segunda-feira, agosto 31, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Sessenta e Nove Dias)

 



Ontem não teve Sopa, porque hoje o dia é especial.

 

Há vinte e quatro anos era sábado. E chovia.

Horas antes, fui até o local da festa, que deveria estar pronto, só que a equipe que ia colocar o som ainda não tinha aparecido. Se eles não aparecessem, seria uma festa de casamento sem música. Depois da igreja, uma festa à capela, pensei. Azar, não havia nada que eu pudesse fazer naquele momento. Fui para a casa.

Em casa, hora de fazer a barba. Com todo o cuidado, “na ponta dos dedos”. No final, um deslize e craw! um talho no meu pescoço. Uma falta de prática ou um condicionamento cósmico, afinal o meu sogro havia tido o mesmo problema no seu casamento? Não importava muito naquele momento.

Cinco meses antes, quando fui marcar a data, o padre ficou surpreso quando eu disse que queríamos nos casar em agosto. “Ninguém casa em agosto”, ele disse, “dizem que dá azar”. Respondi para ele que dia trinta e um à noite já era praticamente setembro, e – além disso – a festa ia começar em agosto e ir até setembro, o que só podia ser um bom sinal, afinal de contas.

Quando a vi pela primeira vez, dia 02 de janeiro de 1995, pensei que ela era muita areia para o meu caminhãozinho. Que eu teria que fazer muito para merecê-la, para ser digno de estar com ela.

É o que venho tentando desde então.

E muito feliz.

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim 
Que nada nesse mundo levará você de mim 
Eu sei e você sabe que a distância não existe 
Que todo grande amor 
Só é bem grande se for triste 
Por isso, meu amor 
Não tenha medo de sofrer 
Que todos os caminhos me encaminham pra você 
Assim como o oceano 
Só é belo com luar 
Assim como a canção 
Só tem razão se se cantar 
Assim como uma nuvem 
Só acontece se chover 
Assim como o poeta 
Só é grande se sofrer 
Assim como viver 
Sem ter amor não é viver 
Não há você sem mim 
E eu não existo sem você


Te amo, Jacque.

Até

sábado, agosto 29, 2020

quinta-feira, agosto 27, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Sessenta e Cinco Dias

Da série “Fico feliz ou fico de cara?”.

 

Perdi peso, quem tem me visto sabe disso. E não foi pouco, com orgulho confesso. O segredo? Nenhum. Controle da alimentação – sem muito estresse – associado à atividade física. Muita.

 

Foram quase dezoito quilos perdidos em um ano, a maior parte durante a pandemia que ora vivemos. Percentual de gordura corporal caiu de 24% (acima da média para a minha idade) para 16% (entre bom e excelente).

 

Mas não é disso que quero falar.

 

Estava atendendo uma paciente em pós-operatório de cirurgia bariátrica essa semana, como já faço há mais de quinze anos. Consulta de revisão, de rotina. Nada excepcional. Em determinado momento da consulta, a paciente comenta/pergunta: “Perdeu peso, doutor?”. Entre tímido e feliz, respondo que sim.

 

Segue a consulta.

 

Mais um pouco, a paciente não se aguenta: 

 

“Fez bariátrica, doutor?”.

 

O que dizer?

 

Até.

terça-feira, agosto 25, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Sessenta e Três Dias

Tenho estudado.

Uns dos efeitos colaterais da pandemia – que esperamos que termine logo, apesar da torcida contra dos arautos do apocalipse – é, para quem teve o privilégio de manter o seu emprego, é funcionário com estabilidade, ou de alguma forma teve como sobreviver apesar da abissal diminuição de renda  motivada pela queda de movimento do seu negócio decorrente das restrições impostas pelos governos ou pelo medo das pessoas, entre outras coisas, a possibilidade da maior convivência em casa e o maior tempo disponível para outras atividades. Frase longa essa, deixar eu tomar fôlego para continuar.

 

Sabemos que a maioria das pessoas não teve essa condição, de ficar em casa de quarentena como pregavam e ainda pregam alguns por aí. Por características da minha atividade médica, eu não pude ficar, evidentemente. Mesmo assim, os pacientes sumiram do consultório, e foram voltando aos poucos. Muito mais COVID e menos outras condições. Em breve normaliza o movimento, com certeza.


