faça a segurança deles? Algum don Juan assediando sua namorada/noiva/esposa? Chame o Tele-Máfia que resolvemos o seu problema. Aceitamos cartão de crédito, cheque pré, etc. Sem burocracias, contratos feitos apenas na palavra de honra.
(Adaptado de texto publicado n'A Sopa dia 20/08/2001)
Para quem não acompanha este blog diariamente, eu explico, mas antes pergunto: como é que você, distraído leitor, consegue não acompanhar o que se passa aqui todos os dias? Bom, deixe para lá…
Explicando, então. Estou, por alguns dias, servindo de babá para o Norman, o peixe, enquanto a Adriana, mãe da Alice (e da Laura, a dona da Boneca Morta), que é dona dele, viaja de férias. Pois bem, estar tomando conta do Norman tem me proporcionado algumas reflexões, alguns insights sobre a condição humana, e o mundo em geral.
Mas eu disse que não ia falar do peixe.
Vou falar do iPod.
Já falei nele antes, aliás. Ele mudou a minha vida aqui no Canadá. Desde que comprei o tocador de MP3 da Apple, os dias têm tido outra cor, tem tido trilha sonora. As minhas corridas na esteira na academia também se tornaram toleráveis por causa dele, e a pergunta que surgiu foi “Como eu podia viver antes do advento do iPod?”. É a mesma pergunta que as pessoas se fazem sobre o telefone celular, e algumas até sobre os computadores.
A vida era mais simples, com certeza, mas era pior ou melhor? Cada um tem uma opinião, claro, e eu apenas olho e penso: “Whatever…”. O que a vida era ou podia ter sido não importa muito. Importa o hoje e o amanhã, o que vamos fazer com ela, a vida. Importam as pessoas, sem dúvida.
De volta ao iPod, entre suas opções, posso ouvir as músicas em ordem aleatória. Era a minha opção, ser surpreendido pela música seguinte. De uns dias para cá, mudei essa opção: estou ouvindo as músicas em ordem alfabética. É uma experiência totalmente nova, e tão interessante quanto ouvi-las aleatoriamente. E acontecem situações sui generis, como – por exemplo – ouvir a música ‘Eu Sei’, da Legião Urbana, primeiro na versão acústica da Banda da Sopa e em seguida ouvir a mesma música na versão da própria Legião Urbana e, perceber – modestamente, é claro – que a da Banda da Sopa não fica devendo em nada para a original. Mas, por outro lado, e ainda no exemplo da Legião Urbana, ocorre de eu ter que ouvir em sequência duas versões de ‘Faroeste Caboclo’.
Comentando isso com a Jacque, ela perguntou por que eu não pulava a segunda versão da música, para não precisar ouvir duas vezes? Respondi que não podia, afinal eu estaria trapaceando, e alguma coisa ruim poderia acontecer.
Vai, por exemplo, que o Norman morresse.
Prefiro não correr esse risco…
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by Marcelo Tadday Rodrigues
Tenho pensado muito sobre a crise moral que o país enfrenta. Muito mesmo. No início, a primeira vontade que dá – ao olhar com um pouco mais de atenção a tudo o que acontece à nossa volta – é de sair do país e ir trabalhar em qualquer coisa fora do Brasil, tipo garçom, jardineiro, sei lá. Abandonar o barco porque está fazendo água, há tempos.
Basta abrir os jornais: é crise política, corrupção, mar de lama, etc. O PT, que era o último bastião da moralidade e honestidade no país, está envolvido – ainda a ser completamente provado – num esquema de proporções ainda não vistas. Ou vista e esquecida como característica brasileira: a pouca memória. E as investigações se aproximam do governo anterior, ou do partido do governo anterior, parece envolvido numa grande engrenagem de financiamento de campanhas e lavagem de dinheiro através de empréstimos nunca pagos em bancos que se beneficiaram de benesses públicas. No fundo, é são os mesmos mandando no país desde sempre, só mudando os nomes na fachada, a máquina por trás intacta. Lembra uma música atual do Gabriel, o Pensador: “...até quando você vai levando (porrada), até quando vai ficar sem fazer nada?”.
