segunda-feira, março 30, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Décimo Quinto Dia



Enquanto permanecemos em isolamento, distantes fisicamente de pessoas que nos são queridas, uma mensagem de esperança e otimismo.

When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we see
No I won't be afraid
No I won't be afraid
Just as long as you stand, stand by me
And darling, darling stand by me
Oh, now, now, stand by me
Stand by me, stand by me
If the sky that we look upon
Should tumble and fall
And the mountain should crumble to the sea
I won't cry, I won't cry
No I won't shed a tear
Just as long as you stand, stand by me
And darling, darling stand by me
Oh, stand by me
Stand by me, stand by

Tudo vai passar.

Até.

domingo, março 29, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Décimo Quarto Dia)


Nada será como antes, amanhã.

Claro, nada é nunca como antes. A vida não volta. Heráclito disse, há muito, que nenhum homem entra duas vezes no mesmo rio, pois já não são as mesmas águas, e não é o mesmo homem. Eu não sou o mesmo que ontem, assim como você, estimado leitor, também não é.

Inexorável.

Sairemos diferentes desse turbilhão em que estamos envolvidos no momento. E espero que para melhor, afinal sou um otimista. É uma oportunidade única para repensarmos valores, reavaliarmos prioridades. O que queremos e quem queremos em nossas vidas. De quem devemos ficar próximos (ou mais próximos) e de quem devemos nos afastar.

Evitar as chamadas pessoas tóxicas.

As pessoas que, estando perto delas, sentimos que temos nossas energias sugadas, drenadas. Pessoas negativas, para quem tudo sempre tem problema, nada nunca está bom.

Sei que é virtualmente impossível fugir de todos os negativos (pessoas, pessoas) com quem temos que conviver. Mas o segredo talvez seja trabalhar para que sua influência sobre o nosso estado de espírito seja mínima. Não é fácil, mas deve ser um esforço diário.

Espero que, além disso, saiamos mais simples disso tudo. Que adotemos estilos de vida mais saudáveis, no sentido de dar valor ao básico, às pessoas. Menos ter e mais ser. Gostaria, espero que eu consiga. Um movimento neste sentido eu já vinha fazendo no último ano, como tenho falado vez e outra.

Outra coisa.

Confesso que é muito estranho isso, de a vida estar em suspenso. As pessoas em casa, distância física de pessoas queridas, família e amigos, mesmo que a tecnologia proporcione encontros virtuais. A incerteza de quanto tempo levará para sermos liberados para retomar a vida causa angústia. O que virá, quem será afetado. A falta de certezas, nesse caso extremo, é o que incomoda a maioria das pessoas. E não podemos fazer nada. Como eu disse outro dia, paciência.

Uma noite dessas, logo após a recuperação do celular (vide crônicas anteriores), estava reinstalando o Spotify. Tenho algumas playlists que me são queridas, com músicas que marcaram a minha vida, aquilo que falei de ‘minha própria trilha sonora’. Por alguma razão ou coincidência, tocou “Cheek to Cheek”, com Frank Sinatra.

Heaven, I'm in heaven
And my heart beats so that I can hardly speak
And I seem to find the happiness I seek
When we're out together dancing cheek to cheek

Decidi, então, que teria que montar mais uma playlist. Chamei de ‘Quarentena’, e além das mais ou menos óbvias ‘O Dia em que a Terra Parou’, do Raul Seixas, e “It’s The End of The World As We Know It”, do REM, incluí apenas músicas dos anos quarenta aos anos sessenta, Ella Fitzgerald, Glenn Miller, Frank Sinatra, Dean Martin, e outros, o que pode fazer você concluir eu faço parte dos grupos de risco, o que não é verdade.  

Mas se é para morrer, que seja ouvindo música boa.

Estou brincando, claro.

Música ruim é que pode matar.

Até.

sábado, março 28, 2020

Sábado (e vamos sair desta)


    Juntos, todos nós, como tem de ser, sempre, vamos passar por essa fase ruim do mundo.

    Nós acreditamos!

    Até.                     

sexta-feira, março 27, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Décimo Segundo Dia

Quarentena.

Existem muitas alternativas para uma quarentena, no sentido de possibilidades de atividades a fazer. Em casa, claro. O momento é de se ficar em casa. Isolamento e distanciamento social.

