quinta-feira, agosto 12, 2010

Há 20 Anos, Morri

No ano de 1990, o dia 12 de agosto caiu num domingo, dia dos pais.

Pena que meu pai não tem lembranças agradáveis daquele domingo, quando foi acordado por volta das seis horas da manhã com o telefone tocando e a notícia de que seu filho mais velho – eu – com dezoito anos, estava internado no Hospital de Pronto Socorro vítima de um acidente automobilístico. Um péssimo dia dos pais aquele 12 de agosto de 1990.

Tudo começara na noite anterior, quando eu tinha saído de casa para fazer festa com uma turma. O meu colega de faculdade que tinha carro à disposição me pegara em casa e fomos em direção ao bairro Moinhos de Vento onde haveria a festa em questão. Paralelamente a isso, eu sabia que uma parte da minha turma da praia (já citada algumas vezes neste semanário) estaria nesta mesma festa e combinamos de sairmos todos juntos. Chegando ao local, por alguma razão que o tempo já tornou um mistério, decidimos – todos – ir a um bar na Av Vinte e Quatro de Outubro, em Porto Alegre, de nome “Bat-Bat”.

Lá chegando, houve um mal-entendido e acabamos – eu, o colega que havia me dado carona e uma colega e ex-namorada minha – ficando em mesas separadas, e eu junto com a minha turma da praia e os dois sozinhos. Achei estranho eles dois não sentarem junto comigo e o resto do pessoal conhecido, mas como era festa, deixei para lá. Algumas vezes fiz sinal para que eles dois se juntassem a nós, mas preferiram não fazê-lo. Isso durou toda a noite, até a hora de ir embora.

Como eu estava de carona com este meu colega, certamente que eu iria voltar para casa com ele, e também a colega e ex-namorada e dois dos meus companheiros da turma da praia, conforme previamente combinado. Quando fomos sair, notei que o colega dono do carro havia bebido um pouco além do recomendado, e me ofereci para ir dirigindo, proposta recusada pelo dono do carro. Parênteses. Eu também havia bebido, claro, mas infinitamente menos que ele, pois eu não tinha o hábito de beber muito, com exceção de alguns carnavais do bloco Perversa, mas isso é história para outro dia. Fecha parênteses. Nosso roteiro de volta para a zona sul e deixando os caroneiros em casa iniciava pela zona norte, onde morava a nossa colega (e minha ex-namorada). Eu era o último que seria deixado em casa, pois morava na zona sul.

Logo na primeira parte, notamos que o motorista estava com sua percepção alterada pelo álcool, e quando paramos para largar a primeira passageira, decidi que eu iria dirigir de qualquer jeito. Ele desceu do carro para acompanhá-la até em casa e eu assumi o volante. Ele havia levado a chave e disse que ele é quem dirigiria. Então eu resolvi que iria de ônibus. Detalhe: 5h15 da madrugada, tendo que atravessar a cidade de ônibus (que nem haviam começado a circular ainda) ou a pé. Saí caminhando pela rua em direção a uma ponto de ônibus.

Ele veio atrás de carro e se comprometeu a dirigir com cuidado. Aceitei a proposta e seguimos. Largamos o segundo e fomos até a frente da casa do último antes de seguir para a zona sul. Quando o penúltimo a descer desceu, deu a dica: colocar o cinto de segurança (naquela época ainda não era costume nem lei usá-lo). Acho que fiz isso, não lembro bem. O que aconteceu depois, me contaram: na Av Ipiranga, grande avenida que corta Porto Alegre de leste a oeste, provavelmente após pegarmos no sono, ele bateu com o carro num outro estacionado, no lado direito da rua, e justamente no lado em que eu estava dormindo, tranqüilo.

Retirado das ferragens pelos bombeiros, traumatismo crânio-encefálico, coma Glasgow 4 (bem ruim). Internação no HPS com posterior transferência para o Hospital São Lucas da PUCRS, onde eu estudava medicina e trabalho até hoje. Treze dias em coma e quatorze na UTI. No quarto, após sair da UTI, fiquei mais dez dias, com febre e uma maldita amigdalite. Não perdi o semestre na faculdade porque – providencialmente – naquele mesmo sábado, véspera do dia dos pais, os professores da PUCRS tinham entrado em greve, que durou até bem depois de eu voltar a assistir aula, cambaleante e sem firmeza ao andar.

Não lembro muita coisa daqueles dias do coma, apenas a sensação, quando acordei, de que havia dormido mais do que deveria. O engraçado é que eu sabia que estava num hospital, mas achava que era outro e tinha a impressão de que estava num quarto com uma grande janela de vidro que dava para um campo com uma colina ao fundo, um grande gramado verde e dias de sol intenso. Não tive vontade de caminhar por este campo nem seguir em direção à luz nenhuma. Acordei com uma vontade enorme de ver minha mãe.

Em 12 de agosto de 1990, morri.

Como não era minha hora, voltei. Colocar a cabeça em ordem depois disso não foi fácil, levou tempo, mas tudo terminou bem.

Há exatos vinte anos.

Até.

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