Eu tenho inveja. Eu estou arrependido.
Tenho que confessar aqui nesse espaço, afinal honestidade é uma das minhas características. Até já me sinto mais leve após essa confissão, que vou explicar na seqüência desse texto. De qualquer forma, desde já saibam que sou um grande invejoso.
Falo aqui – evidentemente – sobre um acontecimento que vai ocorrer durante todo esse ano em Porto Alegre e do qual não participarei (na verdade, já não estou participando). E por isso tenho inveja daqueles que se inscreveram a tempo e não fizeram como eu – estúpido – que quando tentei me fazê-lo já não havia mais vagas. O arrependimento é justamente por não ter me inscrito em tempo.
Enrolei, enrolei e ainda não disse do que estou falando, eu sei. Trata-se do evento ‘Fronteiras do Pensamento’ um ciclo de conferências que vai tratar do pensamento contemporâneo, indo desde o debate sobre cultura, educação, arte e o mundo. Um evento imperdível, que o cabeção que aqui escreve está perdendo. O suicídio, aqui, é quase um dever…
Começou na semana passada, com duas conferências, uma do ex-ministro da educação do Brasil, Paulo Renato de Souza, que falou sobre a escola no mundo atual, de tecnologia e velocidade. O outro conferencista da noite – e o que acentuou o meu inconformismo de ter perdido o evento – foi do francês Luc Ferry. Para quem não sabe, ele foi ministro da educação francês, muito lembrado pelo decreto que proibia o uso de símbolos religiosos pelos alunos nas escolas, que foi polêmico e muito debatido.
Como não estive lá, vou utilizar o auxílio do Caderno Cultura do jornal Zero Hora de ontem, na palavras do jornalista Carlos André Moreira:
Em um improviso dinâmico, Ferry fez a defesa da filosofia como ferramenta para que os pais possam projetar a educação que dão aos filhos. A conferência seguiu de perto, embora de forma resumida, o imenso apanhado que Ferry faz no livro Aprender a Viver, recuperando o objetivo original da filosofia na Antigüidade grega, o de "busca da vida boa".
- A filosofia nos ensina como superar os medos que nos separam da vida e dos outros. Ela trata do que pode salvar os humanos dos medos que nos impedem de viver uma vida boa - comentou o ex-ministro
Ferry prosseguiu elencando os três conjuntos de medos fundamentais sobre os quais se discorre desde a Antigüidade. O primeiro deles seria o dos medos sociais, o medo das pequenas situações de exposição e convivência, como o medo de falar em público, de ser o centro das atenções, de ser ignorado em uma situação de diálogo ou de confraternização. Depois desses medos mais corriqueiros, viriam as fobias, os medos mais profundos, e, Ferry ressaltou, medos surpreendentemente contornáveis.
- A maioria dos seres humanos convive bem com suas fobias, aprende a seguir sua vida com elas. Se você tem fobia de elevador, sobe pela escada. Se tem fobia de viajar de avião, vai de carro.
O terceiro medo essencial, central para a argumentação de Ferry e objeto dos questionamentos da filosofia, é o medo da morte. Esse medo, explicou, não se refere apenas à própria morte física de quem sente o medo, e sim ao desaparecimento de entes queridos, mães, pais, filhos, pessoas amadas. Vencer a morte, para a sociedade grega, era possível por três maneiras: ter filhos - uma noção física de permanência, já que os filhos permanecem com traços herdados de seus antepassados -, ser herói, um herói cujo nome seria inscrito na história, como Aquiles, e encontrar, por meio do pensamento racional, um papel na grande ordem do universo: o Cosmos.
Era o papel da filosofia ajudar o homem a encontrar esse papel, e era o que faziam os estóicos - a escola liderada por Zenão, para os quais uma vida boa era vivida por quem encontrasse seu Lugar Justo na ordem do mundo. Em francês, como em português, a palavra Justo tem o sentido de algo harmonizado com a justiça e, ao mesmo tempo, algo que está no lugar certo, sem sobras ou faltas, ajustado.
Mas Ferry, defensor de um humanismo para quem a filosofia é uma doutrina de salvação sem Deus, não pôde deixar de comentar também o momento em que a filosofia cristã disputou corações e mentes com essa visão racional do mundo - e venceu. Citando um texto de São Justino, apologista cristão que viveu no século 2, lembrou que a promessa cristã não era de uma abstrata adequação à ordem natural, e sim a de encontrar entes queridos em outra vida - o que mudou definitivamente o conceito de salvação. Filosofia, diz Ferry, é a doutrina da salvação sem Deus - e assim, na ausência de fé, o caminho para dirimir o medo da morte é a filosofia.
A religião, segundo Ferry, é a saída pessoal, individual, mas não é necessária para o estabelecimento de um código moral. A religião oferece respostas para questões metafísicas, tanto quanto o pensamento racional, mas não tem direta ligação com a existência de moral. É possível haver uma moral laica porque a moral diz respeito a questões de ação terrena. E é justamente a moral o que faz ligação com o tema educação citado por Ferry no início da conferência.
Entraria aí a transmissão de três valores fundamentais, os quais seriam a chave para saber se um pai cumpriu a contento a função de educar: o Amor, que faz uma criança ter uma vida feliz, a Lei, que ensina o limite do outro e a sociedade, e a Cultura, que é o entendimento da verdade. Esses elementos aparecem de forma recorrente em cada uma das três principais tradições do ocidente: cristã, judaica e grega.
Tenho razão em estar com inveja de quem esteve lá, certo?
Até.
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