quarta-feira, abril 30, 2025

As Pedras

Não é incomum, em meio às atribuições dos dias e em meio também às preocupações comezinhas que – apesar de, como o nome diz, serem banais, rotineiras – nos drenam energia e até tiram o sono, que percamos a noção de perspectiva, a noção do todo. O olhar em frente, com foco no porvir, nem sempre é fácil de alcançar e manter.

 

Enquanto mantemos o olhar para baixo, para o próximo passo, com o cuidado em onde estamos pisando, nem sempre conseguimos olhar o caminho, e poder perceber os detalhes e as características do que está à volta. Se insistimos em olhar para o chão, nunca veremos o céu.

 

Lembro, então, de uma situação de trabalho ocorrida há uns bons anos, e que não tem a ver com o que estou falando, em que comentei com um colega que eu deveria baixar minha cabeça e estudar determinado tópico, o ‘baixar a cabeça’ com o sentido de concentração e foco, da ausência de distrações, e que ele entendeu – diferente de minha intenção - como submissão, como aceitar passivamente algo.

 

Nada a ver comigo (prefiro acreditar).

 

Dizia eu que nem sempre conseguimos ter a noção do todo, da big picture, e que não é fácil ter o tempo todo essa perspectiva, e não deixarmos as (nem sempre) pequenas pedras do caminho nos afastarem do que e de quem somos. 


Até. 

terça-feira, abril 29, 2025

A Casa Fica Bem Melhor Assim

Apesar de, em um primeiro momento, eu não ser simpático a mudanças naquilo que considero que está bem, funcionando, admito que elas são, em momentos, não apenas importantes como também fundamentais. E aqui falo de diferentes aspectos da vida.

 

Sabemos que a única constante na vida é que tudo sempre muda, não estamos prontos, vamos ajustando (alterando, muitas vezes) a sintonia que temos com o mundo, pessoas aí incluídas. Ao longo do tempo, não é possível ou, melhor, não é provável, que caminhemos sempre ao lado das mesmas pessoas. Porque, além de tudo, temos caminhos únicos, e muitas vezes precisamos caminhar sozinhos em determinados momentos dessa caminhada.

 

Esse afastamento, esse desvio que eventualmente somos obrigados a fazer de determinada rota, ou de locais de convívio que até nos eram importantes, normalmente é difícil e doloroso, mas, no fim, necessário para que atinjamos nossos objetivos de continuar sendo ou nos tornar quem desejamos ou precisamos ser. Deixar para trás pessoas que não fazem mais sentido é sinal de sabedoria, mas é como arrancar parte de nós mesmos. 

 

Sempre lembro, nessas horas, da música que diz:

 

Eu hoje joguei tanta coisa fora

Vi o meu passado passar por mim

Cartas e fotografias,

Gente que foi embora

A casa fica bem melhor assim...

 

 Não é sobre ninguém em especial o que escrevo hoje, é sobre mim, é sobre a vida e o mundo em geral. É sobre andar com menos bagagem, ser mais simples.


Até. 

segunda-feira, abril 28, 2025

O Silêncio

O carro avança pela avenida de trânsito intenso em uma manhã de segunda-feira. O que se ouve dentro do carro é apenas o ruído abafado que vem da rua, o som dos motores, algumas buzinas ao longe. Concentrado na direção, permaneço em silêncio.

 

Ocorre em episódios eventuais, isso de fazer o deslocamento de casa até o hospital no carro em silêncio, estando eu sozinho ou mesmo com a Jacque. Torna-se um momento de paz, de abstração do mundo, de estar comigo apenas e meus pensamentos. Quase um cochilo, mesmo que bem acordado. Às vezes precisamos disso. Sem as notícias do dia, sem os comentários, sem redes sociais, e sem música, seja ela qual for.

 

Parece uma pausa, um dar um tempo na realidade.

 

Quase como zerar o cronômetro, colocar a bola no centro do campo e começar a semana, que será mais curta pelo feriado de quinta-feira. Antes de começar a correr, um momento para respirar fundo e olhar em frente, para onde quero ir.

 

Eu gosto do silêncio. 


Até. 

domingo, abril 27, 2025

A Sopa

Memória.

 

A primeira música que lembro de ter ouvido do Piazzolla, ainda no final dos anos 80, foi Years of Solitude (Años de Soledad, em espanhol), gravada em Milão em 1974 por ele e pelo saxofonista Gerry Mullingan no disco Summit. Até hoje, essa música, que combina a melancolia portenha do tango do Piazzolla com a emotividade do jazz de Mullingan, está entre minhas preferidas.

 

Ouvi muito ela naquele final de anos oitenta, que coincidiu com o final do ensino médio (segundo grau, na época). Lembro que tinha uma gravação em fita cassete, e que se perdeu ao longo do tempo. “Perdi” o contato com essa música em especial naquele período de início de faculdade de medicina, com novos grupos de convívio com interesses e gostos diferentes. Quase a esqueci por alguns anos, período em que ficou adormecida em meu subconsciente, enquanto eu ouvia outras coisas. 

 

Quando fui retomá-la, no sentido de voltar a ouvir, percebi que não possuía mais a gravação em fita cassete e logo depois nem o rádio toca-fitas, que se perderam na passagem do tempo, no avanço tecnológico e em um carro roubado anos mais tarde. Busquei, então, a gravação em um CD (o vinil havia se tornado obsoleto naquele momento). Em Buenos Aires, comprei dois diferentes com gravações que não aquela que eu procurava. Levou um tempo, mas encontrei, enfim, o ‘Summit’, que tenho até hoje, apesar de não ter mais onde tocar CD em casa enquanto, em um daquelas ironias do mundo, esse pândego, tenho como tocar discos de vinil. 

