sexta-feira, julho 31, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Trinta e Oito Dias

Eu não sou jovem (4).

Entre as boa memórias que tenho do relativamente curto período em que trabalhei na indústria farmacêutica está a convivência com os chamados na empresa de Global Medical Experts, médicos – funcionários como eu – mas de renome internacional, e que viajavam o mundo dando aulas.  Mais experientes, com mais publicações científicas, era um grande aprendizado essa convivência.

Não só durante os horários de trabalho.

Durante os congressos internacionais dos quais participávamos, o grande grupo de médicos da empresa se reunia. Usualmente, dois dias antes do início do congresso, e das intermináveis reuniões estratégicas e de marketing, tínhamos um dia inteiro apenas falando de medicina. Era muito bom. Mas não só isso.

A empresa, por questões logísticas, procurava nos colocar no mesmo hotel, o que facilitava a convivência entre nós, principalmente nos horários de final de dia, quando conseguíamos nos reunir no bar do hotel, e as conversas iam longe, regadas a chopes e boas risadas. Muitas histórias e aprendizados.

Falemos novamente de Fortaleza, em agosto de 2017.

Era uma estada curta. 

Havia chegado num quarta-feira no final da tarde, teríamos o primeiro simpósio na quinta-feira ao meio-dia, o segundo na sexta-feira no mesmo horário e, logo após, iríamos direto ao aeroporto para retornar às nossas cidades. Tudo milimetricamente calculado.

Após o jantar no restaurante do cardápio manuscrito à lápis, marcamos de nos encontrar no café da manhã para uma reunião antes de irmos ao congresso. No dia seguinte, ficamos das 8h30 até 10h30 reunidos, e de lá fomos para o centro de eventos. Circulei pela área de exposição, encontrei alguns conhecidos, até o horário do simpósio. Durante o simpósio, na hora do almoço, sempre é oferecido um lanche ao público. Nós, que estávamos a trabalho, combinamos de almoçar após.

Saímos do centro de convenções tão logo terminou o simpósio, e fomos almoçar num restaurante italiano em um shopping de Fortaleza. Demoramos para encontrar, e eram quase três horas da tarde quando chegamos. Comida boa, conversa muito melhor. Ficamos ali quase três horas.

Éramos quatro no almoço, entre nós o professor inglês com quem jantáramos na noite anterior. Pelo grupo menor, pudemos todos conversar com mais calma, conversas mais pessoais, inclusive. Contamos histórias, lembramos eventos. Foi, disparado e sem sombra de dúvidas, o melhor que aconteceu no congresso.

Ainda jantamos juntos naquela mesma noite.

A sexta-feira começou muito cedo com reuniões de trabalho, seguidas do simpósio ao meio-dia em que eu era o moderador. De lá, saímos todos direto para o aeroporto, pois a volta – como eu disse – estava milimetricamente organizada. Seria perfeito, se estivéssemos na Suíça.

Mas estávamos no Brasil, e lidando com companhias aéreas.

Podem imaginar o que aconteceu...

Em breve, em breve.

Até. 

segunda-feira, julho 27, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Trinta e Quatro Dias

Eu não sou jovem (3).

Agosto de 2017, Fortaleza, Brasil.  

Durante um jantar no restaurante do cardápio manuscrito à lápis, entre colegas de empresa, entre eles um colega especialista médico, professor e pesquisador inglês recém vindo de uma aula no Chile, em meio à conversa, eu declarara que havia me tornado velho duas semanas antes.  Evidente que consegui a atenção da mesa, que esperaram pela explicação que veio a seguir.

Explicação essa que eu não dei dois dias depois, quando em minha fala inicial como moderador do simpósio satélite que fizemos antes de ir para o aeroporto para voltar para casa, e que deu início a uma outra saga, ou aventura, como preferirem, que talvez tenha sido o evento desencadeador da minha fama de sempre ter problemas em voos que eu pegava, apenas afirmei, de alto do púlpito, em frente a dois convidados internacionais (que não o professor que estivera no jantar no restaurante do cardápio manuscrito à lápis) que eu havia me tornado velho duas semanas antes, mas que não havia tempo para explicações, porque tínhamos de falar de ciência.