Dizia eu, então, que há opções de atividades a serem feitas durante o período recluso em casa, principalmente aquelas relacionadas a ficar consigo mesmo, de pensamentos e reflexões. É um momento, esse da vida estar em suspenso enquanto esperamos aquilo que virá e ainda não sabemos como será, extremamente propício para repensar quem somos e quem queremos ser. Além de outras possibilidades.

Como viajar no tempo, por exemplo.

Hoje, vinte e sete de março, é o dia do aniversário de nascimento do Renato Russo. Ele mesmo, “o” Renato Russo. 

Da Legião Urbana. 

Quem é aficcionado por música, quem cresceu com a música tendo uma grande importância em sua vida, certamente tem algumas referências que escreveram a sua própria trilha sonora. Artistas que cantaram/disseram aquilo que gostaríamos ter dito e ou escrito. 

Para mim, a Legião Urbana foi uma dessas, e ouvir sua música hoje em dia é – com uma clareza impressionante – voltar no tempo. As sensações são as mesmas daquele tempo, se fechar os olhos é inevitável o medo de – ao abrir – estar de volta ao final dos anos oitenta, como se tudo até aqui tivesse sido um sonho, como se estivesse num daqueles filme que todos já vimos, como se ainda sonhasse com aquela menina que um dia eu iria conhecer.

Como se a vida fosse bem mais simples, como se fôssemos tão jovens.

De volta à dois mil e vinte, de volta à pandemia.

O dia foi de consultório, pacientes presenciais e virtuais. Circulamos, a Jacque e eu, pouco pela cidade, de casa ao consultório e volta (passamos no supermercado rapidamente para comprar pasta de dente, aproveitamos para comprar algumas poucas coisas a mais e, claro, quase esquecemos a pasta de dente). Os preparativos continuam. 

Incerteza, esse é o resumo de tudo.  

Até.

quinta-feira, março 26, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Décimo Primeiro Dia

Uma chance perdida.

Existem, para alguns, momentos em que surge a oportunidade talvez única de mudar a vida, no mínimo a sua, mas também em escala muito maior. Como dizem aqui no Sul do Mundo, quando o cavalo passa encilhado, temos que montá-lo. Outra forma de dizer é que não podemos perder o trem da história.

Sim, vou falar do Bolsonaro.

Mas não, esse não é um texto político.

Quero dizer que, lamentavelmente, e digo lamentavelmente por que ele é o Presidente de todos nós brasileiros, ele diminuiu de tamanho, se apequenou, durante a crise do coronavírus. Era a grande oportunidade que surgiu para ser um estadista, que comandaria o país durante o difícil período, que unificaria e pacificaria o país. Entraria para história por conduzir o país durante a longa noite da pandemia. Mas não é o que está acontecendo.

Comportamento errático, é mínimo que podemos dizer.

A vantagem, e méritos totais a ele, é que montou uma ótima equipe de trabalho. O Ministro Mandetta, médico, técnico num cargo que deveria ser sempre ocupado por um técnico, tem comandado a resposta brasileira à pandemia de forma brilhante. Honestamente, não queria estar no lugar dele. Torçamos que continue firme e forte no cargo. Passa segurança em meio à incerteza.

Por aqui, mais um dia de atendimentos virtuais. Ligações de pacientes, mensagens, WhatsApp. A Marina com tarefas da escola, a Jacque fazendo seminário virtual. Até desencavamos videogames que estavam guardados há muito. Joguei com a Marina o NBA 2008 no Playstation 2 para matar a saudade do basquete...

Amanhã vou ao consultório, para atendimentos presenciais e virtuais.

E virá o final de semana, sem estar com a família ou com amigos, e sem churrasco.

Sem churrasco!

São provações, mas seguimos firmes e tudo passará.

Tudo sempre passa.

Até.

quarta-feira, março 25, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Décimo Dia

O celular voltou à vida.

Após ter “chorado” a morte do aparelho pelas redes sociais, recebi uma dica de um colega, que recebera uma mensagem de um paciente seu oferecendo seus serviços de conserto de celulares, em especial iPhones, inclusive gratuitamente para médicos, nesse período de pandemia. Imediatamente liguei, hoje cedo um motoboy o buscou aqui em casa e no final da manhã recebi uma foto do próprio novamente em funcionamento. À tarde, fui buscar. É claro que fiz questão de pagar o atendimento e o serviço.

Tive meu problema resolvido pela iExperts (Rua Edmundo Bastian, 73 - Passo d'Areia, Porto Alegre/RS). 