 

Evidentemente que Bears of Solitude não era a única música dele de que eu era fã, mas foi a primeira e provavelmente a mais marcante. Houve um momento, acho, que ela esteve “meio em moda” no Brasil, não sei se tocou em alguma trilha de filme ou novela, mas ficou bem conhecida. Nessa época, eu estava procurando o ‘Summit’ para comprar e lembro de ir a uma loja atrás do CD (ia dizer que era em uma das lojas da Galeria Chaves, Centro de Porto Alegre, mas eu as frequentava quando só existiam disco em vinil).

 

Enquanto procurava o CD na seção de tangos, um atendente veio falar comigo, oferecer auxílio. Disse que procurava pelos trabalhos do Piazzolla, ao que ele me olhou, me julgou (eu percebi, tenho certeza, não sou paranoico) e perguntou se eu procurava por alguma música em especial (eu sabia que ele estava me considerando um ouvinte de uma única música). Sim, pensei, eu estou atrás DESSA música que está imaginando, mas, não, NÃO sou ouvinte de uma só música dele (e se fosse, qual seria o problema?).

 

Adios Nonino, Libertango, Balada para un Loco, Oblivion...

 

Naquele dia, não encontrei o ‘Summit’, que compraria em algum momento no futuro, pois ainda não havia surgido o streaming, mas comprei outros dois ou três, para provar que eu não era fã de apenas uma música. Claro que o vendedor não estava nem aí para isso, queria apenas vender (o que conseguiu). Eu é que me preocupava mais do que deveria com o que os outros pensavam. Daquela vez, pelo menos, minha discoteca ganhou com isso...

 

Até.

sábado, abril 26, 2025

sexta-feira, abril 25, 2025

Confessionário

Sou passional. E paranoico.

 

Um pouco dos dois, em graus variados ao longo do tempo.

 

Devo dizer que, entre os meus defeitos, ou características, sejamos condescendentes, um que me chama à atenção é a passionalidade, que se mistura por vezes com algum grau de ansiedade. Apesar de racionalmente saber que nem tudo é sobre mim, nem sempre consigo – ao menos em um primeiro momento – não me sentir afetado por situações que obviamente não deveriam me afetar, porque – repito – não são sobre mim.

 

E então conheço o processo: vou passar as primeiras quarenta e oito a setenta e duas horas a partir do evento desencadeador com o pensamento recorrente no assunto, “remoendo”, até que consiga falar sobre com alguém (falar é sempre terapêutico para mim) ou que naturalmente perca a significância exagerada que eu havia dado a ele. Como se o mundo ficasse envolto em uma densa névoa e perdesse a cor por algum tempo.

 

Tempo esse que é cada vez menor, tenho que dizer.

 

E cada vez menos esses episódios acontecem comigo. Têm sido menos intensos e menos frequentes. Uma das vantagens da experiência, do autoconhecimento, é essa, a de reconhecer padrões e saber como fazer para lidar com situações que antes geravam mais ansiedade por mais tempo. Ainda assim, acabam acontecendo aqui e ali.

 

Não falei nada objetivo, eu sei.

 

Era o plano.

 

Sextou.

 

Até.

quinta-feira, abril 24, 2025

Computadores, Cachorros e Crianças

Medo.

 

Eu ia falar sobre luto, mas não vou.

 

Um estudo feito no Canadá, há bem mais de vinte anos, avaliou a relação das pessoas com computadores, mais especificamente comparou aquelas que acreditavam que computadores davam problemas (travavam, por exemplo) com um grupo controle que não tinha essa crença. Programaram computadores para aleatoriamente travarem durante seu uso e submeteram os participantes ao uso desses computadores. O que constataram?

 

Que, para as pessoas que acreditavam que os computadores davam problemas, os computadores REALMENTE deram mais problemas em comparação com aquelas que não acreditavam nisso, e foi estatisticamente significativo. Ou seja, os computadores “sentem” o medo, a insegurança de quem os está utilizando. Assim como os cachorros. E as crianças.

 

Todos sabem que os cães ‘detectam’ o medo nas pessoas e reagem a isso, com a consequência de acabar aumentando o medo que essas pessoas sentem e eternizando esse ciclo de medo e agressão, digamos assim. Da mesma forma que professores que demonstram insegurança perante alunos – de qualquer idade, na verdade – em especial crianças, terão mais dificuldade em manter o controle sob suas turmas, por exemplo.

 

O medo até pode existir, mas não pode ser demonstrado.

 

Eles - computadores, cães e crianças - necessitam acreditar que seu interlocutor é mais “forte”, sabe o que está fazendo, domina o ambiente e pode lhes proteger, ou dar segurança. Um último recurso, quando em um momento de tensão, é fazer como se estivesse frente a um urso: fazer-se parecer maior, levantar os braços e fazer sons ruidosos para assustar. Pode parecer estranho fazer isso em frente a um computador, mas – confie – vai dar certo.


Até. 

quarta-feira, abril 23, 2025

Imposto

 Eu não gosto de pagar imposto sobre a remuneração do meu trabalho. Aliás, ninguém gosta. Quanto a pagar imposto sobre renda (renda, obviamente, é diferente de salário), eu acho justo. Bem simples.

