domingo, abril 18, 2010

A Sopa 09/36

O dinheiro é o mal, vocês sabem.

Não, não penso isso. Bobagem. Não sou contra com o consumo e nem sou um anticapitalista. Muito antes pelo contrário. Mas devo admitir que a – chamem como quiserem – tentação trazida pelo dinheiro é sutil, se instala e pode tomar conta de nós antes que percebamos.

Por que digo isso?

Explico.

Há alguns anos, decidi – depois de muito pensar e sofrer – que preferia ganhar menos (em comparação com outros colegas de profissão, por exemplo) e levar uma vida mais modesta a ter que sacrificar minha qualidade de vida. E, no momento em que decidi isso, qualidade de vida significava não fazer plantões (não trabalhar em noites nem em finais de semana). Além disso, queria trabalhar especificamente na minha área de especialização, pneumologia. O que significava não trabalhar como clínico geral em plantões em emergências ou pronto-atendimentos.

Isso foi logo que voltei do Canadá, quando não tinha nenhuma posição me esperando ao chegar ao Brasil e o mais simples talvez fosse voltar aos plantões para ter uma renda boa mais rapidamente. Mas decidi que não era o que eu queria, e arquei com as conseqüências da minha decisão.

Levou certo tempo, mas as coisas acabaram se acertando. Em 2008, fiz o concurso para a Prefeitura de Porto Alegre (a idéia de um emprego público, estabilidade, me agradava) e fui aprovado em segundo lugar para Médico Pneumologista. Enquanto aguardava a convocação, surgiu a oportunidade de ser professor universitário, só que numa cidade distante 150 km de Porto Alegre. Fui convidado em setembro do ano passado, e comecei em outubro como Professor-Adjunto de Pneumologia. Uma vez por semana, às terças-feiras, saio antes das seis horas da manhã de casa e viajo para passar o dia sendo professor, voltando no final da tarde, direto para pegar a Marina na escola.

Tudo vinha bem até fevereiro último, quando o que estava bom pareceu melhorar. Fui convocado pela prefeitura, referente ao concurso que eu havia feito em 2008. Maravilha, espetáculo. Além de professor e de minhas outras atividades (médico do Pavilhão Pereira Filho da Santa Casa de Porto Alegre, membro da diretoria da Sociedade de Pneumologia do RS e da Associação dos Médicos do Hospital da PUCRS, e por aí vai) seria também pneumologista da prefeitura de Porto Alegre, trabalhando em um posto de saúde. Seria.

Após tomar posse no cargo, fui encaminhado para a Secretaria de Saúde do Município, de onde seria a minha designação, o local em que eu exerceria minhas atividades. Qual não foi minha surpresa quando descobri que eu estava designado para trabalhar no SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) como médico emergencista, absolutamente nada a ver com minha formação, e depois de mais de seis anos desde que havia abandonado o trabalho como médico de emergência.

Conversei com todas as pessoas, e nada. Era essa a vaga e ponto final. O esquema de trabalho era de plantões (de seis horas durante o dia e doze horas noturnas em dias úteis e, mais, de vinte e quatro horas aos finais de semana). E eu não era o único. Outros colegas de outras especialidades haviam sido chamados e designados como eu. Um claro desvio de função. A meu ver, seria como se eu fosse professor de português, fizesse um concurso para professor de português e fosse nomeado para ser professor de matemática. A vantagem, segundo vários que com quem conversei, é de que o salário de plantonista é maior do que o médico de posto, que tem que ir todos os dias no posto de saúde, e o plantonista não. Era “uma sorte” ter sido designado como fui.

Ao mesmo tempo em que acontecia isso, fui convidado pela Universidade para dobrar o número de horas como professor, uma proposta irrecusável. Vendo cifrões em minha frente, iniciei como plantonista e vou começar em maio a maior carga horária na Universidade.

Até que, uns dias atrás, percebi o que estava fazendo.

Estava abrindo mão do que queria para a minha vida em prol de uma renda maior. Estava sendo seduzido pelo dinheiro. Não que ganhar mais seja ruim, pelo contrário, como já falei. Mas deixar de lado a minha idéia de qualidade de vida para ganhar ainda mais fazendo plantões e trabalhando numa especialidade que não é a minha é um pouco de exagero. Percebi isso quando, em função do trabalho, passei quase toda a semana passada vendo a Marina muito pouco.

Basta, pensei.

Conversei com a chefia do meu setor e disse que não posso continuar no esquema do serviço, que gostaria de ajeitar as coisas (o que significa ser transferido para trabalhar em um posto de saúde como pneumologista) da melhor forma possível e sem a necessidade de ter que entrar na justiça para ser designado para a função para a qual fiz concurso e fui aprovado e nomeado. Ficou de tentar me ajudar.

Aguardo, mas não por muito tempo.

Até.

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