Meu agradecimento pelo atendimento.

Ainda com o “celular substituto/quebra-galho que é quase um telefone fixo, de tão pouco que dura a bateria”, o dia foi de trabalho em casa, já que quartas-feiras eu não atendo consultório, e os ambulatórios estão fechados. Mas boa parte do dia foi resolvendo problemas, esclarecendo dúvidas e orientando pacientes. Até um atendimento online, via ligação de vídeo de WhatsApp, acabei fazendo.

Diminuí o tempo em que fico lendo notícias sobre a pandemia, principalmente mensagens de WhatsApp, redes sociais ou outras. Muitos boatos, muita desinformação. Aliás, o que mais há em redes sociais por estes dias são notícias sensacionalistas, opiniões infundadas e rancor, muito rancor. Pode-se até argumentar que que sempre foram assim, e eu tendo a concordar. 

Mas, nesse momento, não era hora de estarmos juntos, lutando lado a lado contra o inimigo invisível, que nos tirou o que há de melhor, o contato humano?

Eu acho que sim.      

Até.

terça-feira, março 24, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Nono Dia

Uma confissão.

A primeira coisa que faço quando acordo é olhar o celular.

Não, não é para conferir redes sociais quaisquer que sejam. Nem para olhar e-mails, ou notícias, ou a previsão do tempo. Nada disso.

Confiro, logo que acordo, o aplicativo que monitora o meu sono, que está conectado ao meu relógio, e que considera as vinte e quatro horas que vão das dez da noite de um dia até nove e cinquenta e nove do outro. Monitora horas de sono, despertares, sono profundo, qualidade do sono. Acho genial. Por isso, ao acordar, a primeira coisa que confiro é como foi minha noite, e – claro – para comparar como estou me sentindo, como senti a noite.  

E as noites do último ano tem sido boas, admito.

Menos viagens, menos aulas em eventos noturnos, tudo contribuiu para a melhora da qualidade do meu sono. Também a atividade física, evidentemente, tem sua parcela de responsabilidade nessa melhora. E o celular sincronizado com o relógio fazem parte disso, através do controle que faz de movimentos, exercícios, horas por dia em pé. Tudo registrado, comparado com a semana, o mês e o ano anterior.

Sou o meu controle, sou aquele que tenho que superar todos os dias.

É motivador, mas faz parecer que estou viciado no celular.

Não estou, mas admito que poderia usar menos.

Não agora, contudo.

Em tempo de coronavírus, o celular tem sido um aliado de primeira importância. Além de notícias (tentando driblar a histeria e as Fakes News), contatos com colegas e publicações científicas, tem servido para conversar, acalmar e orientar pacientes. Nem tudo é coronavírus, não dá para esquecer. Asma, pneumonia, entre outras ainda ocorrem (para ficar apenas na minha área).

Por isso, qual não foi minha frustração quando hoje cedo, ao acordar, olhar o celular e receber uma mensagem de “Armazenamento Cheio”, que não fazia sentido por eu saber que não era correta. E nada funcionava. Fiz o que todo mundo orientaria a fazer: desliguei o celular para reiniciá-lo. Só que ele nunca mais ligou.

Todas as manobras de ressuscitação foram em vão.

Em meio a uma pandemia, com pacientes ligando o tempo todo! Numa hora dessas?! Timing...  Timing is a bitch, como dizem.

Paciência.

Fui ao consultório ver os poucos pacientes que havia confirmado que iriam, e ainda assim teve quem faltou. Acontece, mesmo em tempos de pandemia. Após, supermercado, vacina da gripe e levar as compras para os meus pais, que continuam em confinamento, como todos acima de 60 anos deveriam estar.

Continuamos a postos.

Ah, e com um celular substituto/quebra-galho que é quase um telefone fixo, de tão pouco que dura a bateria...

Até.

segunda-feira, março 23, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Oitavo Dia

Íamos fazer um churrasco, semana passada.

Seria o churrasco do fim do mundo.

Mas nem sempre foi assim.

Tudo começou como ‘Churrasco da Libertadores’, quando a Libertadores da América (campeonato de futebol) terminava na metade do ano. Em um ano em que nenhum dos times da dupla GRENAL estava na final, nos reuníamos para, sim, um churrasco e – até – assistir o jogo.