É provável que o assunto tenha surgido, durante aquele jantar, porque outros falavam de situações de saúde em viagens a trabalho, algo comum (as viagens) para nós, funcionários de multinacional do ramo farmacêutico. Falávamos de alergias, eu acho, ou de dificuldades com o sono, pelas diferenças de fuso horário ou horários de voos muito cedo, não lembro. O fato é que a minha afirmação de que eu havia me tornado velho duas semanas antes captou a atenção dos que estavam próximos a mim na mesa. Principalmente porque o professor, vamos chamá-lo de Paul porque esse era o seu nome, já estava próximo dos setenta anos, e em plena forma física e mental.

Expliquei.

Pouco mais de um mês antes do congresso, fiz – a pedido de um cardiologista – alguns exames de checkup. Entre eles, uma ecografia de carótidas, para avaliar a presença ou não de placas de gorduras nas mesmas. Carótidas são as artérias que levam o sangue para o cérebro, e o seu entupimento/obstrução não é uma situação agradável. Mesmo placas de gordura que não as obstruem totalmente podem “quebrar” e liberar fragmentos que, ao impactarem nos vasos cerebrais, levam ao que se chama de acidente vascular cerebral (AVC), a famosa isquemia ou derrame cerebral.

Fiz o exame e, não, não havia placas de gorduras em minhas carótidas. Contudo, a camada média de parede do vaso (da carótida) parecia estar ligeiramente espessada. Por essa razão, o cardiologista me prescreveu uma estatina para eu tomar.

Estatinas são medicações usadas com o objetivo de reduzir o chamado colesterol “ruim”, o LDL colesterol. Mesmo com os níveis de colesterol bons desde sempre, ele achou que eu deveria tomar. Assim o fiz, e faço até hoje. Comecei a tomar no final de julho de 2017.

E foi aí que eu envelheci. Dia 22 de julho de 2017.

Uma história, claro, dramatizada para torná-la mais, digamos assim, divertida. Todos na mesa concordaram com isso, assim como para quem expliquei depois do simpósio satélite em que deixei a história no ar porque tínhamos pouco tempo. 

Assim que terminou o simpósio satélite, fomos, o time, direto para o aeroporto, pois tínhamos voos de volta para nossas cidades. E aí começou a próxima parte da minha história de dificuldades em Fortaleza, apesar de a cidade evidentemente não ter nada a ver com isso.

Em breve, na sequência... 

Até. 

domingo, julho 26, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Trinta e Três Dias)

Eu não sou jovem (2).

Falava eu de uma noite em que jantávamos nesse restaurante em Fortaleza que tinha o cardápio manuscrito, acho que à lápis, e que eu não era mais jovem. Lembrava também da minha primeira experiência na cidade.

Havia sido onze anos antes, em 2006, quando havia deixado de aproveitar a cidade como turista devido a uma contratura muscular cervical que me deixara traumatizado, tamanha foi a dor. Após o episódio, não havia surgido oportunidade (e vontade) de voltar lá. Havia outros destinos que me pareciam melhores.

Agosto de 2017, então, estava de volta à cidade para um outro congresso. Contra minha vontade, para ser totalmente sincero. Se fosse apenas por minha opção, eu enquanto pessoa física, eu não teria ido.

Contudo, estava ali a trabalho, representando, de certa forma, uma pessoa jurídica. Aquela época, eu era contratado como especialista médico por uma multinacional da indústria farmacêutica. Estávamos lá porque – durante o congresso – ocorreriam dois simpósios satélites que faríamos. Essa era a razão, avisei a todos, para eu estar lá. Não que eu tivesse a opção de não ir, mas essa é outra história...