Fujo do assunto, eu sei.

 

Trabalhando menos que o normal proporcionou maior tempo disponível para outras atividades, e estudar foi uma delas. Tenho feito alguns cursos online, lido mais livros, e – principalmente - estudado bem mais medicina. Cultivado novos hábitos.

 

Disciplina, acima de tudo.

 

Tenho praticado disciplina na minha rotina, assim como planejamento para uma maior produtividade. Feito alguns planos. Me preparando para o pós-pandemia.

 

Que está logo ali, dobrando a esquina.

 

Eu acredito.

 

Até.

domingo, agosto 23, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Sessenta e Um Dias)

A hipocrisia.

Pensei nisso hoje mesmo, ao – após ir ao supermercado com a Jacque fazer as compras semanais nossas e dos meus sogros – passar de carro em frente à Praça da Encol, aqui em Porto Alegre. Essa praça, de nome Carlos Simão Arnt, no bairro Bela Vista, em tempos normais está sempre – em dias de sol, como hoje – cheia de gente praticando esportes, pegando sol, tomando chimarrão. 

Bom.

 

Hoje, centésimo sexagésimo primeiro dia de pandemia aqui no Sul do Mundo, ainda vivendo sob a bandeira vermelha do modelo de distanciamento social do governo do RS, ainda com todas as recomendações de distanciamento social e do ‘fique em casa’, mesmo com tudo isso, a praça estava lotada. Cheia mesmo. Famílias inteiras com, e desportistas com e sem máscaras. Todos desfrutando do belo domingo de sol.

 

E estão certos.

 

Não há problemas em estar ao ar livre, fazer piqueniques. É saudável, faz bem. Mesmo que pareça aglomeração (que não deve acontecer). É só manter um certo distanciamento que, aparentemente, nem sempre conseguem, e parecem não se importar. 

 

Contudo, experimente falar em volta às aulas para ver o que acontece. Esses mesmos que estão lotando as praças (que não estão fechadas como a orla do rio ou alguns parques) são os primeiros a protestar e dizer que não é seguro, são os que saem de luvas com medo de uma contaminação que não vai acontecer. Há de se ter coerência. As duas situações não podem conviver.

 

Ou se é a favor de manter tudo fechado ou não se é.

 

Eu sou a favor da reabertura gradual, com protocolos de segurança, e isso inclui as escolas. Se estou certo ou errado?

 

Não sei. Ninguém sabe, no fundo.

 

Até.

quarta-feira, agosto 19, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Cinquenta e Sete Dias

 Todos torcemos que a pandemia termine.

 

Que atinjamos a imunidade de rebanho, que chegue uma vacina que seja efetiva, que surja um tratamento que não cause polêmica, ou que o SARS-Cov-2 vá para o quinto dos infernos e pare de encher o saco. Estamos todos na expectativa de que o mundo volta a uma certa normalidade, e logo. E todos temos diferentes razões para isso.

 

Para ser mais preciso, todos compartilhamos mais de uma razão para querer o final da pandemia e do distanciamento social. Desde reencontrar amigos e familiares até retomar atividades esportivas coletivas. Outros não aguentam mais ficar em casa, em home office. Ou reuniões virtuais.

 

Eu não tenho nenhum problema com reuniões virtuais.

 

Ao longo da semana, habitualmente têm ocorrido várias dessas reuniões. Sempre a partir das 18h, algumas vezes em sequência até às 20 ou 21h. É parte do trabalho. 

 

Segundas, terças, quartas e quintas-feiras, tudo bem. O problema – para mim, para mim - é quando acontecem sexta-feira à noite ou sábado de manhã. Ou – pior – sexta-feira à noite e sábado de manhã.  O caso dos congressos virtuais, até se compreende (estamos organizando um, inclusive...) e aceita. Mas só nesse caso. Apesar de entender que é parte do trabalho, não aguento mais eventos médicos virtuais organizados e patrocinados. Todos fazem, são importantes – eu entendo, eu entendo – e tal.

 

Mas todos os dias e, mais, aos finais de semana, me parece demais.

 

Pronto, desabafei.