 

Não quero falar disso, contudo.

 

Dizem que as coisas não funcionam no Brasil, e – em boa parte das vezes – as pessoas têm razão. Temos muito o que melhorar em muitos aspectos, e confesso que não tenho muita convicção se algum dia vamos chegar lá, no mesmo nível de países desenvolvidos. Gostaria, claro, mas não sei mesmo.

 

Preciso dizer que temos alguns nichos de excelência no país que devem ser reconhecidos e, por mais que sejam em setores que de certa forma nos desagradam, devem ser reconhecidos. E não tem como não falar da Receita Federal e do sistema do Imposto de Renda, o famoso Leão. A cada ano fica mais simples o acerto das contas. Para quem nunca sonegou imposto, que declarou tudo o que deveria ser declarado e sempre pagou mais imposto do que gostaria (ninguém gosta, como eu já falei), a vida fica progressivamente mais simples.

 

A declaração já previamente preenchida é uma mão na roda, bastante apenas conferir a correção dos dados. E, a partir desse ano, o fornecimento de recibos online por profissionais de saúde tornou ainda mais fácil a vida do contribuinte.

 

Já que não temos como fugir de pagar impostos, que o sistema seja simplificado para nós, pessoas físicas.

 

Até.

terça-feira, abril 22, 2025

Descobrimento do Brasil

É sempre assim.

 

Após períodos de férias, ou mesmo feriados mais longos como esse que tivemos nos últimos dias, a realidade cai, se apresenta direta, sem rodeios, nua e crua, impiedosa, sobre nós. Os problemas retornam, as preocupações (que foram negadas durante o período de descanso) retornam, tão ou mais intensas. 

 

É da vida.

 

Já vai longe o tempo em que tive a expectativa de que poderia viver sem as tensões e ansiedades da vida, ilusão essa que caiu bem cedo, ao mesmo tempo em que também descobri que não era imortal, mesmo que racionalmente eu sempre houvesse sabido disso. A grande dica é seguir em frente, apesar dos obstáculos reais e imaginários que se apresentam a nós.

 

Assim, depois de um merecido descanso de poucos dias, a semana começa em uma terça-feira, e logo encaro desafios e potenciais conversas incômodas. Como disse, resoluto, sigo em frente.

 

Tudo se resolve.

 

Até.

segunda-feira, abril 21, 2025

Hoje, feriado

Hoje é segunda-feira e decretamos feriado
Chamei Dom Paulo Coelho e saímos lado a lado
Lá na esquina da Augusta quando cruza com a Ouvidor
Não é que eu vi o Sílvio Santos?
Não é que eu vi o Sílvio Santos?

Sorrindo aquele riso
Franco e puro para um filme de terror
Como é que eu posso ler
Se eu não consigo concentrar minha atenção?

 


Eu NUNCA consigo dizer ‘hoje é segunda-feira’ sem na sequência seguir cantarolando ‘Super Heróis’, música de Raul Seixas lançada em 1974. Da mesma forma que – em 12 junho – eu não consigo falar em Dia dos Namorados sem acrescentar um ‘Macabro’ na sequência. Manias, maneirismos, chame como quiser.

 

Hoje, então, segunda-feira, é o quarto dia em sequência que tenho o privilégio de não trabalhar, apesar de eu nunca esquecer que profissional liberal não é remunerado quando não trabalha, mas – mesmo assim, mesmo com o “prejuízo” do não trabalho - está sendo bom, isso de ficar em casa sem atividades, de repouso, por esses dias. Além de tudo, minha coluna cervical ainda não está como deveria, ainda tomo remédios na esperança de não precisar mais que isso, tempo e analgésicos, para tudo voltar ao normal.

 

Pois bem.


Fiz, nas últimas semanas, alguns ajustes em minhas atividades profissionais, ajustes esses que precisavam ser realizados no mínimo para retirar alguma parte do peso de preocupações que andava carregando e até – fato raro – me tirando o sono em uma que outra noite dessas. Já até falei sobre isso, que – ao longo do tempo – vinha acumulando atividades como já fizera no passado, quando percebi que estava novamente na hora de algum grau de recolhimento, de contração, de focar naquilo que é essencial, e que agora é um pouco diferente do que foi no passado, mudou, como tudo na vida, como sempre acontece.

 

Esperando estar sem dor para seguir em frente.


Até. 

domingo, abril 20, 2025

A Sopa

Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro.

 

Eu não quero, eu não preciso ser feliz o tempo inteiro, e tudo bem. A vida é assim, e apesar do que as redes sociais podem sugerir, não é possível passar pela vida sem dor ou sofrimento. Como se diz por aí, a vida é uma longa caminhada de dor e sofrimento entremeada por momentos fugazes de ilusão de felicidade.

 

Não concordo inteiramente com essa afirmação, mas todos temos, sim, nossa cota de dor na vida, física ou da alma, como dizem também, tanto faz. Tentar fugir, ou negar, a dor apenas prolonga e intensifica esse sentimento. Temos que, de um jeito ou de outro, vivê-la.

 

Quando estamos sentindo, a sensação que temos é de que ela durará para sempre, ou que a vida nunca mais será novamente o que era antes do acontecimento que a provocou. Lembraremos saudosos de como a vida era antes, e teremos (temos) dificuldade em vislumbrar um futuro enquanto a dor é presente.

 

Quanto mais longo o período de dor, de novo, física ou não, maior é o embotamento emocional ao qual somos submetidos. O mundo vai perdendo suas cores, perde-se lentamente a alegria de viver. Existe a vontade de desistir, de largar de mão.