Quando a final passou para o segundo semestre, continuamos fazendo o churrasco no meio do ano, mas também em outros momentos, e em diferentes locais. Afinal de contas, o importante era mesmo o churrasco. O grupo do WhatsApp, que é muito ativo o ano todo (e de conteúdo impublicável) ainda se chama, contudo, “Churras da Libertadores”.

Quando começaram a aumentar os casos de coronavírus no Brasil, logo falamos em fazer um último churrasco (“do fim do mundo”) antes que entrássemos em possível quarentena. Não houve tempo. A onde chegou rápido demais. Ficou para quando passar a crise.

Hoje foi mais um dia de isolamento em casa. Arrumando gavetas, leitura, algum videogame com a Marina, atividade física (mantendo a rotina de treinos em casa) e reunião de trabalho virtual. Discussão de casos, dúvidas sobre como será o atendimento desses pacientes, estabelecimento de rotinas de trabalho. Amanhã, é dia de consultório e hospital.

Há pouco, bateram panelas, e nem sei mais a razão. Talvez o tédio do isolamento.

Seguimos.
  
Até.

domingo, março 22, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Sétimo Dia)

Parecemos estar em um filme catástrofe.

Os casos aumentam aqui no Sul do Mundo.

Ainda não houve nenhum óbito por aqui. Estamos com cerca de oitenta e um casos confirmados, e estão aumentando, como esperado. Aumentam, também e lamentavelmente, os boatos, hoje chamados de Fake News. Não vou falar disso.

Isolados em casa, o final de semana foi longo. O sol brilhou, o céu estava azul, temperatura amena. Tudo em vão. Não saímos de casa. Será assim amanhã, em que resolverei o que for possível remotamente, mas terça-feira vou ao consultório. Com cuidados, claro.

O mais estranho (perturbador, posso dizer) de tudo é a incerteza quanto ao que vai acontecer. Quanto tempo vai durar. E como vamos sair disso tudo, como pessoas e como sociedade. O mundo em suspense é um momento de reflexão também.

A impossibilidade das interações sociais, o afastamento das pessoas, o isolamento. Tudo deve nos fazer repensar a vida, nossas prioridades. O que é realmente importante, o que – de verdade – vale à pena no mundo? Ou, por outro lado, podemos nos perguntar se a maluca corrida dos dias é realmente importante. Ainda, como é tudo tão frágil, como somos todos iguais. E como fronteiras não existem.

É momento, também, de solidariedade.

Existe um movimento da sociedade como um todo, e falo principalmente em Porto Alegre e RS (que tenho acesso), que reúne virtualmente um grande grupo de pessoas em preparação para a resposta que daremos como sociedade à pandemia, em termos de saúde, com profissionais dos diversos campos (engenharia, logística, administração, médicos, universidades, instituições financeiras, entre outros) se organizando desde doações, compras ou mesmo produção de equipamentos médicos, como respiradores e equipamentos de proteção individual. Procurando saber as necessidades dos hospitais, dos serviços. Uma gigante mobilização, uma emocionante mobilização.

Que saiamos disso melhores do que éramos.
  
Até.

sexta-feira, março 20, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Quinto Dia

Uma história do tempo que morei no Canadá.

Sobre o meu cabelo.

Os primeiros meses após a minha chegada à Toronto, de adaptação à cidade, ao hospital e à nova rotina de vida, envolveu – entre outras situações – encontrar um lugar onde fosse cortar o cabelo. Não quero exagerar, mas foi um estresse. Foram várias tentativas até encontrar o lugar em que mais me senti confortável.

A primeira tentativa foi com um legítimo barbeiro italiano, numa legítima barbearia italiana. Só usava tesouras e se ofendeu quando eu sugeri que usasse máquina. Fui uma vez e só.

Outra tentativa foi cortar o cabelo virado para Meca. De verdade. Meca, nesse caso, era um quadro da Grande Mesquita e o barbeiro era iraniano. Não usava tesouras, apenas a máquina. Foi interessante, tive medo de contrariá-lo... Ficou bom, confesso. Mas não era exatamente o que eu queria. 

Até que, circulando de bonde pela Dundas West, na comunidade portuguesa, encontrei uma barbearia – tam-tam – portuguesa. Foi ali que encontrei quem cortasse o meu cabelo da forma que eu queria.

Mas o que isso tem a ver com a pandemia de coronavirus?

Lembrei a primeira vez em que fui à barbearia portuguesa. Enquanto aguardava para ser atendido, lendo um jornal da comunidade, uma manchete falava sobre um estudo de uma nova medicação que estava sendo testada em cobaias. Dizia: “Em ratos, funciona!”.