Cheguei em Fortaleza no final da tarde de uma quarta-feira, quase na hora da cerimônia de abertura do congresso. Fui até o hotel, e decidi caminhar no calçadão em frente ao mar antes de mais nada. Caminhei aproximadamente por 100m e me deparei com um grupo trajado de super-heróis dançando funk a todo volume. 

Voltei ao hotel.

Banho rápido, e fui para a cerimônia de abertura do congresso. Lá, encontrei conhecidos e alguns colegas durante o coquetel de abertura. Falávamos amenidades, até que recebi mensagem em meu celular da empresa me convidando para jantar. Me despedi dos conhecidos e fui encontrar o pessoal da “firma”.

Uma das poucas coisas que sinto falta dessa minha experiência no mundo corporativo são justamente as pessoas com quem trabalhava, e os eventos (congressos e outros) eram momentos que – como time – estávamos juntos em tempo quase integral. Como sempre fui (sou) uma pessoa de trabalho em equipe, de turma, de parceria, esses eram os melhores momentos. 

Saímos nós, então, rumo ao restaurante escolhido por indicação de alguém, e chegamos ao restaurante do cardápio manuscrito à lápis. Estávamos nós os médicos, alguns gerentes, pessoal do marketing. Uma turma não muito grande, todos nos conhecíamos e nos relacionávamos bem, como deveria ser sempre. E, junto a nós, um especialista médico global (nós, especialistas ali, éramos considerados especialistas locais) da empresa. Um professor inglês de renome internacional, pesquisador, com diversas publicações importantes.

Era a segunda vez que eu o encontrava pessoalmente.

Em maio do mesmo ano, havíamos passados uns bons períodos juntos a trabalho durante o congresso americano de pneumologia, que ocorrera em Washington, nos Estados Unidos. Havia sido uma experiência muito interessante. Preparamos e gravamos juntos os highlights do congresso, que foram publicados e transmitidos pela internet. Foi muito legal. 

Ali, em Fortaleza, no restaurante com o cardápio manuscrito à lápis, estávamos em momento social, descontração. Conversa vai, conversa vem, até que – quando todos estão prestando atenção em mim – afirmo peremptoriamente no meu inglês com sotaque latino:

“Sou um velho”. 

“Há duas semanas”.

Continua, continua... 

Até. 

sábado, julho 25, 2020

quinta-feira, julho 23, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Trinta Dias

Eu não sou jovem.

Lembro de uma noite, há alguns poucos anos, em que jantávamos em um restaurante em Fortaleza cujo cardápio era escrito à mão, diversas páginas manuscritas contendo uma quase infinita lista de pratos. Não ficava na beira da praia, mas algumas quadras para trás da avenida que contorna a orla. 

Estávamos em um congresso médico e, mais do que em outros congressos, essa vez apenas circulei entre o hotel e o centro de eventos, e duas noites jantando em restaurantes que não escolhi (o que não quer dizer que fossem ruins, obviamente). Em outras palavras, não visitei Fortaleza dessa vez. Também não o fizera na outra vez que havia estado lá...

Em 2006, também em um Congresso Médico.

Recém retornado do Canadá, fui por conta, sozinho, assistir ao congresso e fazer – como se diz hoje em dia – networking. Foi, podemos dizer, produtivo. Tive algumas reuniões que me abriram algumas portas, o que foi interessante. Mas o congresso foi marcado – para mim – por dois episódios bem distintos.

Quase não saí de Porto Alegre, porque exatamente nos dias anteriores ao congresso houve o que chamaram de Apagão Aéreo de 2006, por operação padrão da Infraero para que os controladores de voo não ficassem sobrecarregados. Saí de Porto Alegre, num dos últimos voos que tiveram um pequeno atraso, e voltei quando tudo começava a melhorar. Foi um momento de sorte. 

Não se pode dizer o mesmo da minha saúde física, contudo.