 

Até que um dia, de repente, não mais que de repente, amanhece um dia sem vento e de céu azul. A luz do sol bate na janela e invade o quarto, e percebemos que o silêncio tem nesse momento o significado da ausência daquela dor que parecia que nunca ia ter fim, e conseguimos respirar fundo e olhar em frente, porque há um caminho a ser seguido, e somos nós que vamos caminhar.

 

O fim da dor é o renascer da vida.

 

Até. 

sábado, abril 19, 2025

Sábado (e há 5 anos havia a pandemia)

Proteção
 

Abril de 2020.

Recém iniciava a pandemia, e o pior ainda estava por vir.
Parecia que nunca mais as coisas seriam as mesmas.
O tempo, quando visto em retrospectiva, passa muito rápido.

Bom sábado a todos.

Até.

sexta-feira, abril 18, 2025

Sexta-feira Santa (e uma trilha)

"Entramos em uma fria..."


Algonquin Park, Ontario, Canadá.

Abril de 2006.
(quando fui fazer uma trilha com minha roupa de ir à missa no domingo...)

Era final de semana de Páscoa.

Até.



 

quinta-feira, abril 17, 2025

Feriadão

 Havia planejado viajar.

 

Quando começou o ano, ao olhar para o calendário e constatar que o feriado de Páscoa seria prolongado pelo feriado de Tiradentes, meu primeiro pensamento foi de que seria ideal para viajar. Para o Uruguai, mais especificamente, Montevideo ou Punta del Diablo. Para descansar, bem tranquilo.

 

O desenrolar dos dias, as correrias, os compromissos, as viagens de trabalho realizadas e a acontecer, diversos foram os fatores que mudaram esses planos. Permaneceu o objetivo de descansar, mas agora em casa. Ao invés de rodar cerca de oitocentos quilômetros para ir, e mais oitocentos para voltar, apenas para descansar, optei por caminhar poucos passos entre o quarto e a sala de casa...

 

Claro que seria muito bom, mas a vontade de ficar quieto, no meu canto, curtindo não fazer nada (nem dirigir, por exemplo) foi maior.

 

Outro dia, outro feriado, talvez. 

 

Dessa vez, não.


Até. 

quarta-feira, abril 16, 2025

As Dores do Mundo

Existem situações em que quando – figuradamente – é retirado um grande peso das costas, uma preocupação, algo que estava causando ansiedade ou noites mal dormidas, e que foi, de uma maneira outra, resolvida, exatamente neste momento de alívio, ou relaxamento, é quando a corda arrebenta. É no momento em que sentimos os efeitos, as consequências físicas do período passado, da tensão envolvida.

 

Mesmo a situação fosse muito mais em nosso mundo interior do que na vida real, de verdade. Muitas vezes apenas uma simples ligação telefônica resolve a situação, que era muito maior em nossa mente ansiosa do que realmente era. Coisas da vida, eu digo, fazer o quê?

 

O corpo, então, quando não mais sobre a pressão auto exercida, acusa o golpe, e sentimos na pele (quase que literalmente) o desgaste que aquilo causou e que antes, ainda tensos (talvez encurralados em um corner nos esquivando de um oponente imaginário) não nos permitíamos sentir. É aí que vem as dores e as contraturas e as lesões.

 

São os sinais físicos de que esticamos a corda um pouco a mais, exageramos nas autocobranças, fomos severos (e uso aqui a palavra ‘severo’ com o único sentido que acho deveria ter, nunca com o sentido de grave, como utilizado em descrição de doenças por exemplo) em excesso e nos exigimos bem mais do que seria apropriado ou necessário.

 

Ou não.

 

Pode ser também que estejas lendo por tempo demais em uma posição não adequada logo antes de dormir e tua cervical, que já não é uma maravilha, seja a causa das malditas dores que estás tendo agora, quadro bem parecido com três anos atrás, quando tiveste uma hérnia de disco cervical...

 

Vai saber.

 

Até.

terça-feira, abril 15, 2025

Amnésia

Do terrores da vida.

 

De tempos em tempos, sou assaltado por pensamentos catastróficos, tipo um medo de ser acometido por uma condição médica que cause sofrimento para mim e para as pessoas próximas. Ser médico, nesse caso, é muito ruim, porque conheço, com maior ou menor profundidade, uma série de possíveis doenças as quais posso ser acometido.

 

A clássica, e talvez mais aterrorizante de todas, sempre foi a ELA (esclerose lateral amiotrófica), condição degenerativa do sistema nervoso que causa paralisia motora e irreversível, e cujos sintomas de fraqueza, atrofia e rigidez muscular, progridem para dificuldade para engolir, falar, e finalmente para respirar, levando à morte precoce por insuficiência respiratória. Um terror, para o paciente e a família.

 

É óbvio que não é um pensamento recorrente que atrapalhe a vida, esse de imaginar que essas condições podem me acometer de alguma maneira, mas eventualmente eles surgem, ao atender um paciente ou ler a respeito.

 

Ontem, por exemplo.

 

Estou lendo nesse momento um livro chamado ‘Alucinações Musicais’, escrito pelo neurologista e escritor falecido em 2015 Oliver Sacks. Nesse livro, uma série de relatos de casos, ele fala de diferentes condições e causas diversas, que podem causar, como o nome diz, alucinações musicais, ou amusia, uma condição que afeta a capacidade de alguém processar, reconhecer, reproduzir e expressar música. Um livro extremamente interessante.

