segunda-feira, novembro 26, 2018

Histórias de Aeroporto

Pensamento mágico.

Nunca tive medo de andar de avião.

Nunca mesmo.

Sério.

Não tive medo quando, há quase vinte anos, voltávamos de viagem à Europa, a primeira dos Perdidos na Espace, quando fizemos um voo Paris - Frankfurt que atrasou pelo mau tempo e, quando partiu, nós sentados nas últimas fileiras, sacudiu tanto que houve ansiedade e choro, mas talvez porque alguém precisasse ficar calmo, apenas segurei a mão de Jacque e a tranquilizei, dizendo que tudo ficaria bem. Ficou. Também não fiquei nervoso quando saindo de Porto Alegre, em meio a uma tempestade de verão, sacudiu tanto que fiquei tonto e nauseado. "Mareado", mas ainda assim sem medo.

O que não quer dizer que nunca tenha criado minhas superstições quando voo.

A mais famosa delas (para mim, para mim) é a que diz que o avião não vai cair e tiver alguém conhecido a bordo. Seja lá quem for. Por exemplo, estava indo uma dia para o Rio de Janeiro e embarcou o Dr. José Camargo, cirurgião torácico e escritor. Pronto, na hora pensei, esse avião não cai de jeito nenhum. Superstição, pensamento mágico, eu sei, mas divertido.

Como nos últimos dois anos passei a viajar com certa frequência, o que me faz cliente frequente de companhia aérea e também desenvolver certas manias e rotinas ao chegar em aeroportos. O embarque prioritário, o assento que prefiro, etc. E também uma tranquilidade absoluta ao voar. Leituras, música, jogos no tablet, tudo para passar o tempo. E histórias de aeroporto e voos, evidentemente.

Ano passado, uma sequencia de atrasos, conexões perdidas, estadas em hotéis por isso, tornaram-me conhecido por pé frio. Nada demais, eu apenas conto as histórias, e o fato de morar no extremo sul do país, com mais conexões, tornam a probabilidade de problemas maiores. Como quando voltava de São Paulo numa noite de agosto de 2017.

Vinha lendo um livro interessante, fones de ouvido com cancelamento de ruído, sentado (contra minha vontade) no assento da janela. Observei Porto Alegre chegando, voltei à leitura e - quando percebi - estávamos alto de novo e o piloto informou que havíamos arremetido e estávamos a caminho de Florianópolis de onde tentaríamos voltar mais tarde. Eu não havia visto nada.

Sexta-feira da semana passada.

Após dar uma aula pela manhã, em Salvador, fui para o aeroporto para o voo que sairia às 13h50 e chegaria em Porto Alegre às 19h55, com conexão em Congonhas. No horário previsto para o embarque, era o primeiro da fila da prioridade (assentos premium). Passou o tempo. Nada. Mudou o portão.

Nada.

Por questões logísticas (seja lá o que isso seja), o voo atrasou DUAS horas para sair de Salvador. Saí de lá sabendo que havia perdido minha conexão, mas com a informação de que no voo seguinte, duas horas mais tarde, havia assentos disponíveis. Voo relativamente tranquilo. Chegamos em Congonhas, desembarque remoto, ônibus. Balcão de atendimento de conexões. Vários na fila na minha frente.

A fila avança rápido e, ao falar com a atendente, e olhando monitor com ela, vejo que fui realocado para um voo de sábado de manhã. Iria dormir em São Paulo, paciência... Chegam outros passageiros, ela pergunta se somos todos do mesmo voo (éramos) e orienta que desembarquemos e nos dirijamos ao balcão de checkin para sermos direcionados. Todos vão em direção a saída. Eu não, fico para trás.

Quando todos saem, volto a conversar com a atendente. Explico que preciso muito chegar em casa ainda na sexta-feira, pergunto se ela não pode me ajudar, e tal. Pergunta se eu não estava com o grupo. Digo que estávamos no mesmo voo, mas não juntos.

Consegue me colocar no voo que sairia em meia hora para Porto Alegre. Sucesso!

Corro até o portão de embarque, todos na fila para embarcar. Tudo corre bem.

O voo, contudo, atrasa para sair (trafego aéreo, etc).

Alguma turbulência, leio e ouço música.

Ao nos aproximar de Porto Alegre, o tempo não é bom. Relâmpagos iluminam o céu escuro. Chove forte.

Vejo Porto Alegre se aproximando na janela (estou no assento do corredor), fecho o olhos cansados do longo dia, e de repente escuto a força do motor aumentar muito. "Arremeteu, vamos para Florianópolis", penso já resignado. Mas não, circulamos em meio à chuva, reparo na tensão de outros passageiros.

Lembro que não era para eu estar nesse voo, e em histórias de pessoas que não conseguiram embarcar e depois o avião caiu. Não posso deixar de sorrir pensando na ironia caso aconteça algo, mas apenas por um fração de segundo.

Lembro que no voo, comigo, está o amigo e colega pneumologista-pediátrico Paulo Pitrez.

Fecho os olhos novamente, tudo está em paz.

Pousamos em segurança.

Até.

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