domingo, novembro 19, 2023

A Sopa

Quando todo mundo é prioridade, ninguém é prioridade. 

Pensei nisso semana passada, enquanto observava o embarque para um voo de Porto Alegre para São Paulo, aonde iria para participar de um evento médico em um hotel na Capital paulista. Estava indo como médico, não como músico ou sócio de uma escola de música dedicada ao rock. É engraçado dizer isso, mas esse ano estive mais em São Paulo por música do que por medicina.

 

E lembro dos meus tempos de adolescente na transição para a vida adulta, de ser (representar) diferentes personas nos diferentes ambientes de convivência. É parte do crescer isso, esse processo de adaptação em que nos “moldamos” conforme o grupo em que estamos para sermos aceitos, para fazermos parte, para sentirmos que pertencemos a algum grupo ou turma. Até que um dia nos damos conta que sermos quem realmente somos é o que fará nos pertencer. Ou não, e aí isso talvez não seja tão importante.

 

Quem ia para o evento em São Paulo era o médico, mas também era o músico e o sócio de uma escola de música dedicada ao rock, e o escritor, e o ciclista que quebrou o braço e teve que colocar uma placa fixada por alguns parafusos. Todos são o mesmo. Todos somos eu. E está tudo certo, evidentemente. Posso pertencer a diferentes grupos sendo único, sendo eu. E, de novo, ou não, e está tudo bem. Esse o grande aprendizado que a passagem do tempo, a experiência nos traz: let it be, ou fica na tua...

 

De volta ao embarque no voo que me levaria à São Paulo, eu havia comprado o chamado assento conforto, que dá prioridade no embarque, além do um espaço um pouco maior paras as pernas. Principalmente pelo embarque prioritário, em virtude da mala de mão, para ter a garantia, na medida do possível, de conseguir lugar para a mala de mão junto ao assento, até porque o conceito de levar uma bagagem de mão é bem elástico para parte dos passageiros, mas essa não é a discussão no momento.

 

O assento conforto me dá prioridade de embarque logo após o embarque dos passageiros que são ‘prioridade por lei’ (acho um termo antipático, porque dá a ideia – verdadeira - de que precisa de uma lei para dar prioridade a passageiros com mais de 60 anos, pessoas portadoras de deficiência, gestantes, lactantes e pessoas com crianças de colo, até 2 anos de idade) e aqueles com status Diamante no programa de milhas da companhia aérea. Tudo certo, justo.

 

Esperando pela minha vez de embarcar, não consigo não reparar com o que acontece na fila de prioridades por lei: quase todos vão para essa fila. Tantos aqueles que são as verdadeiras prioridades quando aqueles que usam o elástico conceito de que também tem direito a terem prioridades. Pais com crianças maiores, não de colo, familiares de passageiros de sessenta e poucos anos que embarcam junto, entre outros. A fila de prioridades fica quase maior do que as outras. E, nesse conceito vago de que tem direito a ser prioridade, os reais passageiros que deveriam ser prioritários acabem ficando para trás.

 

E não falo de mim, não advogo em causa própria. Eu comprei meu embarque antecipado, para ser feito depois de todas as prioridades, mas antes do embarque normal. Só isso, sem estresse. 

 

Mas que não consegui deixar de reparar esse comportamento tipo “levar vantagem em tudo”, não consegui.

 

Até.

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