 

Um dos capítulos fala de amnésia, e conta um caso de um paciente músico que – após uma encefalite, infecção do sistema nervoso central, por herpes, mas que poderia ser após um traumatismo craniano como eu tive em 1990 – perdeu completamente a memória e, mais, perdeu a capacidade de reter qualquer tipo de memória de mais de poucos segundos. Tipo filme de terror mesmo. Quase o tempo todo como se despertasse de um longa e escura noite e não tinha como lembrar de nada de sua vida prévia, ou do futuro. Vivia constantemente em um presente assustador de poucos segundos, que se repetia incessantemente.

 

Havia perdido para sempre a memória do que havia feito, de suas histórias, de suas relações, de quem era, no final das contas, porque somos a soma de tudo que vivemos. Somos todas as histórias que vivemos.

 

Se não existem histórias a serem contadas, não existe a vida.

 

Que medo.


Até. 

segunda-feira, abril 14, 2025

Read the room

Arrancar o curativo.

 

Qual a melhor forma de dar uma má notícia, se é que existe uma forma ideal para isso? E, melhor para quem? Para quem vai dar a notícia ou para quem vai recebê-la? 

 

A velha história do ‘gato subiu no telhado’, popular sequência de fatos que resulta em uma notícia ruim, que é uma fórmula usada para dar a esse tipo de notícia de forma sutil. Algo como ir preparando o interlocutor para o que virá, e que não será bom. Ou, ao contrário, ir direto ao ponto, dar a notícia sem maiores rodeios.

 

Penso que depende, obviamente, do contexto, e devemos sempre levar em conta os diversos fatores envolvidos. Read the room, é uma dica de ouro.

 

Como médico, não são poucas as vezes em que tenho que dar notícias ruins para pacientes e/ou familiares, e procuro sempre ser o mais direto, honesto e didático possível nessas situações, explicando diagnósticos, opções de tratamento, possíveis desfechos e prognósticos, até onde sou (somos) capaz (es) de predizê-los. Sempre, claro, ouvindo o paciente, e respondendo às suas perguntas, porque o paciente dá a entender até onde quer ouvir e saber. O tempo nos faz aprender que quem nos guia é o paciente nesses casos.  

 

Por outro lado, uma dificuldade que não é incomum em nossos relacionamentos pessoais é o medo de magoar pessoas que nos são queridas, a quem queremos proteger e cuidar. É uma fronteira tênue entre sermos cem por cento honestos e o risco de sermos cruéis desnecessariamente. 

 

Como fazer, então?

 

Como disse antes, basta ter bom senso, e read the room...


Até. 

domingo, abril 13, 2025

A Sopa

Espiral Esquizofrênica.

 

Não é incomum eu dar nomes próprios – “criados” por mim para facilitar a sua descrição para o meu entendimento - para situações ou eventos ou sentimentos que acontecem comigo (não só, claro, mas posso falar de mim) e que descubro, ou percebo, que obviamente já tinham nomes próprios. É o caso da Síndrome do Impostor, que eu chamava de Síndrome do Lutador de Boxe, pois é como me sentia, como se estivesse em um ringue de boxe, encurralado em um corner, me defendendo daquilo que eu descobri depois que era um inimigo imaginário. Era a minha forma de reconhecer a Síndrome do Impostor.

 

Há muitos anos, percebi em um então amigo próximo o que chamei de Espiral Esquizofrênica, que era uma situação em que ocorria um fato qualquer, que ele interpretava de determinada maneira e que – a partir dessa interpretação, correta ou não, não importava – ele entrava em um ciclo de pensamentos interminável, ficava ‘remoendo’ o acontecimento, e - à medida que o tempo passava – ele ia tomando proporções muito maiores do que realmente tinha.

 

Fenômeno parecido acontecia comigo eventualmente, até que identifiquei e mapeei a sua estrutura, percebendo que – se eu identificasse o seu início, o evento que o disparava - eu tinha como abortá-lo e não passar as setenta e duas horas seguintes com esses pensamentos me perturbando, ou menos, se eu falasse com alguém sobre eles, um sempre efetivo antídoto. Quase aconteceu algumas vezes nos últimos anos, e eu sempre consegui perceber e não entrar nesse ciclo.

 

Ontem, sábado contudo, acordei por volta das cinco horas da manhã, suado e com taquicardia, talvez após um sonho relacionado a uma situação que preciso resolver, que me colocou bem dentro do que parecia ser uma espiral esquizofrênica, pois obviamente eu não teria como resolver no final de semana, e que me fez perder o sono e ficar naquele ciclo de não conseguir pensar em outra coisa. Passei quase o dia todo assim, volta e meia lembrando que precisava resolver essa situação, não relaxado, tenso.

 

Fiquei assim até momento que resolvi (para mim) a tal situação, que é parte de uma série de outras que tenho tomado recentemente. Agora só falta bater o martelo oficialmente, comunicar a resolução a quem de direito (não a que eu gostaria, mas a necessária) e seguir em frente.

 

E que o próximo final de semana seja mais tranquilo.

 

Eu seja mais tranquilo.

 

Até.

sábado, abril 12, 2025

Sábado (e há 10 anos, eu era professor)

Ambulatório de Pneumologia, abril/2015


"Jovem" Professor de Pneumologia.
Curso de Medicina, UNISC/Santa Cruz do Sul.

Bom final de semana a todos.