Foi o que aconteceu ontem com o estudo sobre a cloroquina, como já falei aqui. Foi um estudo em menos de 30 pacientes, não avaliou resultado clínico. Uma esperança, mas não uma evidência definitiva. Mas foi o que bastou para que pessoas em estado de histeria (é a única definição que consigo dar) comprassem todo estoque da medicação nas farmácias. Será – tomara – uma medicação para uso em pacientes moderados a graves, não como prevenção.

Sei lá.

Hoje foi o dia mais estranho até aqui. O movimento diminuiu muito nas ruas. O movimento nos consultórios diminuiu mais ainda. Colegas do grupo de risco estão em casa. A sensação de que algo grande e grave vem chegando. Uma tempestade, aparentemente.

Voltei para casa mais cedo, onde vou passar o final de semana recluso.

Não temos ideia do que vem por aí, em termos de magnitude.

O jeito é esperar e (tentar) estar preparado  

Até.

quinta-feira, março 19, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Quarto Dia

Não somos heróis.

Hoje, ao voltar do consultório/hospital, passei no supermercado. Tinha uma pequena lista de compras em meu WhatsApp. Não estava lotado, pareceu movimento normal de quinta-feira à tarde. Poucas pessoas com máscara, mas me chamou a atenção uma jovem tatuada, de luvas e duas máscaras cirúrgicas sobrepostas. A amiga, ao lado, usava apenas luvas.

Algumas outras pessoas usavam sacos plásticos como luvas, e um cidadão usava uma máscara que o protegeria, além de vírus, também de gases tóxicos e do agente laranja, provavelmente. Cada um sabe de si, pensei, e fui atrás de fermento para pão e farinha integral. A Jacque e a Marina fizeram pão, aproveitando seu período de reclusão em casa.

Não encontrei. 

Aparentemente, concluo, após não terem encontrado pão nos dias anteriores (hoje estavam lá), as pessoas decidiram fazer pão em casa. Logo, acabaram a farinha e o fermento. Papel higiênico havia em grande quantidade. Não, não comprei.

Continuo atendendo normalmente, ou quase isso.

A primeira pergunta que fiz para o neto que levou a avó de 92 anos para consultar foi “o que vocês estão fazendo aqui, numa hora dessas?”. Era uma tosse, mas não era infecção. Ou então ao abrir a porta para a sala de espera quase vazia e me deparar com uma senhora com a máscara tapando a boca, mas com o nariz livre, leve e solto. Olhei e perguntei se tinha tosse, e respondeu que sim. “Então coloca a máscara direito, por favor”, recomendei, e ela respondeu que o consultório estava vazio. Falei que se ela tossisse e eliminasse algum vírus, ele ia ficar no ar e nas superfícies e poderia infectar outros. Atendi a ela usando máscara cirúrgica. Era uma sinusite bacteriana.

Ainda não foi dessa vez.

Continuo seguindo a recomendação de fornecer máscara aos sintomáticos respiratórios, mas estou preparado para usar a máscara quando for necessário, óbvio. A máscara mais efetiva, a N95, reservada para uso durante procedimentos em pacientes está lá, a postos, mas sei que muito em breve vou ser obrigado a tirar a barba para poder usá-la. Hoje não, talvez no final de semana.

Durante o dia, fomos bombardeados com a notícia de que uma medicação antiga, conhecida, havia sido testada e funcionava contra o coronavirus. Já havia sido falado nisso há alguns dias, mas agora havia um estudo, uma evidência científica! Pessoas rapidamente compraram tudo do medicamento que havias nas farmácias, numa atitude sem ética e perigosa.

O estudo em questão é – podemos dizer – uma possível luz no final do túnel. Mas é um estudo com apenas trinta pacientes e que avaliou a carga viral no sexto dia de tratamento. Em pacientes internados. Não se avaliaram desfechos clínicos. Pode ser promissor, mas não dá para sair enlouquecido comprando a medicação. 

Mas é a pandemia das redes sociais, qualquer coisa que se diz é amplificada em muito, mas não só isso. Parece que muitos perderam o senso crítico e o rigor científico. Ou a serenidade necessária para entender o que está lendo.

E seguimos.

Como eu disse, não somos heróis.

Mas não devemos fazer papel de bobos.  

Até.

quarta-feira, março 18, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Terceiro Dia


Primeira transmissão local. 

