por Nelson Lehmann
(04/07/2003)
Nosso mundo
intelectual, nossos livros e enciclopédias destacam e glorificam as chamadas
Grandes Revoluções. Pequenas revoluções seriam frequentes na História, mas de
pouca importância, designáveis como revoltas, motins, levantes, golpes, ou
mesmo “badernas” ou “quebra-quebras”. Estas fazem parte da história de qualquer
sociedade. Nada mais que episódios localizados, reações explosivas, sem
consequências notáveis. A famosa revolta dos escravos comandados por Spartacus
na antiga Roma, por exemplo, nada mais foi do que uma vingança. Não tinha como
objetivo abolir a escravidão. Muito pelo contrário. Acabaram por fazer de
escravos a seus senhores logo que os subjugaram pelas armas. Uma troca de papéis
apenas.
As Grandes
Revoluções são outra coisa, ou pelo menos assim se apresentam. Seus objetivos
são universais. Querem abranger a humanidade, ou substancial parte dela. Aqui
se enquadrariam poucos e raros acontecimentos históricos, como a Revolução Protestante,
a Revolução Britânica, a Revolução Francesa e a Revolução Russa, com suas
subsidiárias revoluções chinesa e cubana. A Revolução Francesa particularmente
tem servido como o protótipo de todas as revoluções. É glorificada como “A” revolução tout court, a grande virada histórica,
com conseqüências muito além da civilização ocidental.
No entanto,
todas estas revoluções terminaram mal. Ao fim de um período mais ou menos
longo, a ordem anterior acabou sendo
restabelecida. Em grande parte se revelaram ilusões totalitárias. Após muita
violência e sangue, muitas das tradicionais instituições e personalidades foram
resgatadas e revalorizadas.
Pouco
lembrada, em comparação, tem sido a Revolução Americana. Teria sido um fenômeno
marginal, fora do eixo europeu hegemônico. Esta foi, no entanto, a mais radical
e de conseqüências mais universais e duradouras do que as demais. Foi esta
revolução que inspirou, afinal, a que se faria na França e despertou as que se
sucederam na América Latina.
Basta
atentar para alguns fatos aparentemente banais, que todos conhecem. O nome
próprio de qualquer personalidade americana, pelo qual é tratado normalmente, é
invariavelmente um informal apelido diminutivo, expressão de proximidade,
igualdade e camaradagem, que
consiste no substrato da democracia. Enquanto na Europa ou no Japão, por
exemplo, as pessoas se tratam pelo nome de família, sendo inadmissível
intimidade chamar pelo prenome alguém não pertencente ao restrito círculo
familiar ou de amizade, nos Estados Unidos temos os Bill, os Jimmy, os Sam, os
Jessy, os Tom, os Tedd, etc. A mesma
informalidade se observa nos gestos, nos discursos sem retórica e no
comportamento em geral. Comem seu fast food durante o trabalho ,
descansam os pés por cima das mesas de escritório, dão pouca importância a
cortesias (etiqueta da corte) e a elegância no vestir. Não há sociedade mais
informal, descomplicada e direta. Isso sinaliza uma revolucionária e
intencional quebra de hierarquias formais, de submissão a estruturas
herméticas. A tão criticada “americanização” do mundo esconde um mal disfarçado
desdém, ou escândalo, diante de seu modo igualitário, sem preconceitos,
democrático de ser.
Existem
obvias perguntas que poucos entre nós ousam fazer. Por que, por exemplo, são os
Estados Unidos a nação mais próspera e poderosa do mundo enquanto nós longe
estamos disso? Ambos tendo a mesma idade e equivalente território e população?
Os americanos empreendem viagens espaciais, exportam a mais avançada
tecnologia, mas também alimentos, arrecadam a maior parte dos Prêmios Nobel.
Presentearam o mundo com aparentes bugigangas, como o Jeans, a caneta Bic, a
T-shirt, a Coca-cola, mas também com o avião Jumbo, o computador e a Internet,
novas sementes e remédios, etc e todos são produtos destinados ao consumo em massa, descartáveis, baratos,
acessíveis. Paradoxalmente, diga-se de passagem, os sistemas do extinto
socialismo real só promoveram o ballet clássico e o xadrez, coisas notoriamente
“burguesas” ou elitistas.
E o Brasil, qual a nossa
contribuição para a Humanidade até agora? Carnaval, futebol e algumas
sobremesas exóticas? Como explicar tão abismal diferença? Nossos manuais
escolares certamente deveriam abordar tão instigante tema. Mas sem
subterfúgios, desculpas, acusações e distorções. Comparemos nossas instituições
e comportamento. Examinemos nossa cultura e valores.
Então
haveremos de reconhecer que os Estados Unidos antes de tudo tipificam a
liberdade. Liberdade do individuo de tomar iniciativas, de empreender, de
assumir responsabilidade. Os indivíduos se coordenam conforme seus interesses e
agem. No Brasil, diferentemente, atribuímos ao Estado toda iniciativa e
responsabilidade. Esperamos que o Estado tudo resolva e nos proporcione a
felicidade.
A América do
Norte recebeu os pobres e desempregados da Europa e de todo o mundo. Ainda hoje
continua sendo o porto preferido de refugiados e perseguidos de toda parte.
Assim mesmo tornou-se o alvo preferencial dos críticos ressentidos, dos
intelectuais e comunicadores que dominam a mídia. Hoje é o grande bode
expiatório, culpado do males que assolam o planeta. O vencedor é aqui mal
visto. O perdedor é necessariamente vítima. Não é assim a ética americana. O
vencedor é exemplo a ser imitado. Este o segredo de sua prosperidade. E explica
o porquê de esta ter sido a maior revolução popular de todos os tempos.