Durante o congresso, comecei com uma dor leve na coluna cervical. Por essa razão, paguei por uma massagem num estande no centro de convenções mesmo, para ver se melhorava, afinal deveria ser tensão, vai saber. Melhorou. Parcialmente. O congresso, começava na quarta-feira e terminava no sábado à tarde, eu acho. Meu voo de volta seria apenas na segunda-feira de manhã bem cedo. Logo, eu tinha todo o domingo para curtir uma praia.

Porém...

Sábado à noite, dei uma caminhada e jantei na Praia de Iracema. Voltei para o hotel cedo, para descansar e estar bem para ir à Praia do Futuro no dia seguinte. Pronto para dormir, vendo televisão, e a dor na cervical começa a aumentar, até ficar insuportável. Não conseguia ficar em nenhuma posição sem dor, e sem a sensação de que algo ou alguém me empurrava de cima para baixo pelo ombros. Deitado, qualquer movimento era seguido de uma dor lancinante.

Decidi tomar uma atitude.

Fui até a recepção do hotel e perguntei por um hospital ou, ao menos, um farmácia próxima. Havia uma farmácia, a poucas quadras o do hotel. Qual um zumbi, atordoado pela dor, rumei até a farmácia. Chegando lá, pedi um anti-inflamatório e um desses sprays para dor. O único anti-inflamatório que tinham chamava-se Infralax (que, para mim, pelo nome, deveria ser uma combinação de anti-inflamatório com laxante). Comprei e voltei ao hotel. A noite foi horrível.

Mesmo assim, no dia seguinte fui a praia.

E foi ruim, porque eu continuava com dor.

Voltei de Fortaleza, em 2006, com muita dor, e foi a minha primeira experiência lá.

Mas eu falava de uma noite em que jantávamos nesse restaurante que tinha o cardápio manuscrito (acho que à lápis), e que eu não era mais jovem.

Em breve, na continuação...

Até. 

segunda-feira, julho 20, 2020

Aos amigos, com carinho


Sou um espírito primitivo, confesso.

Ainda tenho muito que evoluir para poder aceitar algumas das inevitabilidades da vida. 

A morte, por exemplo.

A ideia da morte ainda me perturba, por ser um desperdício. Quanta história, quanta experiência, quanta – obviedade - vida se perde quando da morte de alguém, seja lá quem for. Sei, contudo, que essa inconformidade é como ser contra a lei da gravidade ou negar a evolução: inútil, infantil até. Paciência.

Pode me chamar de espírito infantil, então.

Essa característica ajuda a definir quem sou, e é a base de diversas outras características que me definem. Como acreditar nas pessoas. Como regra, eu acredito nas pessoas, e procuro as valorizar. Todos – até prova em contrário – merecem meu respeito e consideração. A sua história pessoal, e a nossa história em comum.

Falo, então dos meus amigos, do presente e do passado, os que são e os que foram e não são mais. Todos tem sua devida importância porque fazem parte do que me tornei e do que continuo me tornando. Falo até daqueles de  quem eu queria ser amigo (ou mais amigo), mas a vida não permitiu. Falo também daqueles a quem tenho a pretensão de ensinar alguma coisa, me sentindo como um irmão mais velho, apesar de já ter idade para ser pai de muitos, sempre torcendo por eles e querendo ser mais próximo. Muitos são os amigos, claro que uns mais e outros menos. Muitos, mas alguns poucos. Sabem como é, sabem quem são.

E então entra a relação, às vezes tranquila e outras vezes conflituosa que tenho com o tempo, melhor, com o passar do tempo. Mais uma batalha inútil que volta e meia travo, como Quixote lutando com moinhos de vento, ou como quando me sinto empurrado para o corner e fico a me defender de um inimigo imaginário num improvável luta de boxe. O tempo às vezes se confunde, e volto no tempo ao ouvir uma música antiga e lembro de pessoas e chego a pensar que devo voltar – não para refazer caminhos ou mudar o que passou – mas para reencontrar pessoas e lembrar, recontar histórias, agradecer por terem sido importantes naquele momento que passou.