A crise moral que nos assola não está restrita apenas ao âmbito da política, contudo. Sabe como é: “Cada povo tem o novo que merece”. É no dia-a-dia que se vê porque as coisas estão mal, nos detalhes é que se percebe a semente de tudo. Passar quando o sinal está fechado, furar filas, querer sempre levar vantagem. Falta de educação, em suma.
Pensando neste contexto sombrio, cheguei à conclusão que o que falta no Brasil atualmente, é a influência da família. Famílias fortes, que cultivem a honra e a lealdade, são o que podem nos salvar da ruína social. Para ser mais específico, famiglias. O que falta no Brasil é a máfia. Não estes grupelhos de marginais, ditos de extermínio, ou traficantes e contrabandistas. Não. O que precisamos é da máfia no sentido de pessoas que prezem pela lealdade à família, à tradição. Somos um país jovem, precisamos de alguém que nos ponha na linha, como um pai, ou um chefão. Alguém que respeitemos e que – mesmo que por temor – não nos deixe sucumbir às tentações do mau caminho.
Por isso, finalmente,é com orgulho que a holding Sopa de Ervilhas Anual do Marcelo, da qual A Sopa e o blog A Sopa no Exílio são parte integrante, anuncia o lançamento, nos próximos meses, do Tele-Máfia.
Não gosta do namorado de sua filha? Acha que teu sócio está te roubando? Aquele grandalhão da oitava série está te ameaçando? Necessita de alguém que leve seus filhos nas festinhas e, além disso, faça a segurança deles? Algum don Juan assediando sua namorada/noiva/esposa? Chame o Tele-Máfia que resolvemos o seu problema. Aceitamos cartão de crédito, cheque pré, etc. Sem burocracias, contratos feitos apenas na palavra de honra.
(Adaptado de texto publicado n'A Sopa dia 20/08/2001)
sábado, agosto 06, 2005
Sessenta anos hoje
Eu sempre penso no momento seguinte ao da explosão. Sei que quase com certeza não foi assim, mas prefiro imaginar – no lugar dos gritos, dos choros, dos mortos – apenas o silêncio, o silêncio mortal. O silêncio do fracasso da humanidade.
Talvez o silêncio tenha sido aquela fração de segundo antes da bomba explodir após ter sido abandonada no ar pelo Enola Gay, o nome dado ao B-29 pilotado por Paul Tibbets, que mudou a história da II Guerra Mundial e do mundo. É estupefação, e tristeza.
No filme “Até o Fim do Mundo”, do Wim Wenders (Bis ans Ende der Welt, 1991), há uma cena que me impressiona também por isso, o fim e o silêncio. Um casal está voando num aeoplano por sobre um deserto na Austrália quando uma bomba nuclear explode. O motor pára e o avião plana, os dois em silêncio sobre o deserto, se olham e alguém diz, “é o fim, acabou”. E os dois assim permanecem.
Eu penso na crianças.
“Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa em nada”
Talvez o silêncio tenha sido aquela fração de segundo antes da bomba explodir após ter sido abandonada no ar pelo Enola Gay, o nome dado ao B-29 pilotado por Paul Tibbets, que mudou a história da II Guerra Mundial e do mundo. É estupefação, e tristeza.
No filme “Até o Fim do Mundo”, do Wim Wenders (Bis ans Ende der Welt, 1991), há uma cena que me impressiona também por isso, o fim e o silêncio. Um casal está voando num aeoplano por sobre um deserto na Austrália quando uma bomba nuclear explode. O motor pára e o avião plana, os dois em silêncio sobre o deserto, se olham e alguém diz, “é o fim, acabou”. E os dois assim permanecem.
Eu penso na crianças.
“Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa em nada”
sexta-feira, agosto 05, 2005
Ainda o peixe
Já contei aqui a piada dos tomates gays e mudos?
Ainda sobre o Norman.
Ter um peixe aqui em casa, mesmo que temporariamente, além de provocar polêmicas neste blog, serve como interessante recurso literário. E temos convivido bem, o Norman e eu.
Ele é mais quietão, gosta de observar o passar das coisas, e é um bom ouvinte. Está me ensinando algumas características da sua filosofia de vida, como a paciência e o olhar contemplativo para o mundo, um certo ar blasé, uma coisa meio existencialista. Acho até que o Norman lê Sartre, mas ainda não conversamos sobre isso. Às vezes dou uma olhada nele, e está boquiaberto, admirado com o universo. Isso é fundamental, admirar-se com tudo o que acontece à sua volta, me ensina.
