segunda-feira, novembro 10, 2014

A Maior Revolução de Todos os Tempos



por Nelson Lehmann 
(04/07/2003)

Nosso mundo intelectual, nossos livros e enciclopédias destacam e glorificam as chamadas Grandes Revoluções. Pequenas revoluções seriam frequentes na História, mas de pouca importância, designáveis como revoltas, motins, levantes, golpes, ou mesmo “badernas” ou “quebra-quebras”. Estas fazem parte da história de qualquer sociedade. Nada mais que episódios localizados, reações explosivas, sem consequências notáveis. A famosa revolta dos escravos comandados por Spartacus na antiga Roma, por exemplo, nada mais foi do que uma vingança. Não tinha como objetivo abolir a escravidão. Muito pelo contrário. Acabaram por fazer de escravos a seus senhores logo que os subjugaram pelas armas. Uma troca de papéis apenas.

As Grandes Revoluções são outra coisa, ou pelo menos assim se apresentam. Seus objetivos são universais. Querem abranger a humanidade, ou substancial parte dela. Aqui se enquadrariam poucos e raros acontecimentos históricos, como a Revolução Protestante, a Revolução Britânica, a Revolução Francesa e a Revolução Russa, com suas subsidiárias revoluções chinesa e cubana. A Revolução Francesa particularmente tem servido como o protótipo de todas as revoluções. É glorificada como “A” revolução  tout court, a grande virada histórica, com conseqüências muito além da civilização ocidental.

No entanto, todas estas revoluções terminaram mal. Ao fim de um período mais ou menos longo, a  ordem anterior acabou sendo restabelecida. Em grande parte se revelaram ilusões totalitárias. Após muita violência e sangue, muitas das tradicionais instituições e personalidades foram resgatadas e revalorizadas.

Pouco lembrada, em comparação, tem sido a Revolução Americana. Teria sido um fenômeno marginal, fora do eixo europeu hegemônico. Esta foi, no entanto, a mais radical e de conseqüências mais universais e duradouras do que as demais. Foi esta revolução que inspirou, afinal, a que se faria na França e despertou as que se sucederam na América Latina.

Basta atentar para alguns fatos aparentemente banais, que todos conhecem. O nome próprio de qualquer personalidade americana, pelo qual é tratado normalmente, é invariavelmente um informal apelido diminutivo, expressão de proximidade, igualdade e camaradagem,       que consiste no substrato da democracia. Enquanto na Europa ou no Japão, por exemplo, as pessoas se tratam pelo nome de família, sendo inadmissível intimidade chamar pelo prenome alguém não pertencente ao restrito círculo familiar ou de amizade, nos Estados Unidos temos os Bill, os Jimmy, os Sam, os Jessy, os Tom, os Tedd,  etc. A mesma informalidade se observa nos gestos, nos discursos sem retórica e no comportamento em geral. Comem seu fast food durante o trabalho , descansam os pés por cima das mesas de escritório, dão pouca importância a cortesias (etiqueta da corte) e a elegância no vestir. Não há sociedade mais informal, descomplicada e direta. Isso sinaliza uma revolucionária e intencional quebra de hierarquias formais, de submissão a estruturas herméticas. A tão criticada “americanização” do mundo esconde um mal disfarçado desdém, ou escândalo, diante de seu modo igualitário, sem preconceitos, democrático de ser.

Existem obvias perguntas que poucos entre nós ousam fazer. Por que, por exemplo, são os Estados Unidos a nação mais próspera e poderosa do mundo enquanto nós longe estamos disso? Ambos tendo a mesma idade e equivalente território e população? Os americanos empreendem viagens espaciais, exportam a mais avançada tecnologia, mas também alimentos, arrecadam a maior parte dos Prêmios Nobel. Presentearam o mundo com aparentes bugigangas, como o Jeans, a caneta Bic, a T-shirt, a Coca-cola, mas também com o avião Jumbo, o computador e a Internet, novas sementes e remédios, etc e todos são produtos destinados  ao consumo em massa, descartáveis, baratos, acessíveis. Paradoxalmente, diga-se de passagem, os sistemas do extinto socialismo real só promoveram o ballet clássico e o xadrez, coisas notoriamente “burguesas” ou elitistas.

E o Brasil, qual a nossa contribuição para a Humanidade até agora? Carnaval, futebol e algumas sobremesas exóticas? Como explicar tão abismal diferença? Nossos manuais escolares certamente deveriam abordar tão instigante tema. Mas sem subterfúgios, desculpas, acusações e distorções. Comparemos nossas instituições e comportamento. Examinemos nossa cultura e valores.

Então haveremos de reconhecer que os Estados Unidos antes de tudo tipificam a liberdade. Liberdade do individuo de tomar iniciativas, de empreender, de assumir responsabilidade. Os indivíduos se coordenam conforme seus interesses e agem. No Brasil, diferentemente, atribuímos ao Estado toda iniciativa e responsabilidade. Esperamos que o Estado tudo resolva e nos proporcione a felicidade. 

A América do Norte recebeu os pobres e desempregados da Europa e de todo o mundo. Ainda hoje continua sendo o porto preferido de refugiados e perseguidos de toda parte. Assim mesmo tornou-se o alvo preferencial dos críticos ressentidos, dos intelectuais e comunicadores que dominam a mídia. Hoje é o grande bode expiatório, culpado do males que assolam o planeta. O vencedor é aqui mal visto. O perdedor é necessariamente vítima. Não é assim a ética americana. O vencedor é exemplo a ser imitado. Este o segredo de sua prosperidade. E explica o porquê de esta ter sido a maior revolução popular de todos os tempos.