 

Vou parar de escrever porque daqui a pouco tenho reunião e depois um evento para assistir (reclamo, mas sempre que posso, estou presente...).

 

Até.

domingo, agosto 16, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Cinquenta e Quatro Dias)

 

Números.

 

Há uma música dos Engenheiros do Hawaii com esse nome – Números – cuja letra diz:

 

Última edição do Guiness Book

Corações a mais de mil

E eu com esses números?

Cinco extinções em massa

Quatrocentas humanidades

E eu com esses números?

Solidão a dois

Dívida externa

Anos luz

Aos 33 Jesus na cruz

Cabral no mar aos 33

 

E eu... o que faço com esses números

Eu... o que faço com esses números?

 

A medida de amar é amar sem medida

Velocidade máxima permitida

A medida de amar é amar sem medida

 

Nascimento e Silva 107

Corrientes, tres, cuatro, ocho

E eu com esses números?

Traço de audiência

Tração nas 4 rodas

 

E eu... o que faço com esses números?

 

Sete vidas

Mais de mil destinos

Todos foram tão cretinos

Quando elas se beijaram

 

A medida de amar é amar sem medida

Preparar pra decolar

Contagem regressiva

A medida de amar é amar sem medida

 

Mega, Ultra, Hiper, micro, baixas calorias

Kilowatts, Gigabytes...

 

E eu... o que faço com esses números?

Eu... o que faço com esses números?

 

A medida de amar é amar sem medida

A medida de amar é amar sem medida

Velocidade máxima permitida

A medida de amar é amar sem medida

 

Como eu disse, números.

 

Essa Sopa marca o centésimo post do blog em dois mil e vinte, esse ano estranho. Desde 2013 eu não (escrevia e) publicava tanto quanto está sendo em 2020. A pandemia certamente impulsionou esse resultado, mas – independente disso – era um plano. Escrever mais, ou – melhor – voltar a escrever.

 

Esse é um dos lados bons da pandemia.

 

Como tudo na vida, não existe nada que seja completamente bom ou totalmente ruim. Vivemos esse balanço, ou nesse balanço, entre boas e más experiências. Que dependem apenas de nós.

 

Da forma como as encaramos, da forma que contamos as histórias.

 

Como costumo dizer, a vida não é muito mais que histórias para contar, e histórias não são apenas os fatos. São, principalmente, a forma como os vemos, e como os contamos. A narrativa. O mesmo fato pode ser visto como bom ou ruim, dependendo de como o vemos, de como reagimos a ele. E isso em todas as esferas da vida. Relacionamentos pessoais, de trabalho. Todos. E depende única e exclusivamente de nós. De estarmos no comando de nossas vidas, de escrevermos a história, de dar o sentido que queremos à narrativa do que vivemos.

 

Cem posts no blog em 2020 até aqui. Cento e cinquenta e quatro dias de pandemia. Dezessete quilos perdidos no último ano, doze desde março. Média de sessenta minutos de atividade física por dia nos últimos doze meses. Setenta no último mês, setenta e oito na última semana. Noventa e um minutos hoje. Mais de trinta de minutos de exercício em 81% dos dias no último ano, e 88% nos últimos três meses.

 

Números.

 

E o que há por trás desses números?

 

Excluindo-se aqueles acontecimentos que não dependem de mim, como o vírus que ora circula por aí, mas dos quais a forma como lido com os mesmos sim depende, os números representam a possibilidade que tive de escrever (e contar) a minha história do jeito que eu decidi. Ter o comando da narrativa da minha vida.

 

E estar aberto para novas possibilidades e desafios.

 

Até.

 

sábado, agosto 15, 2020

Sábado (e quem vem primeiro...)

     
      

          Pois é.

          Bom sábado a todos.

          Até.

     

  

sexta-feira, agosto 14, 2020

Há Trinta anos (3)

 Depois de treze dias em coma na UTI do Hospital São Lucas da PUCRS, eu havia acordado, num sábado de manhã.

 

Entre a hora da visita da tarde de sábado e domingo, quando recebi alta para o quarto, não posso precisar bem o que aconteceu. Lembro de tentar tomar água (ou suco) de um copo e virar tudo sobre mim.