Sem falar na questão do aquário.
Como o Norman, o peixe, sob certo prisma, muitos vivem em seu próprio aquário. Passam sua vida andando em círculos em seu mundo restrito, e sem ao menos saber que existe algo além daqueles limites. Que existe muito mais além das paredes do aquário. E, ao contrário dos peixes, se por um acidente caem para fora, não morrem, e tem a chance de ver o mundo como realmente é. Enxergam a luz, e não mais as sombras. O início pode ser difícil, mas é possível acostumar-se com a luz, com as cores, mas nem todos conseguem.
O aquário como a caverna, e o Norman, Platão.
Sabe tudo esse Norman.
Ploft, ploft.
Ainda sobre o Norman.
Ter um peixe aqui em casa, mesmo que temporariamente, além de provocar polêmicas neste blog, serve como interessante recurso literário. E temos convivido bem, o Norman e eu.
Ele é mais quietão, gosta de observar o passar das coisas, e é um bom ouvinte. Está me ensinando algumas características da sua filosofia de vida, como a paciência e o olhar contemplativo para o mundo, um certo ar blasé, uma coisa meio existencialista. Acho até que o Norman lê Sartre, mas ainda não conversamos sobre isso. Às vezes dou uma olhada nele, e está boquiaberto, admirado com o universo. Isso é fundamental, admirar-se com tudo o que acontece à sua volta, me ensina.
Sem falar na questão do aquário.
Como o Norman, o peixe, sob certo prisma, muitos vivem em seu próprio aquário. Passam sua vida andando em círculos em seu mundo restrito, e sem ao menos saber que existe algo além daqueles limites. Que existe muito mais além das paredes do aquário. E, ao contrário dos peixes, se por um acidente caem para fora, não morrem, e tem a chance de ver o mundo como realmente é. Enxergam a luz, e não mais as sombras. O início pode ser difícil, mas é possível acostumar-se com a luz, com as cores, mas nem todos conseguem.
O aquário como a caverna, e o Norman, Platão.
Sabe tudo esse Norman.
Ploft, ploft.
quinta-feira, agosto 04, 2005
Diálogos
Ontem, a noite estava propícia para se estar na rua. A tempearatura não muito alta, e soprava uma brisa agradável. Estávamos, Norman – o peixe – e eu sentados num banco em frente ao edifício, contemplando a noite e conversando sobre a vida.
Foi uma conversa bem produtiva. Com exceção de algumas interrupções por pessoas que passavam com seus cachorros e ao nos ver ali, sentados sob as estrelas, paravam para conferir se era realmente um peixe, no que eu esclarecia “Ele gosta de passear à noite”, falamos de diversos assuntos. O Norman é um bom ouvinte, atento, compenetrado, quase um psiquiatra. Deve ser por imfluência da Adriana, mãe de Alice, a “dona” do Norman, que é psiquiatra também. A Adriana, não a Alice.
Comentei com ele sobre o post (me olhou, sério), ops, o texto (eu não escrevo posts, escrevo textos) que publiquei ontem, em que contava minha relação com animais de estimação, em que dizia que não gostava de animais com os quais não podia interagir, como tartarugas, passarinhos, coelhos, hamsters e… peixes. Claro, esclareci que ele não se encontrava nesse grupo, afinal de contas conversávamos, e isso era uma grande interação.
Avançamos na conversa à medida que avançava a noite, e chegamos a discutir blogs. Comentei – com grande satisfação – sobre o aumento de leitores deste blog. Me olhou sério, de novo, e entendi: quanto mais pessoas lêem o meu blog, menor é a proporção dessas que me conhece pessoalmente e de verdade e que sabe “filtrar” as coisas que eu digo. Porque nem sempre falo sério. Além disso, quanto mais pessoas me lêem, maior é a chance de eu “ofender” alguém com o que eu escrevo.
“Mas Norman”, argumentei, “não posso ficar me policiando com medo de magoar alguém, pois aí seria abrir mão da liberdade criativa”. "E não só isso, Norman, eu não sou politicamente correto!". Ele só me olhou, mais uma vez.
Eu sabia o que eu devia fazer.