Até. 

sexta-feira, abril 11, 2025

O tempo está acabando

Estou nu, ou quase.

 

Hoje cedo, como os antigos astecas e maias faziam, antes de sair de casa e coloquei no bolso de trás da minha calça jeans a minha carteira, com documentos, cartões de crédito e dinheiro em espécie. Me senti voltando no tempo.

 

Isso porque eu vinha desde janeiro, há pouco mais de dois meses, fazendo uso apenas do meu celular para todas as funções de uma carteira no meu dia a dia. Não precisava de mais nada, andava mais leve, e satisfeito após me acostumar a estar “com pouco ou nenhum” peso nesse mesmo bolso traseiro. Cartões de crédito, contas de banco para pagar contas e fazer pix, documentos do carro e de identificação, tudo no meu iPhone.

 

Que ontem à noite parou de carregar.

 

Ao conectar no cabo de força, nada acontece, por mais que tente, que troque de posição ou troque mesmo o cabo. Nada funcionou. Tentei limpar o local da conexão e nada. Coloquei o telefone em modo avião, e estou poupando a bateria para quando realmente necessário. Ele se tornou uma ampulheta que lentamente se aproxima da morte...

 

Levei mais tempo que o normal para chegar no trabalho porque não havia o Waze para mostrar o caminho menos lento (se bem que, em Porto Alegre desses dias não tem mais caminho menos lento). Ouvi rádio no carro. Estou, de certa forma incomunicável.

 

Acontece.

 

Assim que der vou ver se conserto o telefone, e – última alternativa – trocar de telefone.

 

Paciência.


Até. 

quinta-feira, abril 10, 2025

Uns dias mais, outros menos

Dos dilemas da vida.

 

Quero ser deixado em paz, mas não quero ser esquecido.

 

Simples assim, e paradoxal, como costumam ser as questões da vida. Vejo o meu caminho atual, e falo pensando como médico, em uma vontade de focar em poucas coisas que realmente importam e abstrair de outras que considero atualmente menos importantes.

 

Durante um longo período, acumulei funções e atividades, ‘abracei’ situações que eu considerava importantes para mim, para meu crescimento, para procurar ser relevante. Foi necessário (para mim, para mim) e importante. 

 

Cobrou um preço, como sempre ocorre.

 

Houve um momento em que estava pesado demais (o mundo às minhas costas e eu próprio), e tinha que ocorrer uma inflexão, que ocorreu, necessária e transformadora. Como ainda vem ocorrendo, há mais de cinco anos. Muito mudou, muito mudei.

 

O processo de ajustes, de simplificação, continua em curso, e não há previsão de parar, o que é importante. Mas existe, como em tudo, um preço, um pedágio a ser pago. Usualmente, estou tranquilo com isso. Outras vezes, contudo, confesso que a trilha para a irrelevância (como costumo chamar) que percorro voluntariamente, gera resultados esperados, mas que me desagradam.

 

Paciência...


Até. 

quarta-feira, abril 09, 2025

Cada um Sabe de Si

Não desejamos mal a quase ninguém’.

 

E consideramos justa toda a forma de amor... Sempre gostei desses versos, parte da letra de uma música do Lulu Santos, ‘Toda Forma de Amor’, porque eles são honestos, sinceros, diretos. Uma confissão de humanidade. 

 

Queremos o bem de todos os que nos são caros, de todos por quem temos algum afeto, da mesma forma que não desejamos mal aos outros. Queremos que todos (ou quase, admito), independente de quem sejam, vivam suas vidas da forma que acharem melhor, com quem quer que seja. E que ninguém interfira nisso, que sejam respeitadas as individualidades. 

 

Que cada um fique na sua.

 

Não é difícil, isso de cada um ser e viver sua vida do jeito que for, do jeito que quiser. Sem (tentar, querer) interferir na vida dos outros, sem tentar impor sua verdade aos outros. Não é difícil, mas ao mesmo tempo é extremamente raro que isso aconteça, que as pessoas consigam aceitar o diferente, o contraditório. Seja em modo de vida, religião, política ou outras dimensões da vida. 

 

Conviver com o contraditório não é simples.

 

Porque ameaça, ou ao menos questiona, as nossas convicções, as nossas certezas. Estar aberto à possiblidade de estar errado, reconhecer dúvidas, querer ouvir para aprender e não apenas responder, reagir, isso tudo é um grande exercício de humildade, o que – em tempo de redes sociais e verdades absolutas gritadas em todos os lugares – é cada vez mais raro. Egos frágeis não toleram discordâncias.

 

Assim como egos frágeis se ofendem com pronomes, formas de linguagem e expressões idiomáticas, e tentam impor artificialmente suas agendas e seu vocabulário. É chato, isso.

 

E entendo que vou acabar sendo cancelado um dia desses.

 

Até.

terça-feira, abril 08, 2025

O Meu Tempo

Recebi, no sábado, entre as diversas felicitações pelo meu aniversário, um desejo de que eu tivesse mais tempo livre para mim. Agradeci, e fiquei pensativo.

 

O que significa ter tempo livre, afinal de contas?

 

Ao pensar em que alguém deveria ou poderia ou gostaria de ter tempo livre, está-se assumindo que a regra é o seu oposto. O tempo estaria “preso”, ou comprometido, com as obrigações, com os outros, com o mundo, indisponível para si mesmo. A pessoa em questão teria o seu tempo como refém de algo ou alguém, ou seria refém de algo ou alguém que dispusesse de seu tempo. Tempo livre seria uma concessão que nos proporcionariam.