Saí da UTI no domingo à tarde, para um quarto do oitavo andar, e minha mãe ficou para passar a noite comigo. Tenho uma lembrança muito ruim da janta daquela noite: a dieta era pastosa, vários “creminhos” com cores diversas cuja única diferença era essa, a cor. E foi isso o que tornou a minha primeira noite fora da UTI uma tortura, para mim e para a mãe.

 

Fome.


Depois de “dormir” por mais de dez dias, eu tinha fome. Muita fome. Como a janta tinha sido ‘pastosa’, passei toda a noite esperando o amanhecer e, com ele, o café. De tempos em tempos, eu acordava e perguntava: “Já está na hora do café?”. Minha mãe dizia que não e eu me queixava de fome. Mesmo sem autorização médica, me deu maçã para comer, na tentativa de aplacar o meu ímpeto por comida. Foi uma noite bem longa.

 

Quando finalmente amanheceu e trouxeram o café, foi uma visão do paraíso. No afã de comer logo, enquanto a mãe tentava preparar um pão com manteiga para eu comer, eu comia o que estava à disposição, inclusive a manteiga que ela tinha aberto para passar no pão. Junto com o café, chegou um colega de faculdade trazendo um pedaço da torta de morango que comprara para a comemoração do seu aniversário: comi tudo, rapidamente.


Passado esse episódio inicial, fiquei mais tranquilo.

 

Foi quando começaram as visitas.

 

Ao contrário de quando estava na UTI, onde só podia entrar uma pessoa por vez, o meu quarto virou uma grande festa. Além das pessoas que vinham de fora me visitar (eram muitas), os meus colegas de faculdade (não todos, óbvio) saíam das poucas aulas que estavam tendo (lembrem-se: a PUC estava em greve desde a tarde anterior ao acidente) e se reuniam no meu quarto. Tornava-se uma balbúrdia só, todos falando ao mesmo tempo, uma gritaria.

 

Eu só olhava, sem dizer quase nada.

 

O que todos logo notaram foi que, além de falar pouco, eu também não sorria. Bem estranho para quem estava acostumado comigo. Não sei explicar a razão, confesso. Talvez ainda meio sem saber bem o que tinha se passado, a magnitude da coisa, não sei. Não era falta de humor, isso eu sei. 

 

Lembro de dois dos amigos que foram me visitar depois que eu acordei, e uma das primeiras coisas que disseram foi que tinham ficado sabendo que - pelo acidente - eu ficaria “inútil” da cintura para baixo. Sem nenhum vacilo, respondi que as funções “da cintura para baixo” foram as primeiras que descobri que estavam em ordem. Mesmo assim, não ria muito nestes dias.

 

Comecei a rir bem depois quando já estava em casa, mas isso é história para uma outra vez. Acabei ficando, depois de ter alta da UTI, mais doze dias no hospital por conta de uma febre que os médicos não sabiam localizar. Suspeitaram até de meningite. Mas era apenas uma amigdalite. 


Tive alta do hospital no dia seis de setembro de mil novecentos e noventa, véspera do feriado da independência.

 

E a vida seguiu.

 

Até.

quinta-feira, agosto 13, 2020

Há Trinta Anos (2)

 Recordando: na madrugada de 12 de agosto de 1990, após uma noite de festa com amigos, eu vinha de carona com um colega de faculdade e acho que nós dois pegamos no sono. Como ele estava dirigindo, as consequências de estar dormindo ao mesmo tempo não foram as melhores... 

Batemos com o carro em outro que estava estacionado, bem do meu lado. Resultado, traumatismo craniano em mim e treze dias em coma na UTI do hospital da PUC.

Agora, em frente.

Desde que entrei na faculdade de medicina, e tive contato com o ambiente hospitalar, uma das situações que mais me causava angústia naqueles primeiros tempos de hospital era assistir às enfermeiras passarem sondas nos pacientes. A pior delas, na minha curta experiência de estudante que acompanhava as aulas práticas de cuidados gerais com pacientes, era a sonda nasogástrica, que – como o nome sugere - entrava pelo nariz e ia até o estômago. 