#
Bom, se alguém leu os comentários do meu texto de ontem, viu que recebi um puxão de orelha por ter insinuado alguma relação entre o fato de ser proprietário de um peixe e homossexualidade. Insinuei, sim, e foi uma piada, óbvio. Não achei nada demais. Mesmo.
Mais: quem não deve, não teme.
Até.
Foi uma conversa bem produtiva. Com exceção de algumas interrupções por pessoas que passavam com seus cachorros e ao nos ver ali, sentados sob as estrelas, paravam para conferir se era realmente um peixe, no que eu esclarecia “Ele gosta de passear à noite”, falamos de diversos assuntos. O Norman é um bom ouvinte, atento, compenetrado, quase um psiquiatra. Deve ser por imfluência da Adriana, mãe de Alice, a “dona” do Norman, que é psiquiatra também. A Adriana, não a Alice.
Comentei com ele sobre o post (me olhou, sério), ops, o texto (eu não escrevo posts, escrevo textos) que publiquei ontem, em que contava minha relação com animais de estimação, em que dizia que não gostava de animais com os quais não podia interagir, como tartarugas, passarinhos, coelhos, hamsters e… peixes. Claro, esclareci que ele não se encontrava nesse grupo, afinal de contas conversávamos, e isso era uma grande interação.
Avançamos na conversa à medida que avançava a noite, e chegamos a discutir blogs. Comentei – com grande satisfação – sobre o aumento de leitores deste blog. Me olhou sério, de novo, e entendi: quanto mais pessoas lêem o meu blog, menor é a proporção dessas que me conhece pessoalmente e de verdade e que sabe “filtrar” as coisas que eu digo. Porque nem sempre falo sério. Além disso, quanto mais pessoas me lêem, maior é a chance de eu “ofender” alguém com o que eu escrevo.
“Mas Norman”, argumentei, “não posso ficar me policiando com medo de magoar alguém, pois aí seria abrir mão da liberdade criativa”. "E não só isso, Norman, eu não sou politicamente correto!". Ele só me olhou, mais uma vez.
Eu sabia o que eu devia fazer.
#
Bom, se alguém leu os comentários do meu texto de ontem, viu que recebi um puxão de orelha por ter insinuado alguma relação entre o fato de ser proprietário de um peixe e homossexualidade. Insinuei, sim, e foi uma piada, óbvio. Não achei nada demais. Mesmo.
Mais: quem não deve, não teme.
Até.
quarta-feira, agosto 03, 2005
A Mel e o Norman
Como toda criança, eu sempre gostei de animais de estimação, mas estes sempre se restringiram aos cachorros.
A primeira, foi uma Fox paulistinha branca com a cabeça preta, de nome Bambina. Superdócil com a família, ela era o terror dos vendedores de sorvetes que passavam em frente à nossa casa, em Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul. Ela não latia, apenas corria e quando estava com os calcanhares da vítima ao alcance dos seus dentes ela simplesmente rosnava. E mordia. Muito tivemos que dar explicações sobre os ataques dela.
Depois, foi o Calvin. Um Cocker Spaniel dourado que eu ganhei de presente de uma namorada. O nome era para ser Spiff, em homenagem ao cosmonauta Spiff, super-herói imaginário de criação do personagem de Bill Waterson. Como a veterinária nos ensinou, o nome dos animais de estimação deve ter ao menos duas sílabas. Desistimos de Spiff, pensei em Tchaikowski, mas acabou sendo mesmo Calvin. Foi roubado numa manhã de carnaval.
Teve também o Lucky, que era do meu tio que, quando se mudou para São Paulo, deixou lá em casa com a gente. Alguns anos depois, o Lucky voltou para a casa do meu tio. Depois disso, não tive mais animais de estimação, até porque a Jacque não aceitou ter um rotweiller no nosso apartamento… Mas foram sempre cachorros. Nunca quis ter outros animais, como tartarugas, coelhos, galinhas, papagaios, peixes, etc.
Mas eu tenho uma afilhada.
E ela gosta de animais. Já teve peixe, hamster, cachorro (a Maggie, que não gostava de andar na rua) e, agora, hamster de novo. Se chama Mel, de Melissa, e está lá em casa sendo cuidada pela Jacque enquanto o Paulo, a Kaká, o Bibi e a Beta estão de férias em Bariloche. Eu disse que tudo bem, a Mel podia ficar lá em casa, mas só porque eu não estava lá: eu não gosto de ratos.