Ou seja, Porto Alegre apresentou um caso de alguém que não chegou do exterior, que se contaminou com alguém que trouxe o vírus de fora, ainda sendo possível rastrear a origem da infecção.

O próximo passo será a transmissão comunitária, em que já não se consegue encontrar o caso fonte. Como eu disse ontem, o círculo está fechando. 

Os Hospitais se preparam, restringem os atendimentos de casos não urgentes, e talvez seja o momento aumentar o nível de precaução e proteção. Se até aqui não havia razão para usar máscara cirúrgica para atender pacientes (aqueles sintomáticos é quem deveriam usar), a evolução dos fatos (e a necessidade de deixar os pacientes com sensação de segurança) nos leva a reavaliar essa conduta. Claro que isso após discussões virtuais com outros colegas.

O hospital em que atendo ambulatório, adotou essas medidas, e – seguindo determinação superior – hoje utilizei máscara para atender. A última paciente, com história de asma, sem sintomas respiratórios, comenta que está em treinamento em uma empresa, e que a colega que a está treinando foi afastada ontem com febre e mal-estar. Em casa, será testada para coronavírus. Pergunto qual grau de contato que teve com a colega. Próxima, me responde.

Quarentena, oriento.

Deve ir para casa por quatorze dias, enquanto aguarda o resultado do teste da colega. Se negativo, estará liberada. Se iniciar com sintomas, liga para a Vigilância. Em caso de febre alta ou dispneia, procurar atendimento.

Devo confessar que a culpa disso é minha.

Estou há 7 meses fazendo atividade física no mínimo cinco vezes por semana e, nos últimos noventa dias, cerca de 60 minutos/dia, sete dias por semana. 

Eu sabia que eu ia causar o fim do mundo...

Até.

terça-feira, março 17, 2020

Crônicas de uma Pandemia - Segundo Dia


Hoje foi confirmada a primeira morte no Brasil. 

Em São Paulo.

Aqui no Sul do Mundo, o primeiro caso positivo em um aluno da Medicina, que voltou de viagem e talvez tenha circulado pelo hospital. Uma professora do curso, que deu aula a ele é minha colega de consultório. O filho de um colega do hospital testou positivo.

O círculo está fechando em torno de nós.

O diagnóstico positivo de infecção pelo coronavírus (COVID-19) não é uma sentença de morte, tem que ficar claro. Como eu já disse, a maior parte dos casos será leve e a pessoa se recuperará plenamente. O risco individual, na verdade é pequeno, exceto para pacientes acima de 60 (e 80, em especial) anos e com doenças crônicas cardiovasculares e/ou respiratórias. 

A partir de amanhã, todas as escolas estarão fechadas. Todos devem ficar longe de shoppings e outros locais de aglomeração. Pessoas estão lotando os supermercados em busca de provisões. Pão e ovos estão em falta. Com relação ao papel higiênico, ainda havia muito disponível. Já que eu estava lá, comprei. 

O que queremos, agora, é frear a velocidade de transmissão do vírus, para não sobrecarregar o sistema de saúde, que já tem suas precariedades conhecidas. O momento é de prudência, cautela.

Máscara para quem chega com tosse no consultório. Lavagem quase compulsiva das mãos e uso do álcool gel. Após cada paciente, independente do motivo da consulta, higienização do ambiente. Cuidado, sempre.
  
Hoje, à tarde, uma senhora de 76 anos que consultava comigo chorou quando eu disse que ela não deveria ver os netos por um período que ainda não sabíamos qual seria, e que era para sua segurança. Doeu em mim quase tanto quanto nela. Todos faremos sacrifícios.

Tempos difíceis, esses.

Mas vamos superar.   

Até.

segunda-feira, março 16, 2020

Crônicas de uma Pandemia - Primeiro Dia

O primeiro dia.

Não é o primeiro dia de verdade, porque o que era epidemia lá no oriente distante há pouco tempo, agora é pandemia e está aí, quase batendo em nossas portas. Mas é, por outro lado, sim, o primeiro dia em que estamos, todos, aqui no Sul do Mundo, preocupados e adaptando ou, melhor, tentando adaptar nossas vidas ao cenário que se avizinha.

Sou médico. Pneumologista.

Em outras palavras, estou na linha de frente do que vem por aí, ou do que parece que vem por aí. E esse é um problema: ninguém sabe como será quando começarem os casos de disseminação local do coronavírus. E nesse momento, a imagem é que seríamos os bombeiros à espera do grande incêndio, que certamente virá.