Por isso, logo após acordar e me inteirar de onde eu estava (sim, era um hospital e, não, não era o Ernesto Dornelles) e ainda sem saber bem o que tinha acontecido, veio a primeira boa notícia: eu estava em uma UTI e não tinha nenhuma sonda em mim. Eu respirava com tranquilidade, urinava em um recipiente chamado de ‘papagaio’ e – apesar de ficar com os pés para fora da cama – parecia inteiro. Internado na UTI do Hospital da PUC, o que teria acontecido?

 

A única sensação que eu tinha era a de ter dormido muito, ainda sem saber que o muito significava treze dias inteiros, do dia 12 ao dia 25 de agosto de 1990. Esperava um café na cama ou algo assim. Aliás, onde estava a minha mãe?


Ao acordar daquilo que – ficaria sabendo mais tarde – havia sido um período de treze dias em coma, as primeiras pessoas que eu vi eram conhecidas: o Magno e o Luciano, colegas da faculdade de medicina e grandes amigos até hoje. Estavam em um sábado de manhã no hospital, em um estágio na traumatologia, e resolveram ir dar uma “olhada” no colega na UTI.

 

Por coincidência, me viram acordar.

 

Acho que isso deveria ser por voltas das 10h30min da manhã, e ainda tive de esperar até à 13h para o horário da visita. Estava bem sonolento ainda, lembro de pouca coisa dessas 2h30 até começarem a entrar pessoas para me ver acordado, novamente.

 

Não sabia, mas havia uma vigília na sala de espera da UTI, no terceiro andar do Hospital São Lucas da PUCRS, que tinha iniciado no dia do acidente e tinha sido permanente nestes longos (principalmente para quem não estava dormindo, como eu) dias em que se perguntavam se eu iria acordar e, se acordasse, como eu estaria.

 

Mas isso é história para outra crônica.

 

Voltemos ao sábado, 25 de agosto de 1990, logo após sair do coma.

A hora da visita foi uma festa, até porque o Luciano e o Magno já haviam contado a todos que eu acordara. Na meia hora regulamentar do horário de visitas, entraram para me ver talvez uma dezena de pessoas conhecidas, entre os meus pais, irmão, tios e amigos. Como tinham pouco tempo, falavam pouco e rápido e tinham que sair para o próximo poder entrar. Todos sorridentes e felizes de me verem novamente acordado.

 

Eu estava de volta ao jogo, mas a recuperação de verdade recém iria iniciar.

 

Até.

quarta-feira, agosto 12, 2020

Há Trinta Anos

Em meio à pandemia, uma lembrança de trinta anos atrás.

No ano de 1990, o dia 12 de agosto caiu num domingo, dia dos pais.  

E não foi um bom dia para o meu pai, e nem para mim.


Digo isso porque ele não tem lembranças agradáveis daquele domingo, quando foi acordado por volta das seis horas da manhã com o telefone tocando e a notícia de que seu filho mais velho – eu, então com dezoito anos – estava internado no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre vítima de um acidente automobilístico.

 

Foi, aliás, um péssimo dia aquele 12 de agosto de 1990.


Tudo começara na noite anterior, quando eu havia ido a uma festa. Um colega de faculdade que tinha carro à disposição me dera carona para a tal festa, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Ao mesmo tempo, parte da turma da praia estaria nesta mesma festa, e havíamos combinado de sairmos juntos. Chegando ao local, por alguma razão que o tempo tornou um mistério, decidimos – todos – ir a um bar não muito longe dali. 


Lá chegando, por algum ruído de comunicação, acabamos – o colega que havia me dado carona, uma colega (minha ex-namorada) e eu – ficando em mesas separadas. Os dois em uma mesa e eu com minha turma da praia em outra. Achei estranho eles dois não sentarem conosco, mas em meio à festa, deixei para lá. Acho que algumas vezes fiz sinal para que eles dois se juntassem a nós, mas preferiram ficar onde estavam. Isso durou toda a noite, até a hora de ir embora.


Como eu estava de carona com este colega, certamente iria voltar para casa com ele, também a colega e ex-namorada, além de dois dos meus amigos da turma da praia, conforme previamente combinado. Quando fomos sair, notei que o colega dono do carro havia bebido um pouco além do recomendado, e me ofereci para ir dirigindo, proposta recusada por ele. Parênteses. Em tempos anteriores à lei seca, confesso que também havia bebido, mas bem menos que ele, pois eu nunca fui de beber muito, com exceção de alguns carnavais na praia, mas isso é história para outro dia. Fecha parênteses. Nosso roteiro de volta para a zona sul (e deixando os outros caronas em casa) iniciava pela zona norte da cidade, onde morava a nossa colega (e minha ex-namorada). Eu seria o último a ser deixado em casa. 


