segunda-feira, abril 26, 2021

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Quadragésimo Segundo Dia)

 

Pois é.

 

Às vezes, e isso tem sido mais frequente nos últimos tempos, parece que só o que fazemos é nos queixar da vida. Como se nada estivesse bem, ou funcionando, o que não é verdade.

 

Mas, e sei que venho falando nisso mais do que gostaria, mesmo que tentemos fugir das notícias ruins, e não falo de negação, mas sim de uma forma de preservação, o mundo não nos deixa em paz. Não estou dizendo que quero viver num mundo cor-de-rosa, onde tudo é tranquilo e a vida vai bem, o sol é alto e a brisa que vem do mar não nos deixa ficar com muito calor, enquanto o som das ondas chegando na praia embalam o sono na rede após o almoço. De forma alguma.

 

Só continuo tentando fugir da energia negativa, o que é diferente de fugir da realidade, que fique bem claro. Há coisas que não preciso ver e pessoas as quais não devo ouvir ou ler. Por preservação, pela sanidade mental.

 

Há dois meses praticamente não acesso as redes sociais, Facebook e Twitter em especial. Vejo eventuais notificações que recebo, nada mais. Não fico ali por longos períodos acompanhando a timelime dos outros e o que fazem ou pensam, principalmente o que pensam. Não me diz respeito.

 

Pensei que seria mais difícil, confesso.

 

Já não lia comentários, apenas ampliei o quanto ignoro das mesmas.

 

Por princípio, quem perde tempo comentando publicações de redes sociais ou mesmo de portais de notícias de forma agressiva é um idiota ou um covarde, na maioria das vezes os dois. Não merecem que sejam lidos, muito menos receber destaque. O esquecimento é o que receberão, enquanto ficam falando sozinhos e gritando para ninguém ouvir.

 

Meu humor melhorará, tenho certeza disso.


Até.

sábado, abril 24, 2021

domingo, abril 18, 2021

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Trigésimo Quarto Dia)

 

Domingo.

 

Espero o almoço chegar por tele entrega, pois resolvemos não cozinhar hoje e ainda auxiliamos os estabelecimentos locais que ainda sofrem muito pela pandemia e as restrições causadas por ela. Aliás, continuo com a convicção que a culpa do aumento dos casos não tem relação com o funcionamento do comércio ou de restaurantes. Esses, virtualmente todos, seguem rígidos protocolos de segurança.

 

Assim como me sinto mal ao ler/ouvir que a culpa é do “povo”.

 

O “povo”, como dizem, em sua maioria, está respeitando e seguindo as orientações das autoridades sanitárias. Claro que isso é “na medida do possível”. Nem todos podemos ficar em casa, em home office, apenas fazendo compras online. A pandemia, para muitos, e me incluo entre esses muitos, não existe em termos de poder ficar em casa e está tudo bem, estamos nos protegendo, fazendo a nossa parte. Temos que ir à luta atrás do nosso ganha pão, cada um no seu quadrado, com sua ocupação.

 

Mas dizia que não é legal culpar essa entidade, “o povo”, pela evolução da pandemia do Brasil. Como eu disse, a esmagadora maioria está fazendo tudo certo dentro de suas possibilidades.

 

O problema é que existem os idiotas.

 

Idiotas, estúpidos, sem noção. Que fazem festa de aniversário para cem pessoas em um lugar fechado em plena bandeira preta no RS. Assim como são imbecis os cem convidados que vão ao dito aniversário, como ocorrido aqui em Porto Alegre na semana passada. E isso não tem relação com classe social, afinal a estupidez não tem fronteiras e nem distinção de classe. É democrática.

 

Irrita a todos, os que podem ficar em casa se cuidando e os que são obrigados a sair de casa, mas que se cuidam e cuidam de outros. Mostra uma falta de sensibilidade e humanidade grandes. E mostra – não canso de dizer – estupidez, idiotia.

 

Estamos há mais de ano vivendo esse mundo diferente, estamos cansados, sentimos falta de encontros e abraços, e esses gestos de poucos atrapalham e tem o potencial de alongar essa espera pela vida que queremos de volta.

 

Até.

sábado, abril 17, 2021

domingo, abril 11, 2021

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Vigésimo Sétimo Dia)

 

Essa semana que termina hoje ou terminou ontem, dependendo de como se considera o início de cada semana, na segunda-feira dia cinco de abril, para ser mais específico, completei quarenta e nove anos de idade. Foi o segundo aniversário que passei durante a pandemia de COVID-19. Ano passado me referi ao dia como “o aniversário do ano da peste”, acreditando que agora, 2021, já teríamos terminado com isso.

 

Na verdade, imaginei que os aniversários do final de 2020 seriam comemorados presencialmente, já livres da pandemia. Estava redonda e miseravelmente enganado. Assim como outras previsões que fiz com relação à duração da pandemia. Todas erradas.

 

Paciência.

