segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Intolerância

Na mesma semana, com poucos dias de diferença, três episódios chegaram ao noticiário por sua estupidez e falta de sentido: duas agressões a médicos em emergências de hospital e o (com justiça muito comentado) atropelamento de mais de uma dezena de ciclistas por um motorista transtornado. Isso tudo faz pensar.

Faz pensar no grau de estresse e baixa tolerância a frustrações que tomou conta das pessoas por esses dias. Não são fatos isolados, certamente, mas sintomas de uma doença maior que afeta a todos: o isolamento, o individualismo extremo, a necessidade de satisfação de desejos/necessidades pessoais aqui e agora em detrimento do respeito e da civilidade. Os episódios refletem o crescimento da barbárie sobre a civilização.

Falando especificamente sobre os fatos.

As agressões aos médicos, atos extremos de desespero de quem procura ajuda e não consegue enxergar quem tenta ajudá-lo como tal, são reflexo de um sistema que mais cedo ou mais tarde iria descambar para isso: o crescimento da população, o encolhimento da estrutura (leitos) hospitalar ao longo dos anos, e a omissão da autoridade de saúde, por descaso ou incompetência. A corda arrebenta no lado mas fraco, quem está na linha de frente. E isso não é novo: há mais de dez anos, quando eu era plantonista em emergências, mais de uma vez fui ameaçado por uma razão ou outra, ou porque priorizávamos os mais graves, com risco de morte, a serem atendidos primeiro, ou porque estávamos lotados e não conseguíamos dar conta de atender a todos. Nunca chegou-se às vias de fato, mas poderia ter acontecido. Agredir o médico é descontar em quem está ao alcance do soco. De qualquer maneira, injustificável.

O lamentável episódio do motorista de um golf atropelando ciclistas em série numa rua de Porto Alegre - evento canalhamente classificado como "acidente" por um repórter de rádio que eu ouvia hoje cedo - mostra uma outra face dessa mesma doença. Alguém que foi "atrasado" em seu roteiro por ciclistas que seguiam pacificamente por uma via da capital gaúcha, após discutir com alguns dos ciclistas (teria tido o espelho retrovisor quebrado) subitamente acelera e passa por cima de quem estava em sua frente. Os vídeos (disponíveis na internet) são claros: as pessoas caíam como pinos de boliche. Não parou para socorrer, e isto até se pode entender: é possível que após atropelar várias pessoas em sequência, ele fosse até linchado. De qualquer maneira, não há dúvida de que foi TENTATIVA DE HOMICÍDIO. Claramente, ao avançar sobre a multidão ele sabia que poderia ter matado alguém.

Como pode alguém em princípio civilizado cometer uma insanidade dessas?

Eu que, por razões profissionais, tenho que circular muito de carro, tanto em Porto Alegre como em viagens semanais a Santa Cruz do Sul, onde dou aulas na Universidade, há tempos decidi que nada - nada - vale o risco de não estar presente na vida dos que amo. Por isso, não importa se o trânsito está complicado, se centenas de ciclistas ou caminhões ou outros carros estejam dificultando a circulação normal, apenas ligo o rádio e desligo das incomodações, enquanto fico atento ao que se passa à minha volta.

No trânsito, assim como em diversas situações da vida, se nao tem solução, não adianta estressar.

É isso.

Até.

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