Temos tido, a Roberta e eu, longas discussões sobre o assunto: eu digo que não gosto de ratos, ela diz que a Mel não é rato, é hamster, e eu digo que é tudo a mesma coisa. Ela diz que não, dá detalhes de anatomia que diferenciam ratos de hamster e eu digo que não me interessa, rato é rato.
E o Norman?
Normal é um peixe, meu novo roomate. Antes que vocês digam, em coro, VEADO, VEADO, VEADO, deixa eu esclarecer que ele vai ficar aqui enquanto a Adriana, sua “avó” (a dona é a Alice, sua filha), tira uns dias de férias. Se ele sobreviver a esse período aqui, vai ter longa vida…
Até.
A primeira, foi uma Fox paulistinha branca com a cabeça preta, de nome Bambina. Superdócil com a família, ela era o terror dos vendedores de sorvetes que passavam em frente à nossa casa, em Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul. Ela não latia, apenas corria e quando estava com os calcanhares da vítima ao alcance dos seus dentes ela simplesmente rosnava. E mordia. Muito tivemos que dar explicações sobre os ataques dela.
Depois, foi o Calvin. Um Cocker Spaniel dourado que eu ganhei de presente de uma namorada. O nome era para ser Spiff, em homenagem ao cosmonauta Spiff, super-herói imaginário de criação do personagem de Bill Waterson. Como a veterinária nos ensinou, o nome dos animais de estimação deve ter ao menos duas sílabas. Desistimos de Spiff, pensei em Tchaikowski, mas acabou sendo mesmo Calvin. Foi roubado numa manhã de carnaval.
Teve também o Lucky, que era do meu tio que, quando se mudou para São Paulo, deixou lá em casa com a gente. Alguns anos depois, o Lucky voltou para a casa do meu tio. Depois disso, não tive mais animais de estimação, até porque a Jacque não aceitou ter um rotweiller no nosso apartamento… Mas foram sempre cachorros. Nunca quis ter outros animais, como tartarugas, coelhos, galinhas, papagaios, peixes, etc.
Mas eu tenho uma afilhada.
E ela gosta de animais. Já teve peixe, hamster, cachorro (a Maggie, que não gostava de andar na rua) e, agora, hamster de novo. Se chama Mel, de Melissa, e está lá em casa sendo cuidada pela Jacque enquanto o Paulo, a Kaká, o Bibi e a Beta estão de férias em Bariloche. Eu disse que tudo bem, a Mel podia ficar lá em casa, mas só porque eu não estava lá: eu não gosto de ratos.
Temos tido, a Roberta e eu, longas discussões sobre o assunto: eu digo que não gosto de ratos, ela diz que a Mel não é rato, é hamster, e eu digo que é tudo a mesma coisa. Ela diz que não, dá detalhes de anatomia que diferenciam ratos de hamster e eu digo que não me interessa, rato é rato.
E o Norman?
Normal é um peixe, meu novo roomate. Antes que vocês digam, em coro, VEADO, VEADO, VEADO, deixa eu esclarecer que ele vai ficar aqui enquanto a Adriana, sua “avó” (a dona é a Alice, sua filha), tira uns dias de férias. Se ele sobreviver a esse período aqui, vai ter longa vida…
Até.
terça-feira, agosto 02, 2005
That’s Good…
Uma frase super-feita que é característica minha é a que diz que “a vida não é muito mais do que histórias para contar”. Isso quer dizer que eu valorizo tudo o que vivo como fonte de histórias para serem contadas depois. Procuro estar sempre atento aos fatos ao meu redor para tirar dali o que vai virar história, minha história pessoal.
Além disso, a valorização dos episódios do dia-a-dia, as histórias são importantes como formas de afirmação das relações interpessoais. São essas as que marcam nossa trajetória, como pessoas e como turmas.
Uma turma começa a formar a sua identidade a partir dessas pequenas histórias comuns, pontos em que as trajetórias pessoais de cada um dos integrantes tornam-se menos importantes do que a do grupo, como ser individual, ou seja, uma turma passa a ter o direito de se autoproclamar assim quando começa a criar a sua própria. Que podem ser episódios sem importância, mas que marcam e o seu somatório é o que podemos considerar o “folclore” de uma turma.