 

Dizia eu, então, que fiz quarenta e nove anos essa semana que termina ou já terminou, o que obviamente quer dizer que entrei no quinquagésimo ano de vida, que completarei no nem tão próximo cinco de abril de dois mil e vinte dois. O que quer dizer isso?

 

Nada, além de que o tempo passa.

 

Para todos nós. 

 

Vamos, desta forma, acumulando estórias para contar. Experiências e memórias, que devem ser compartilhadas, vividas – em sua maioria – em grupo, em nossos grupos sociais, família, amigos, colegas de trabalho. Entre as crueldades da pandemia, a impossibilidade da vida social, de encontros, festas e reuniões, é uma das que mais afeta a todos nós.

 

E não é diminuir a gravidade da situação.

 

Devemos continuar – vacinados ou não, recuperados ou não – com todos os cuidados e precauções para minimizar os riscos. Distanciamento social, máscaras, lavagem de mãos, ambientes arejados, evitar aglomerações, todas essas medidas devem ser tomadas diuturnamente, enquanto a vacinação avança. Em algum momento num futuro não distante, tudo isso vai melhorar, tenho certeza.

 

Temos, acima e apesar de tudo, até em homenagem à memória dos mortos pela e durante a pandemia, de seguir em frente a vida. Por mais cruel que isso possa parecer para alguém (apesar de eu não achar essa afirmação cruel), a vida sempre segue seu curso inexorável, e – como diz a música – não temos tempo a perder. Com cuidado, claro, temos que viver.

 

O que me lembra outra música, ‘Sapatos em Copacabana’, do Vitor Ramil, e o significado que ela teve e ainda tem para mim, e que pode explicar em parte a minha relação com a passagem do tempo. 

 

“Sei que não tenho idade

Sei que não tenho nome

Só minha juventude

O que não é nada mal”

 

Ouço essa música desde quase o lançamento do disco ‘Tango’, em 1987. Esse disco, que ouvi aos 15 ou 16 anos, é um dos que marcaram minha vida, e de certa maneira definiram muito do que eu viria a ouvir e – porque não – pensar a partir daí. Tem músicas que são verdadeiros hinos (para mim, para mim) e que ainda hoje são parte da minha trilha sonora pessoal.

 

São apenas oito músicas nesse trabalho, e ‘Sapatos em Copacabana’ é a primeira do lado A, a abertura do disco, música forte, densa, com o refrão escrito logo acima, espécie de cartão de visitas do que sou, ou fui. Não precisava muito mais que minha juventude. O lado A termina com ‘Joquim’, versão da clássica Joey, do Bob Dylan, contando uma história de alguém que não se encaixava com o que “a sociedade” esperava dele, um outsider, e que sofreu as consequências do modo de viver libertário. Em meio às dificuldades impostas pelo “sistema”, um período especialmente difícil e que termina com:

 

“No final de longa crise depressiva

Ele raspou completamente a cabeça

E voltou à velha forma

Com a força triplicada

Por tudo, tudo o que passou

Louco, Joquim louco

O louco do chapéu azul

Todos falavam e todos sabiam

Que o cara não se entregava”

 

Também eu, confesso, eu um momento de tentativa de virada em meio a uma decepção amorosa quase pós-adolescência, raspei a cabeça como forma de recomeço. Fez diferença, isso de raspar a cabeça? Para mim, sim, pela simbologia.

 

O lado B do disco começa com ‘Passageiro’, e termina com a (para mim, para mim) clássica ‘Loucos de Cara’, definitivamente um hino para a vida inteira, que ainda hoje – aos quarenta e nove anos de idade – volta e meia serve de orientação para o jeito que devo encarar a vida e suas tramas. A mensagem é que – não importa o que houver – fica na tua, seja quem és. A estrofe final da letra, resume tudo.

 

Se um dia qualquer
Tudo pulsar num imenso vazio
Coisas saindo do nada
Indo pro nada

Se mais nada existir
Mesmo o que sempre chamamos real
E isso pra ti for tão claro
Que nem percebas

Se um dia qualquer
Ter lucidez for o mesmo que andar
E não notares que andas
O tempo inteiro
É sinal que valeu
Pega carona no carro que vem
Se ele não vem, não importa
Fica na tua”

 

Voltando a ‘Sapatos em Copacabana’ e aos meus quarenta e nove anos de idade.

 

Já tenho (alguma) idade e (talvez) nome.

 

Minha juventude, então, por onde anda?

 

Ela continua viva, dentro de mim, de onde olho o presente, que é meu tempo, e sempre será. Sigo em frente, ciente que o meu tempo é agora e com profundo respeito pelo que passou e por quem andou comigo nesse tempo, mesmo que agora já não ande mais.

 

Assim é a vida.

 

Assim seguimos.

 

Até. 

sábado, abril 10, 2021

Sábado (e o fundo do meu olho...)


                     O olho direito, e está tudo bem...

                     Bom sábado a todos.