Logo na primeira parte, notamos que o motorista estava, podemos dizer com segurança, com sua percepção alterada pelo álcool. Quando paramos para largar a primeira passageira, decidi que eu iria dirigir de qualquer jeito. Ele desceu do carro para acompanhá-la até em casa e eu assumi o volante. Ele havia levado a chave e disse que ele é quem dirigiria. 

 

Então eu resolvi que iria de ônibus. 

 

Detalhe: 5h15 da madrugada, tendo que atravessar a cidade de ônibus (que nem haviam começado a circular ainda) ou a pé. Saí caminhando pela rua em direção a um ponto de ônibus.


Ele veio atrás de carro e se comprometeu a dirigir com cuidado. Aceitei a proposta e seguimos. Largamos o segundo e fomos até a frente da casa do último antes de seguir para a zona sul. Quando o penúltimo (eu seria o último) desembarcou, deu a dica: colocar o cinto de segurança (naquela época ainda não era costume nem lei usá-lo). Acho que fiz isso, não lembro bem. 

 

O que aconteceu depois, me contaram: numa grande avenida que corta Porto Alegre de leste a oeste, provavelmente após pegarmos no sono, ele bateu com o carro em outro que estava estacionado, no lado direito da rua, justamente o lado em que eu estava dormindo, tranquilo.

Retirado das ferragens pelos bombeiros, traumatismo crânio-encefálico, coma Glasgow 4 (bem ruim). Internação no HPS com posterior transferência para o Hospital São Lucas da PUCRS, onde eu estudava medicina e trabalho até hoje. Treze dias em coma e quatorze na UTI. No quarto, após sair da UTI, fiquei mais dez dias, com febre e uma maldita amigdalite. Não perdi o semestre na faculdade porque – providencialmente – naquele mesmo sábado, véspera do dia dos pais, os professores da PUCRS tinham entrado em greve, que durou até bem depois de eu voltar a assistir aula, cambaleante e sem firmeza ao andar.


Não lembro muita coisa daqueles dias do coma, apenas a sensação, quando acordei, de que havia dormido mais do que deveria. O engraçado é que eu sabia que estava num hospital, mas achava que era outro e tinha a impressão de que estava num quarto com uma grande janela de vidro que dava para um campo com uma colina ao fundo, um grande gramado verde e dias de sol intenso. Não tive vontade de caminhar por este campo nem seguir em direção à luz nenhuma. Acordei com uma vontade enorme de ver minha mãe.  

Em 12 de agosto de 1990, morri.


E voltei.


Há exatos trinta anos.


Até.

domingo, agosto 09, 2020

A Sopa

Crônicas de uma Pandemia (Cento e Quarenta e Sete Dias)

Sobre o afeto.

Afeto requer proximidade. É tato, contato físico, sorriso, abraço. Mãos dadas. Afeto é estar junto. É vida.

Por isso que quando eu ouço os ditos especialistas falarem do que estão chamando de “novo normal”, da forma de como nos relacionaremos no pós-pandemia, fico incomodado. Parênteses. É impressionante como existem especialistas por aí por esses dias, boa parte deles falando muita coisa sem nenhuma base para isso, mas deixa para lá... Fecha parênteses. 

O que quero dizer é que – na verdade – ninguém sabe realmente como será o pós-pandemia, especialmente como será a essa questão da relação entre as pessoas. Eu, aqui do meu canto, e por ser um otimista sempre, acho que não mudará muita coisa no sentido de como nos relacionaremos. Somos seres afetivos.

Antes de mais nada, somos seres sociais.

E esse é grande parte do problema do isolamento e distanciamento que estamos vivendo desde março aqui no Sul do Mundo, em especial (que é de onde eu falo). Famílias separadas, amigos que ficam distantes pela impossibilidade da proximidade física. Os meios virtuais são ótimos, mas não substituem o toque, o sorriso presencial, o mundo real. 