Mas o tempo não volta, avança.

E novas referências são criadas, novas estórias são vividas e contadas (a vida não é muito mais que isso mesmo, estórias para contar). E os amigos estão aí, e é disso que falo. São eles essa conexão com o passado e com o futuro. 

Eles são a referência.

O norte.

Até. 

domingo, julho 19, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Vinte e Seis Dias)


Lockdown.

Parece que Porto Alegre, após quatro meses de pandemia, está na iminência de ser colocada em lockdown. Após quatro meses de pandemia, acreditam?

Pois é...

O chamado lockdown, o fechamento total da cidade, com apenas poucas pessoas habilitadas a circular, justifica-se apenas em duas situações, na minha opinião. Primeiro, quando não sabemos o que está acontecendo, qual é o vírus, qual sua transmissibilidade, qual sua virulência. Foi o que aconteceu na Itália e Espanha lá por março. A segunda situação em que essa medida extrema deve ser adotada é quando ocorre a admissão de incompetência e a falência dos administradores públicos. É o que está acontecendo no Sul do Mundo agora. Estamos admitindo que não fomos capazes de utilizar esses quatro meses de restrições e achatamento da curva para nos preparar adequadamente para quando o pior momento chegasse.

E chegou, ao menos assim esperamos (ou seja, que o pior momento seja agora e nas próximas semanas, e depois comece a melhorar).

Achatar a curva, como é óbvio entender, prolonga o tempo de duração da pandemia. E fizemos bem, achatando a curva. Só que empurramos o pior momento para o inverno, quando normalmente a sistema de saúde já fica no limite. Fazer o quê? Fechamos cedo demais, mas não tinha como saber...

Não vou entrar aqui na discussão com relação à existência ou não de evidências científicas que suportem o lockdown, e nem se é eficaz ou não. Mas uma coisa ninguém pode negar: essa é a estratégia mais conveniente para os seus defensores. Se funcionar, eles estavam certos. Se for um fracasso, a culpa é da população, que não fez direito. É como o socialismo e o comunismo: os repetidos fracassos ao longo da história são justificados com um “não era realmente socialismo/comunismo, por isso não deu certo...”.

E nunca admitirão que estavam errados.

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Coisas desses dias estranhos.

As pessoas têm agido estranhamente.

Tenho andado de bicicleta sempre que possível (quando as condições meteorológicas permitem, claro). Esse final de semana, por exemplo, foram setenta quilômetros, trinta e cinco no sábado e trinta e cinco no domingo. Mais ou menos uma hora e pouco. Tranquilo.

Ontem, dez horas da manhã, estava em trecho na zona sul, numa rua paralela a uma grande avenida, quando vi um carro parado e um casal em pé, fora do carro. Ela atrás do carro e ele ao lado, em frente a uma pequena árvore, daquelas que foram plantadas recentemente, numa posição suspeita. Dava a impressão de que estava... ao passar pelo carro, confirmei a impressão: e pleno sábado de manhã, de sol, em uma rua razoavelmente movimentada, o cidadão (?) de terno e gravata urinava, assim, na boa. Minha indignação foi imediatamente aliviada porque – ao mesmo tempo em que eu constatei a situação absurda – passava um carro da polícia militar, que também viu e parou. Como eu ia rápido, não vi a conclusão do episódio, mas o fato de a polícia ter parado me proporcionou uma sensação – mesmo de fugaz – de justiça divina.

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A situação com relação ao coronavírus todos sabemos que é séria, que devemos manter distanciamento social (falo isso desde março, é o óbvio), usar máscara, lavar as mãos e usar álcool gel com frequência e evitar aglomerações principalmente em locais fechados.

Tudo certo, tudo correto.

Atividade física ao ar livre, contudo, quando feita individualmente, com cuidado, seguindo as normas, não traz risco nenhum. Faz até bem, aliás. Por isso que tenho andado de bicicleta sempre que posso.  

