Que triste isso.
Estava conversando com um professor de música por esses dias e ele me contou que dava aulas para um médico há algum tempo, e esse aluno médico, que fazia aulas de canto, disse que não poderia se apresentar em público porque era médico e, afinal, “vidas estavam em suas mãos diariamente”.
Teria uma imagem a preservar, não queria ser mal interpretado, provavelmente parecer menos “sério” do que realmente era, ou algo assim. Que sua atividade era muito importante, que ele era muito importante, imagino, para que tivesse sua imagem associada à outra atividade que não fosse o ‘sacerdócio médico’.
Fiquei pensativo, logo após lamentar por ele.
Sim, lamento profundamente essa visão – em minha opinião, claro – estreita da vida e do mundo, associada a um grau elevado de arrogância. A atividade médica é importante, claro, como são importantes quase todas as atividades humanas, em maior ou menos grau, e não compete a mim e nem a ninguém julgar a sua atividade ou a dos outros dessa forma. Ele é médico. Bom para ele, parabéns.
E daí?
Esse fato específico, ser médico, o torna melhor ou pior do que alguém? Evidentemente que não. Todos os anos de formação e treinamento, toda dedicação, finais de semana perdidos em estudo e trabalho apenas o tornam melhor que sua versão anterior, que vai ser inferior – se tudo correr bem – à sua própria versão do futuro, digamos assim.
Além disso, não acredito que devemos ser definidos apenas pela nossa ocupação. Que triste isso, de alguém se considerar ou definir por sua profissão. Somos muito mais que ‘apenas’ médicos, advogados, engenheiros ou artistas. Sempre acreditei que podemos ser (e somos) muitos. E lembro Raul Seixas que, além de Metamorfose Ambulante, escreveu:
Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador
Vamos viver tudo que há para viver.
Até.