Mas além da histórias que vão formar o que – num exagero poético – podemos chamar de embasamento teórico da turma, existem as lendas. Lendas são episódio seminais, que são preservados na memória de todos, que criam expressões, que definem. Algumas vezes, só identificamos esses momentos muito tempo depois. Outras vezes, é instantâneo, sabemos na hora que está surgindo uma lenda.
Lenda, mas não como a do cactus com escorpiões venenosos ou da casa infestada de tarântulas saídas da caixa de um software.
That’s good, certo?
Além disso, a valorização dos episódios do dia-a-dia, as histórias são importantes como formas de afirmação das relações interpessoais. São essas as que marcam nossa trajetória, como pessoas e como turmas.
Uma turma começa a formar a sua identidade a partir dessas pequenas histórias comuns, pontos em que as trajetórias pessoais de cada um dos integrantes tornam-se menos importantes do que a do grupo, como ser individual, ou seja, uma turma passa a ter o direito de se autoproclamar assim quando começa a criar a sua própria. Que podem ser episódios sem importância, mas que marcam e o seu somatório é o que podemos considerar o “folclore” de uma turma.
Mas além da histórias que vão formar o que – num exagero poético – podemos chamar de embasamento teórico da turma, existem as lendas. Lendas são episódio seminais, que são preservados na memória de todos, que criam expressões, que definem. Algumas vezes, só identificamos esses momentos muito tempo depois. Outras vezes, é instantâneo, sabemos na hora que está surgindo uma lenda.
Lenda, mas não como a do cactus com escorpiões venenosos ou da casa infestada de tarântulas saídas da caixa de um software.
That’s good, certo?
segunda-feira, agosto 01, 2005
O Conto e o Vigário
Esses dias, recebi um email na caixa postal da Sopa que dizia simplesmente “Alguém que te ama mandou uma mensagem”. E tal mensagem, que vinha no corpo do email, era ‘Eu te amo’. O email, endereçado ao asopa at terra dot com dot bê erre, tinha como remetente um email iarru ponto com ponto bê erre. Mas que eu não conhecia. E terminava com um link: “Veja a foto de quem enviou esse cartão”.
Confesso que fiquei tentado a clicar ali onde eu poderia identificar a simpática autora da mensagem (sim, eu presumo que seria uma autora e não, não eu gostaria de receber uma declaração de um autor). Não se pode ignorar uma declaração de amor, nunca, mesmo que seja apenas para ouvir e dizer, “não, não é recíproco”. Acho que toda a pessoa que ama deve ter o direito de declarar o seu amor ao objeto deste amor. Não sendo pelo José Dirceu, tudo bem…
Mas não abri, porque as vozes (não as mesmas que costumam dizer “Marcelinho, sacada do 21º, tu nem vai sentir nada, pula, pula) ficaram me dizendo “hacker-vírus-hacker-vírus-hacker”, e até que joguei na lixeira e dali a apaguei. Azar, na próxima vez identifique-se. Por exemplo:
De: Angelina (angelina@jolie.com)
Para: marcelo (repararam que escrevo meu nome em minúsculas? Humildade…).
Pois é, ficaria bem melhor assim.
#
Outro dia, recebi um email da The National Lottery, Liverpool, United Kingdom, cujo título era “FINAL WINNING NOTIFICATION”. Decobri, super-empolgado, que eu, mesmo sem nunca ter comprado um bilhete, sem ter me incrito em nenhum site, havia ganho duzentos e cinquenta e seis mil libras esterlinas. Meu deus, pensei, minha sorte está mudando, vou para de trabalhar.
Saí da minha sala, dei um tapão no meu chefe, mandei todos os meus colegas do hospital pro inferno, e saí para curtir minha independência financeira. Mas aí as vozes (aquelas…) ficaram me dizendo “hacker-vírus-hacker-vírus-hacker-vírus-hacker-vírus”, até que desisti. Não estou mais rico, mas também não estou com minha contas bancárias zeradas por hackers…
#
Não consigo deixar de pensar: tem gente que acredita?