O que não suporto mais são pessoas que passam de carro filmando com seus celulares aqueles que estão na rua, sozinhos ou em duplas, em segurança, fazendo sua atividade física, e depois colocam em redes sociais acusando-as de responsáveis pelos números da pandemia.

Qual é o próximo passo que vão sugerir, esses agentes da inquisição?

Que nos joguem na fogueira?

Até.  

sábado, julho 18, 2020

Sábado (e parece que faz tanto tempo...)

                   
                     Jurerê Internacional/SC
                     Fevereiro/2020

quarta-feira, julho 15, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Vinte e Dois Dias

O futuro não existe.

E parecemos não querer sair do passado.

Em seu livro ’21 lições para o século 21’, o professor de História e escritor israelense Yuval Noah Harari (autor do campeão de vendas ‘Sapiens: Uma Breve História da Humanidade’) fala sobre os desafios que a humanidade está enfrentando e enfrentará neste século. Entre eles, a questão do trabalho.

Já há algum tempo se diz que a maior parte das crianças de hoje terá uma profissão (ou trabalho) que ainda não foi criada, tão rápida é a evolução da tecnologia (e do mundo) atual. E sabe-se que muitas das profissões, e – importante - muitos dos profissionais de hoje serão substituídos por máquinas, pela inteligência artificial, que melhora a cada dia, e – e breve – poderá substituir e substituirá algumas profissões antes impensáveis de serem executadas por “máquinas”, como por exemplo advocacia e a medicina. Parece maluco, mas não é.

Em determinado trecho deste capítulo, ele escreve “... se a Organização Mundial da Saúde identificar uma nova doença, ou se um laboratório produzir um novo remédio, é quase impossível atualizar todos os médicos do mundo quanto a esses avanços. Em contraste, mesmo que haja 10 bilhões de médicos de IA (inteligência artificial) no mundo – cada um monitorando a saúde de um único ser humano -, ainda poderá se atualizar todos ele numa fração de segundo, e todos serão capazes de dar uns aos outros feedbacks quanto às novas doenças ou remédios”.

Lembrei disso ao pensar no comportamento errático da OMS durante a atual pandemia do coronavírus que ora vivemos. Da politização do assunto, do clima de guerra de torcidas que se instalou quando se fala em tratamento, quarentenas, restrições, lockdowns e outros assuntos relacionados.

Como já falei anteriormente, é como se estivéssemos ainda em 1918, quando poderíamos estar em 2020... 

Fazer o quê?

Por aqui, no Sul do Mundo, a quarta-feira é fria e de sol.

Seguimos em frente, porque retroceder, nunca, render-se jamais.

Até.


segunda-feira, julho 13, 2020

Crônicas de uma Pandemia - Cento e Vinte Dias

Quatro meses de coronavírus aqui no Sul do Mundo.

Após os reiterados pedidos de que achatássemos a curva, para que o sistema de saúde se preparasse para o aumento da demanda de atendimentos e leitos e leitos de UTI e respiradores, conseguimos esse objetivo. Só que “achatar a curva” significa – também – prolongar a duração da mesma, é “empurrar com a barriga” o problema para frente, para que ele venha, mas venha devagar, aos poucos.

Só que empurramos o auge da pandemia para o inverno, quando normalmente já fica em estado crítico o sistema de saúde. E parece que vivemos o pior período até aqui (esperamos que seja o pico) em pleno julho, o pior mês do ano em termos de saturação do sistema.

São cento e vinte de dias de sacrifícios, dificuldades econômicas e emocionais por parte de todos, em maior ou menor grau. Aqueles que mantiveram seus empregos e estão trabalhando em casa, estão trabalhando muito mais por esses dias. Os profissionais liberais, os autônomos, estão se virando como podem. Com mais ou menos dificuldades, mas vamos levando como dá.

Faz parte.