Trabalhamos bem virtualmente, em regime de home office (quem pode, pelo tipo de trabalho). A vida organizada digitalmente funciona, todos aprendemos. Escritórios parecem que podem se tornar obsoletos, pode-se trabalhar em e para empresas de qualquer parte do mundo. Tudo muito bem.

Mas nada substitui o café do meio do dia, o encontro casual, a mesa de bar, o churrasco com os amigos. As confrarias, as turmas, as amizades. Nada substituiu os jantares de sábado ou os almoços de domingo em família.

Estamos cansados disso tudo, eu sei.

Além do medo do vírus (que é real, que requer cuidados), estamos lidando com o pânico instilado por grupos/pessoas com interesses diversos que querem nos manter aprisionados, e assustados, lidando com governantes que tomam decisões sem base no mundo real, e com toques de tirania. Mas não é de política que falo hoje, é de afeto, de carinho.

Por isso minha convicção de que quando tudo isso passar, e vai passar (a gripe espanhola, que era muito pior, num mundo que tinha muito menos recursos, passou), vamos voltar a estar juntos. Os abraços vão voltar, as parcerias, as confrarias retornarão.

Quero acreditar que não vai demorar muito.

Eu acredito, na verdade.   

Até.

sábado, agosto 08, 2020

Sábado (e o final de dia)


                      Final de tarde, aqui de casa, na última quinta-feira.

                      Bom sábado a todos.

                       Até.

sexta-feira, agosto 07, 2020

Crônicas de uma Pandemia (Cento e Quarenta e Cinco Dias)

A parede.

Dado Schneider, Doutor em Comunicação, Professor, Pesquisador, Palestrante, mais de vinte e cinco mil seguidores no Instagram, em uma live recente falou num conceito relacionado às maratonas e que está aplicando ao momento em que vivemos, aqui no Sul do Mundo, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Ocorre lá pelo trigésimo segundo quilômetro de corrida, ainda faltando dez, a maior parte do trajeto já percorrida, e é o momento em que atingimos “a parede”.

E é aí o maior risco de desistirmos, apesar de toda preparação que porventura tenhamos.

É uma barreira mental, é o teu cérebro dizendo chega, os músculos quase exaustos. É o momento em que temos que ter aquela força, sim, mental, que vai nos fazer seguir adiante e não sucumbir. Usando um termo da moda, é necessário que tenhamos resiliência para chegarmos ao final da prova.

Pois ele reconheceu que estamos justamente nesse momento, da parede.

Estamos há quase cinco meses correndo uma maratona da qual não sabemos a distância. A cada vez que imaginamos estar chegando ao final, vem alguém e muda o local de chegada para mais adiante e nos pedindo para que sigamos correndo. E correndo. E correndo.

É difícil, todo sabemos.

Para muitos por aí, não há outra opção de sobrevivência se não sair para a rua em busca do seu sustento e de sua família. Não é questão de negacionismo, ou terraplanismo. Não é política. Não é hora de discursos bonitos em redes sociais.

É questão de vida ou morte.

Entendo, de verdade, todos os lados da situação.

É hora, a meu ver, de tentarmos ter bom senso e chegar a um meio termo entre a tentativa de retomarmos a vida e os cuidados com a pandemia.

Até.

segunda-feira, agosto 03, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Quarenta e Um Dias


Agosto.

Durante muito tempo, associei – assim como a crença popular – o mês de agosto com um mês caracteristicamente não agradável. Pensava que o inverno (quero dizer o frio) já vinha desde meados de junho (em nossa memória, os invernos passados são sempre mais frios que os dos dias atuais), singrara julho e – quando já estávamos cansados disso tudo – ainda vinha agosto com seus trinta e um dias de frio e chuva, como uma provação antes do primaveril setembro. 

Pausa.

Já escrevi sobre isso, eu sei.

Azar.

Fim da pausa.

Com o tempo, associei o mês de agosto com um episódio que completa trinta anos semana que vem, que ocorreu quando eu estava no segundo ano da Faculdade de Medicina, e que mexeu com muita coisa em minha vida, como não poderia deixar de ser. E cujos efeitos, se não físicos, se estenderam por período maior do que eu gostaria.