 

O que é o mais comum por aí, sermos reféns de obrigações diárias relacionadas a trabalho, principalmente, e outras situações da rotina, e pouco ‘tempo livre’, ou disponível para que façamos dele o que bem entendermos, mesmo que seja não fazer nada, apenas ficar deitado olhando o teto enquanto as horas passam. Se for o desejo ficar assim, tudo certo.

 

Pensei em mim, então.

 

Não quero ter tempo livre, no sentido de me permitirem, de deixarem que eu disponha de alguma pequena parcela do meu tempo. Quero ser dono do meu tempo, ou seja, ter o poder – até onde possível e razoável – de decidir o que fazer com ele. Definir como vou dispor dele.

 

O que não quer dizer que eu não quero ter obrigações com o mundo, o que seria uma vontade estéril, sem sentido. Quero, isso sim, e cada vez mais, fazer da vida (do meu tempo, porque são grandezas inseparáveis) aquilo que imaginei, planejei. Nos últimos anos dei passos importantes nessa direção, renunciando a algumas coisas (e pessoas) que não faziam mais sentido, e iniciando outras que eram importantes e que haviam sido deixadas de lado por tempo demais. Cada vez mais, sou eu quem determina onde e como vou.

 

Com relação ao meu tempo, tenho criado espaços na rotina para atividades que, sim, são importantes e necessárias para mim.


Até. 

segunda-feira, abril 07, 2025

Vintage

Aconteceu no ano passado, em 2024.

 

Comprei um disco de vinil da Graforréia Xilarmônica diretamente do amigo, e parceiro no podcast ‘Qual é o Tom’, Alexandre Birck, baterista da banda, mesmo que com ele fosse mais caro, segundo ele mesmo. Logo após, comprei a versão em vinil do ‘Ramilonga’ do Vitor Ramil. Comprei ambos os discos e guardei cuidadosamente.

 

Porque eu não tinha onde ouvi-los.

 

Há quase trinta anos eu não tinha em casa um aparelho toca-discos, e os meus discos de vinil, que – não sei por qual razão - haviam ficado na casa dos meus pais, eu descobrira que estão em Nova York, “guardados lá para mim”, segundo a versão do meu irmão... Bom, não importa, o fato é que eu não tinha como ouvir os discos de vinil adquiridos no ano passado. 

 

Corta para sexta-feira passada, véspera do meu aniversário.

 

Voltávamos do trabalho, a Jacque e eu. Ao chegar na garagem no subsolo do prédio onde moramos, em frente ao elevador, ele diz que temos que parar no térreo porque precisa pegar o meu presente, que ela e a Marina me entregarão ‘adiantado’. Tudo bem, eu aceito sem problema...

 

Ao abrir a porta do elevador no andar térreo, ela – ao fazer menção de sair para buscar o presente – comenta que ‘ao ver o pacote’ eu descobriria o conteúdo do mesmo. Em uma fração de segundo, uma sucessão de pensamentos se encadeia: “o pacote revelará o conteúdo, não é uma bola, imagino, pode ser um disco de vinil, mas eu não tenho tocador de discos de vinil, espera aí...”. Olho para ela e, antes de ter tempo de ela sair do elevador, eu digo: “é um tocador de discos de vinil, não?”. Ela para, chocada: “Como sabias?”.

 

Eu não sabia.

 

Foi muito legal o presente.

 

E tão ou mais legal foi a reação da Marina, encantada com a ‘tecnologia’ do disco tocando, aquela coisa do braço, a agulha, virar o lado do disco. Mais ainda quando ela entendeu na prática o que significa quando se fala que determinadas músicas são ‘Lado B’...

 

O domingo foi de cozinhar ouvindo discos de vinil tocando no toca-discos, como os astecas e os maias faziam...

 

Baita final de semana.

Até. 

domingo, abril 06, 2025

A Sopa

Tudo bem?

 

Em minhas leituras desses dias, nesse meu reencontro com os livros físicos, com a literatura e com a facilidade – que não substitui o prazer de andar por uma livraria – da compra de livros online, caiu em minhas mãos (comprei e recebi em casa) um livro chamado ‘Sentido da Vida’, do Contardo Calligaris. Ele foi um psicanalista e escritor italiano radicado no Brasil, Doutor em Psicologia Clínica na França, com diversos livros publicados, e que escrevia também uma coluna no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo às quintas-feiras. Morreu em 2021, aos 72 anos.

 

O livro em questão é uma obra póstuma dele, publicada em 2023 e vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura em 2024. São três textos breves sobre a obrigação da felicidade, o “morrer bem”, e o sentido da vida. É um livro curto, mas denso, que faz pensar. Li em praticamente uma tarde e noite, e resolvi reler na sequência para ter tempo de refletir sobre os escritos.

 

Claro que sempre que pensamos em Sentido da Vida, não temos como não pensar em Vitor Frankl e o seu livro de mesmo nome, que li ano passado enquanto preparava uma aula ainda inédita sobre DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e o Sentido da Vida. Como podem ver, esse é um dos meus temas recorrentes de reflexão.

 

Voltando ao livro do Calligaris, um dos textos começa abordando uma questão do dia a dia, e que é quase motivo de piada (para mim) no consultório, que é a saudação corriqueira ‘Tudo bem?’.  Sempre que chamo um paciente, ao cumprimentá-lo, o hábito, o normal, é fazer essa pergunta, “Tudo bem”, no que automaticamente continuo dizendo que não, não está tudo bem, pois se estivesse tudo bem ele não estaria em minha frente para uma consulta médica.