Entre todas as restrições atuais, abstraindo-se as de natureza econômica – porque nada é mais importante para a sobrevivência que um teto sobre nossas cabeças e alimento na mesa – as emocionais têm sido também desafiadoras. A falta do contato pessoal com familiares e amigos queridos também cobra o seu preço, que muitas vezes não é pequeno. As interações virtuais amenizam, mas não substituem a proximidade física, nesses tempos de máscaras e álcool gel.

Porque somos seres sociais.

Porém, em meio à pandemia, à rotina esculhambada pelo vírus, à carência do toque e do abraço, pequenos gestos podem ter um significado gigante, podem confortar e aquecer nossa alma.

Semana passada, um amigo enviou uma mensagem por WhatsApp perguntando se haveria alguém em casa naquele dia, em determinada hora. Respondi que, justamente naquele dia e hora, eu estaria. Avisou que tinha uma encomenda para entregar.

No horário marcado, de máscara, desci até a rua e encontrei-o, que passou para deixar um vinho de presente. Assim, do nada. Ou, melhor, para marcar que – apesar de fisicamente distantes – estamos sempre próximos.

Conversamos um pouco e voltei para casa, emocionado.

Vai passar, vamos superar.

Em muito breve, espero.    

Até. 

domingo, julho 12, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Centésimo Décimo Nono Dia)


Há uma guerra. 

E, sabemos, em uma guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.

Essa afirmação, ou uma variação dela, atribuída a Ésquilo, nascido perto de Atenas e que foi considerado por Aristóteles o criador da tragédia grega, e foi mais antigo dos três trágicos gregos cujas peças ainda existem (que são Sófocles e Eurípedes), permanece verdadeira até os dias de hoje. E nos mais variados tipos de guerras e conflitos.

Como o caso do tratamento precoce da COVID-19.

Evidentemente, e principalmente por ser uma doença nova, não há (ainda?) um consenso sobre a melhor conduta a ser adotada. Até aí, tudo bem. É normal, ainda mais quando ainda estamos aprendendo sobre a condição, que não tem um ano de existência entre nós. Há os que defendem uma determinada abordagem, enquanto outros defendem a conduta – digamos assim – oposta. 

Quem está certo?

Ninguém sabe, na verdade, e esse nem é o problema.

O problema é que a discussão, que deveria estar restrita ao meio médico, caiu nas redes sociais. E aí a ética vai para por água abaixo. Politizaram e polarizaram o debate médico a níveis nunca vistos. E, como falei no início, a verdade se perde em meio ao bate boca. Uma colega, não vou citar o nome porque não pedi autorização para divulgar, escreveu – com propriedade - o seguinte:

Acredito que o problema sejam os excessos.

Oito ou oitenta.

Vejo colegas chamando de “semianalfabetos” quem prescreve tratamento precoce, como se esses não soubessem fazer uma leitura crítica da literatura médica. Triste esse tipo de atitude. Se colocam num pedestal como se fossem superiores em prol de “evidências robustas” e os colegas prescritores seriam analfabetos ridículos, fazendo algo errado e que gera malefícios aos pacientes.

Da mesma forma alguns vendem a imagem de tratamentos mágicos, como se houvesse uma cura mágica, com garantias certas. (...)

Penso que o inimigo é um só: o vírus. Não deveria haver toda essa polarização como se estivéssemos uns médicos contra os outros.”

Perfeito. 

O inimigo público número um é o vírus, e não devemos perder o foco disso. Não devemos perder tempo com discussões estéreis em redes sociais enquanto os pacientes precisam ser atendidos, precisam do nosso melhor e mais dedicado cuidado.

O que eu penso do assunto?

Como médico, concordo que devemos direcionar nossa energia a quem precisa, que são os nossos pacientes. 

Sobre tratamento precoce ou não?

Passa lá no consultório, que conversamos.

As redes sociais não são lugar para isso.

Até.

domingo, julho 05, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Centésimo Décimo Segundo Dia)


Não sou terraplanista.

Aliás, acreditar que a terra é plana é a coisa mais estúpida que consigo conceber alguém acreditar. No momento, honesta e sinceramente, não consigo vislumbrar crença mais ridícula.