Existem pessoas que sinceramente acreditam que alguém na Nigéria, por exemplo, seja portador de vinte milhões de dólares e que esteja disposto a enviar esse dinheiro para uma conta no exterior e, aleatoriamente, seguindo – sei lá – a teoria do caos, tenha chegado a ela – um completo desconhecido, e tenha se proposto a transferir o dinheiro, só precisando que o destinatário envie os dados de sua conta bancária e tornar-se-á proprietário de uma parcela dessa quantia? Existem pessoas tão ingênuas e/ou gananciosas?
Sim, é o mesmo princípio do famoso golpe do cartão da loteria. Imagine você, caro leitor, saindo de um banco e sendo abordado por um cidadão se dizendo do interior do seu estado e que porta um bilhete premiado da loteria, afirmando não ter conta bancária e se propondo a dividir a quantia com você, desde que você deixe com ele uma pequena quantia como caução, para mostrar sua boa intenção, enquanto você vai sacar o prêmio. E tem gente que entra nesse papo. No século vinte e um!
Bom, mas tem gente que acreditou que o Iraque tinha armas de destruição em massa e que o PT era formado só por anjos…
E os duendes, onde estão agora?
#
Passagem do tempo: ONZE.
Confesso que fiquei tentado a clicar ali onde eu poderia identificar a simpática autora da mensagem (sim, eu presumo que seria uma autora e não, não eu gostaria de receber uma declaração de um autor). Não se pode ignorar uma declaração de amor, nunca, mesmo que seja apenas para ouvir e dizer, “não, não é recíproco”. Acho que toda a pessoa que ama deve ter o direito de declarar o seu amor ao objeto deste amor. Não sendo pelo José Dirceu, tudo bem…
Mas não abri, porque as vozes (não as mesmas que costumam dizer “Marcelinho, sacada do 21º, tu nem vai sentir nada, pula, pula) ficaram me dizendo “hacker-vírus-hacker-vírus-hacker”, e até que joguei na lixeira e dali a apaguei. Azar, na próxima vez identifique-se. Por exemplo:
De: Angelina (angelina@jolie.com)
Para: marcelo (repararam que escrevo meu nome em minúsculas? Humildade…).
Pois é, ficaria bem melhor assim.
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Outro dia, recebi um email da The National Lottery, Liverpool, United Kingdom, cujo título era “FINAL WINNING NOTIFICATION”. Decobri, super-empolgado, que eu, mesmo sem nunca ter comprado um bilhete, sem ter me incrito em nenhum site, havia ganho duzentos e cinquenta e seis mil libras esterlinas. Meu deus, pensei, minha sorte está mudando, vou para de trabalhar.
Saí da minha sala, dei um tapão no meu chefe, mandei todos os meus colegas do hospital pro inferno, e saí para curtir minha independência financeira. Mas aí as vozes (aquelas…) ficaram me dizendo “hacker-vírus-hacker-vírus-hacker-vírus-hacker-vírus”, até que desisti. Não estou mais rico, mas também não estou com minha contas bancárias zeradas por hackers…
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Não consigo deixar de pensar: tem gente que acredita?
Existem pessoas que sinceramente acreditam que alguém na Nigéria, por exemplo, seja portador de vinte milhões de dólares e que esteja disposto a enviar esse dinheiro para uma conta no exterior e, aleatoriamente, seguindo – sei lá – a teoria do caos, tenha chegado a ela – um completo desconhecido, e tenha se proposto a transferir o dinheiro, só precisando que o destinatário envie os dados de sua conta bancária e tornar-se-á proprietário de uma parcela dessa quantia? Existem pessoas tão ingênuas e/ou gananciosas?
Sim, é o mesmo princípio do famoso golpe do cartão da loteria. Imagine você, caro leitor, saindo de um banco e sendo abordado por um cidadão se dizendo do interior do seu estado e que porta um bilhete premiado da loteria, afirmando não ter conta bancária e se propondo a dividir a quantia com você, desde que você deixe com ele uma pequena quantia como caução, para mostrar sua boa intenção, enquanto você vai sacar o prêmio. E tem gente que entra nesse papo. No século vinte e um!
Bom, mas tem gente que acreditou que o Iraque tinha armas de destruição em massa e que o PT era formado só por anjos…
E os duendes, onde estão agora?
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Passagem do tempo: ONZE.
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