E, como um colega disse, bombeiro não tem medo de incêndio.

Mas eu falava que – aqui no Sul do Mundo – hoje foi o primeiro dia em que realmente iniciaram as medidas para tentar conter a disseminação do vírus. Escolas e Universidades anunciaram cancelamento de aulas e atividades acadêmicas por iniciais quinze dias, hospitais começam a restringir cirurgias não urgentes, atendimentos ambulatoriais e circulação de visitantes. As recomendações de distanciamento social tornaram-se mais incisivas.

Antecipando-nos a isso, e por saber que serei um risco para outros por estar exposto (mesmo que não atenda emergências) a pacientes com sintomas respiratórios (minha especialidade, afinal de contas), tiramos o final de semana para encontrar meus sogros e visitar meus pais, e orientar que fiquem em casa o máximo possível, e – sim – nos despedir dos encontros presenciais por um certo período.

O vírus é extremamente transmissível e, se num caso individual, de um jovem saudável, as chances de complicações são mínimas, em idosos e com doenças associadas, esse risco é bem significativo. Devemos reduzir o máximo possível esse risco, e a distância (o não contato pessoal) é a melhor forma de fazer isso. Proteção acima de tudo.

Apesar da tensão que vivemos, não devemos entrar em pânico.

A histeria não ajuda em nada e só piora as coisas.

É o que tenho tentado (sem muito sucesso, confesso) evitar conversando e tentando orientar alguns colegas que estão mais apavorados. Entendemos as preocupações a angústias, mas devemos ser racionais. As medidas de proteção são claras, e exageros nesse momento passam a ideia de desespero. E não há razão para isso, e espero que não venha a acontecer.

Distanciamento social, a expressão do momento.

Não para mim, contudo. Preciso sair porque o fogo está chegando nos portões da cidade.

E bombeiro não tem medo de incêndio.

Até.

Sobre o Coronavirus

sábado, março 14, 2020

domingo, março 08, 2020

Vinte e Cinco


      A primeira foto, de quando tudo começou, há 25 anos.

      Um quarto de século. Muitas histórias, muitas viagens.

      Uma filha. Muitos amigos.

      A vida vale ser vivida.

      Até.

domingo, março 01, 2020

A Sopa

Março, 2020.

Como disse uma vez anteriormente, ainda acho estranho viver qualquer ano depois de 1986. Mil novecentos e oitenta e sete, talvez, oitenta e oito no máximo. Depois disso, parece irreal.

Não, não vivo no passado. E também não, não idealizo o passado.

Confesso, contudo, que provavelmente isso tenha acontecido em algum momento, mas já passou. Não provavelmente. Certamente já vivi num passado idealizado ou que poderia ter sido. Foi importante em determinado momento, como um retraimento, um recolhimento para repensar e – sim – me reencontrar.

Mas isso já faz tempo, e muito.

Eu ia dizendo, então, que estamos em março de 2020. Passaram-se vinte anos desde que tive que ficar de sobreaviso na virada do ano porque podia ocorrer o bug do milênio e eu era militar na época. Veja só, já faz vinte anos que saí da Aeronáutica (época em que comecei o doutorado, que ia terminar – defender – quatro ano depois, quando já fazia o Pós-doutorado e morava em Toronto). Muita coisa aconteceu e muito mudou a vida nesse tempo todo.

E é assim que são as coisas, porque assim é o tempo.

O último ano, em especial, foi de mudanças, de desaceleração. E foi muito bom. Como contei aqui nessa Sopa há algum tempo, 2019 foi um ano sabático, em que eu não quis fazer nada em termos profissionais além de atender os meus pacientes, de ser médico. Defini que esse período começaria e terminaria num primeiro de março. E hoje é o dia final estipulado.

E agora, o que muda?

Praticamente nada, para ser honesto.

Gostei de como foi vida nesse período, de como as prioridades certas estiveram nos lugares certos. De como soube viver a vida no ritmo que eu determinei (como sempre deveria ter disso). De como não precisei dar satisfações dos meus atos e nem de onde eu estava para ninguém que não fosse quem realmente importa.

Ainda tenho que trabalhar algumas questões minhas, que levam tempo. Estou novamente aberto, contudo, a conversar, a novas possibilidades. Mas, agora, quem dá as cartas, sou eu.

Até.