 

De um modo geral, saindo do consultório e indo em direção a outros relacionamentos e outras situações de vida, encontros diversos, em que é o normal nos perguntarmos mutuamente esse mesmo ‘tudo bem’. Como assim, tudo bem? Tudo mesmo? O mundo, a existência, a finitude do ser? Como saber se realmente está tudo bem? E, mais, é claro que é uma pergunta retórica, mais uma saudação do que um interesse pelo outro. E se não estiver tudo bem, vais querer saber o que não está?

 

Por isso, tenho – ao menos no consultório – saudado os pacientes como um simples ‘Como vai?’, ou ‘Como está se sentindo?’, o que restringe à pergunta ao que está mais próximo, mas perto do real, mais perto do que temos controle. Pensando bem, a resposta para quem pergunta se está tudo bem deveria ser ‘Tens tempo para ouvir?’.


Até. 

sexta-feira, abril 04, 2025

O que quero para mim?

Essa é a pergunta que serve de norte para todas as opções que faço em minha vida diária, é a base para as minhas ações. Tento, mas nem sempre consigo, me manter fiel às minhas metas de vida.

 

Que não são estáticas, pétreas. Ao contrário vão se transformando durante a caminhada, à medida que as situações vão se apresentando para mim. Tenho princípios claros, evidentemente, dos quais não posso e nem quero fugir, e por isso vou me adaptando ao que me acontece com base nesses mesmos princípios. 

 

Sei o que quero fazer e onde quero chegar.

 

Nunca esquecendo que não sou sozinho no mundo, e sempre lembrando que existem pessoas que estão comigo no caminho e que ele, o caminho, e estar com elas, é tão ou mais importante que o destino, que o ponto de chegada.

 

Pensamentos de uma sexta-feira de sol e um pouco de frio.

 

Até.

 

quinta-feira, abril 03, 2025

Nublado, talvez chova

Desacelerar.

 

Um ano antes de iniciar a pandemia, entrei em período que chamei de ‘sabático’ porque, ao invés de múltiplas atividades diárias, me dediquei apenas ao consultório, aos meus pacientes. O final desse período coincidiu com o início da pandemia e toda aquela loucura que foi o mundo por aqueles dias, com distanciamentos, fechamentos, pacientes ‘desaparecendo’ do consultório no começo e depois superlotando consultórios, hospitais e tudo o que (ainda) lembramos bem. Durante a pandemia, além do consultório, acabei voltando ao mundo acadêmico, como professor novamente. 

 

Foi legal.

 

Com o tempo, então, fui novamente e aos poucos assumindo mais e mais funções em termos profissionais, tanto falando em medicina (coordenador de um serviço de pneumologia e de um laboratório de função pulmonar) como empreendedor, agora sócio de uma escola de música. Voltei a escrever, publiquei um livro, fui cocriador e apresentador de um podcast. Voltei a ter uma rotina corrida, com diferentes atividades em diferentes lugares da cidade, muitas vezes no mesmo dia. Não sou mais funcionário, não tenho emprego.

 

E está bem legal. Porém...

 

Talvez esteja chegando a hora de reduzir um pouco o ritmo. Tirar um pouco o pé do acelerador. Simplificar. Retirar do meu ombro algumas tarefas que talvez não façam mais sentido, nas quais não estou conseguindo me dedicar como eu gostaria, e deixar para pessoas que estão atualmente em melhores condições de exercer essas funções do que eu, para que elas possam desenvolver seu potencial e eu possa me dedicar a projetos aos quais eu possa dar uma maior contribuição.

 

Pensando em voz alta em uma manhã plúmbea de outono...


Até. 

quarta-feira, abril 02, 2025

Zamel

Uma história.


Há pouco mais de vinte anos, quando cheguei no Canadá para o meu pós-doutorado, em um sexta-feira de manhã, do aeroporto fui direto para o alojamento da University of Toronto, onde eu ficaria em minha primeira semana até encontrar um apartamento para alugar, e – após deixar minhas malas lá – fui direto para o Mount Sinai Hospital para encontrar o responsável pela minha ida: Dr. Noé Zamel.

 

Gaúcho de Rio Grande, após se formar em Medicina em Porto Alegre havia ido para os Estados Unidos ainda nos anos setenta e depois se radicado no Canadá, em Toronto, onde foi médico, pesquisador e algo como um Embaixador nosso por lá. Fomos inúmeros médicos gaúchos e de outros estados brasileiros que passamos algum tempo em Toronto por sua intermediação. 

 

Logo na minha chegada, ao encontrá-lo pessoalmente pela primeira vez, me abraçou e disse que “finalmente” eu chegara. Foi reconfortante ser bem recebido, e ele sempre me tratou com afeto e consideração. Isso era agosto de 2004.

 

Em abril de 2005, fizemos uma festa de setenta anos para ele, nós que trabalhávamos no Respiratory Research Lab, do Toronto Western Hospital. Em algum momento ele sugeriu que eu ficasse mais do que os dois anos por lá, mas eu tinha que voltar para casa, para o meu mundo.

 

Muitas histórias dele, que faria hoje, dois de abril de dois mil e vinte e cinco, noventa anos. Ele faleceu em outubro de dois mil e vinte. 

 

Foi um grande cara, e uma honra para mim ter podido conviver com ele.

 

Até.