Se você me disser que acredita que o mundo na verdade é governado por um elefante rosa voador, eu vou respeitar sua crença. Seja ela essa ou qualquer outra. Se você disser que é católico, budista, muçulmano, umbandista, mórmon, da igreja universal do reino de Deus, da Floco de Neve ou qualquer outra religião, te respeitarei, na boa. Não me envolvo com fé. Assim como você tem o direito de ser o que quiser na vida. É teu direito, estamos na boa. Cada um é senhor do seu destino.

Mas acreditar que a terra é plana, não. Não espere minha compreensão ou respeito. Não tenho paciência para isso.

É mais ou menos o caso dos anti-vacinas.

Não merecem um comentário sequer.

Ia dizer que era parecido com o caso do arroz de leite.

Mas uma noite, há pouco mais de dois anos, mudou minha forma de ver o mundo (o arroz de leite, na verdade).

Era fevereiro, e estávamos em Portugal. Alentejo, a cidade de Évora em especial. Havíamos chegado na cidade no meio de uma tarde fria de sol, e fomos visitá-la. Caminhamos por ruas estreitas, com lojas de artesanato e souvenir, até o pôr-do-sol, que assistimos da praça em que fica o Templo Romano, ou Templo de Diana (onde gravei mais um vídeo em que falo como se estivesse com falta de ar, lembrando que eu ainda tinha que aprender a respirar e falar ao mesmo tempo...).

Já noite, fomos jantar na Enoteca Cartuxa, na Fundação Eugênio Almeida, em pleno Centro Histórico de Évora (no outro dia visitaríamos a Vinícola Cartuxa). Além de tomarmos o ótimo vinho Cartuxa, pedimos petiscos, digamos assim. Todos ótimos.

Após desafiarmos a Marina a experimentar cogumelos (tinha implicância e nunca experimentara) e ela adorar, fui desafiado a provar a sobremesa: arroz de leite (ou arroz doce, como também chamam). Para quem não sabe, sempre disse que essa sobremesa era um erro, não se mistura arroz e leite. Não existe isso. Pois bem: experimentei.

E gostei, confesso.

Aquele, naquele momento, estava muito bom.

Confesso que, a partir daí, reduzi minhas críticas com relação a essa sobremesa. Não me tornei um apreciador, mas transigi em meu conceito. Mudei de ideia baseado em um evidência empírica. Na minha experiência.

Mudar de ideia, rever conceitos.

Só os idiotas, os intolerantes e os mortos nunca mudam de ideia.

Temos que estar abertos a novos conhecimentos, experiências, ideias.

Temos que ser tolerantes.

Menos com terraplanistas e anti-vacinas.

Esses temos de largar de mão.

Até.


quarta-feira, julho 01, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Centésimo Oitavo Dia

Primeiro de julho.

Ultrapassamos a metade do ano ainda em status pandemia. Dos primeiros seis meses do ano, mais de três foram passados nessa nova situação, de distanciamento, algum grau de isolamento, máscaras, e uma dedicação quase obsessiva à lavagem de mãos. Convivendo com o vírus que recém agora chegou de verdade aqui no Sul do Mundo onde vivo, junto com o inverno.

Ventou muito à noite, um ciclone-bomba na definição dos meteorologistas, que vem mais ou menos ao mesmo tempo em que uma nuvem gigante de gafanhotos ronda o estado do Rio Grande do Sul, o futebol por aqui não volta, e uns por aí falam em lockdown total. Seriam, esses fatos, um prenúncio do fim do mundo.

Bobagem.

O mundo não vai acabar, assim como vamos superar esse período, mais cedo ou mais tarde.

E espero que seja logo.

O cenário, contudo, ainda não está claro, e imagino que o mês de julho será o mais complicado até agora, com as coisas começando a melhorar a partir do início do mês que vem, agosto.

O mês do cachorro louco.

Vai saber...

Até.