Falo do acidente de carro em que estive envolvido como passageiro, e que resultou em trauma de crânio e estada em UTI em coma por treze dias até acordar e encontrar dois colegas de turma que estavam ali me visitando, além de uma turma grande que ficava na sala de espera da UTI, coisa inimaginável hoje, em tempos de coronavírus. Saiu tudo bem, no final das contas.

Mas fiquei com a ideia de que agosto era, como dizem, mês do “desgosto”. Impressão essa que mudou, aliás, tornou-se o oposto, com o passar do tempo, reforçada primeiro – cronologicamente – pelo fato de eu ter casado em um trinta e um de agosto e a minha filha ter nascido também em agosto, anos depois. Aliás, quando fui marcar a data do casamento na igreja, o padre ficou surpreso e comentou que “ninguém casa em agosto”.

Comentei que era dia trinta e um à noite, e que a festa se estenderia até bem depois da meia-noite, quando seria setembro, então não deveria ter problema.

Não teve, como posso comprovar há vinte e quatro anos.

Até.

domingo, agosto 02, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Quarenta Dias)

Eu não sou jovem (5).

Estava em minha segunda experiência em Fortaleza. A primeira, onze anos antes, havia sido traumática por questões médicas: uma contratura muscular cervical violenta fora responsável por eu não conseguir aproveitar a cidade. Havia voltado de lá frustrado e com dor.

O tempo passou, e em 2017 voltei à cidade a trabalho, para participar de um outro congresso médico. Onze anos é um tempo longo, e muita coisa havia mudado em mim, e no mundo, nesse período. Foi uma estada curta, e a experiência de conviver com um colega professor inglês foi daqueles momentos chamados de priceless

Chegava a hora de voltar para casa.

Após terminar o simpósio em que eu fora o moderador, saímos todos direto para o aeroporto, onde almoçamos. Era só embarcar para o voo que seria Fortaleza até Guarulhos e então para Porto Alegre. Chegaria em casa por volta da meia-noite. Até porque no sábado de manhã havia um evento na escola da minha filha, que eu não iria perder. Entrei na área de embarque, chegou a hora de embarcar (estava apenas com bagagem de mão), e nada.

Nada.

Nada.

O tempo passando, o tempo para a minha conexão cada vez mais curto, e a chance de chegar em casa cada vez mais distante. Fui falar com a funcionária da companhia aérea, que lamentou, mas – evidentemente – não poderia fazer nada. Poderia, contudo, já garantir que eu tivesse um lugar no primeiro voo do sábado de manhã para Porto Alegre. Questionei se, caso de milagre, chegasse em Guarulhos em tempo de pegar o voo para Porto Alegre, eu conseguiria embarcar. Me garantiu que – se eu chegasse em tempo – poderia embarcar.

Sei.

Até o que o voo partiu de Fortaleza, com uma mínima, quase inexistente chance de chegar em tempo da conexão. Foi um voo (para mim) tenso. Alternava o olhar do progresso do voo no monitor com a conferência do meu relógio. Nunca a Bahia foi tão grande. Não acabava nunca.

Ao nos aproximarmos de Guarulhos, a comissária de bordo me transferiu para um dos primeiros assentos para que eu pudesse ser o primeiro a desembarcar para correr, porque ainda havia esperança. Pousou. Taxiou. Chegou no portão. Desembarquei e corri. Quando cheguei no portão do voo para Porto Alegre, os últimos passageiros ainda embarcavam. Vitória!

Não me deixaram embarcar.

A funcionária de Fortaleza, que me garantira que – se eu chegasse e tempo poderia embarcar – havia me tirado desse voo e me colocado no voo da manhã seguinte. Não havia nada a ser feito. Outros passageiros na mesma situação (e até colegas minhas de empresa) tentaram argumentar, mas o funcionário da companhia aérea foi irredutível.

Voucher para um táxi de Guarulhos até o hotel quase ao lado de Congonhas, lanche rápido do hotel, poucas horas de sono porque no outro dia cedo embarcaria para Porto Alegre. Apesar de tudo, cheguei em tempo da apresentação da minha filha na escola.

Fortaleza, agora, só se for de férias.

Até.