                     Até.

domingo, abril 04, 2021

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Vigésimo Dia)


Um estádio de futebol.

 

Há quase dez anos abandonado, o Estádio Olímpico, estádio do Grêmio Porto-Alegrense durante muitos anos até a transferência do time para a Arena OAS, no bairro Humaitá, é parte da memória afetiva da cidade. E minha também, mesmo sendo eu colorado.

 


A primeira lembrança que tenho do estádio, de estar no estádio, é de vinte e quatro de julho de 1985, à noite, para assistir à semifinal do campeonato brasileiro daquele ano entre Brasil de Pelotas e Bangu, torcendo para o time gaúcho, claro. Não lembro como e nem com que fui assistir a esse jogo, mas não importa mais.

 

A lembrança pessoal seguinte, é de dezembro de 1987, naquele que foi o primeiro show em estádio em Porto Alegre: fui assistir ao show do Sting (sessenta mil pessoas junto) no gramado, com chuva antes de começar e ao final do mesmo ficar sem saber como voltar e encontrar um amigo do meu pai (e pai de uma amiga minha) que me deu carona para casa. Parece que a abertura foi com o Capital Inicial, segundo pesquisei. Não lembro se realmente foi, mas não importa mais.

 

Passaram-se alguns anos, estamos no final dos anos noventa, e voltei ao estádio do rival futebolístico para um jogo de futebol. Um GRENAL, numa noite de meio de semana. Fui sozinho, de carro. Estacionei na lomba do cemitério (o estádio fica/ficava ao lado de uma colina onde estão boa parte dos cemitérios de Porto Alegre, os mortos assistindo os jogos do time de azul do bairro Azenha) e entrei no estádio do adversário, assisti ao jogo na torcida do Inter, absolutamente sem nenhum conhecido, e voltei para casa sem problemas, algo quase impensável nos dias de hoje em que policiais escoltam os torcedores e os estádios são quase de torcida única (abstraindo o fato de que agora – em meio à pandemia – não há torcida nos estádios.

 

Entramos no século vinte e um.

 

Formei-me médico, me casei, morei fora do país e voltei a morar em Porto Alegre. Nunca mais entrei no velho estádio do rival, o que não quer dizer que não tenho mais história com ele.

 

Maio de 2007.

 

Por aqueles dias, o Grêmio participava de uma Libertadores da América, torneio de futebol que consagra o melhor time da América do Sul. Durante as fases decisivas do campeonato, os chamados mata-mata, os times jogam dois jogos entre si, um em cada cidade, para decidir quem passa de fase. Havia jogo do Grêmio na cidade nesse dia em questão, quartas-de-final do campeonato.

 

Coincidiu de no dia do jogo vir a falecer a avó paterna da Jacque, a Nona, como era conhecida, e o velório iniciar no final da tarde para o enterro ocorrer às 21h. E tudo isso ocorrer no cemitério que fica ao lado e acima do estádio, onde ocorreria no mesmo momento o jogo. O que significa que, na capela onde velávamos o corpo da Nona, nos sentíamos dentro do estádio, tamanho era o volume dos gritos e dos cantos.

 

Muito estranho.

 

Mais estranho (e bizarro, por que não?) foi na hora em que o padre estava fazendo as orações tradicionais desse momento. Justamente em meio ao silêncio que era só quebrado pela oração recitada (a porta da capela havia sido fechada), justamente nessa hora, houve o primeiro gol do Grêmio. Foi como se estivéssemos dentro do campo. Gritaria na rua, foguetes. Todos continuamos em silêncio ouvindo o padre, no frio de uma noite em Porto Alegre.

 

Passam-se alguns anos e o Grêmio troca de estádio, abandonando o velho Olímpico, deixando-o entregue aos mendigos, drogados e aos ratos. Enquanto não resolvem pendências financeiras e administrativos, ele vai lentamente se desintegrando em meio ao lixo e escombros e memórias, sob o olhar eterno dos mortos na colina dos cemitérios.

 

Não havia mais pensado nele até ontem, quando infelizmente subi a colina dos cemitérios mais uma vez.


Os tempos de pandemia levam a velórios curtos, com pouca gente, o que pode ser menos doloroso para aqueles que se despedem de um ente querido, imagino eu. Foi assim com o tio e padrinho da Jacque, o tio Vittorio, figura querida e sempre bem humorada que não resistiu, com seus setenta e nove anos recém completos, à COVID-19. Antes de poder tomar a vacina, adoeceu. Internou, foi para a UTI, e não resistiu, infelizmente.

 

Ontem à tarde, foi o velório e a cremação.

 

Durante o velório, saí por um instante da capela. Vi uma porta que dava para um terraço e entrei. Ali, ao sol, vi o velho Olímpico do show do Sting, de um tempo em que a vida recém iniciava, semidestruído.

 

A vida segue, inexorável. 

 

Até. 
 

sábado, abril 03, 2021