domingo, janeiro 05, 2020

A Sopa

(Ano 19, Número 8)

Retrospectiva (Final).

Um momento libertador.

Recapitulando, em fevereiro de 2019, dez meses antes do que eu imaginava, virara profissional liberal. Os fatos atropelaram o que eu havia projetado, mas sabemos que a vida é assim, é aquilo acontece enquanto fazemos planos. O momento do comunicado da demissão, feito pelo meu gestor na empresa (colega médico, conhecido há muitos anos) e pela diretora da área médica (que já havia se tornado uma querida amiga), ambos entre constrangidos e chateados, foi tranquila para mim, como já disse.

Primeiro, porque não fui pego de surpresa, afinal quando chamado para a reunião de maneira formal, sem motivo aparente, já indicava o que aconteceria. Foram vinte e quatro horas entre a convocação e o comunicado, e já havia digerido a ideia. Mas, principalmente, porque era um movimento que eu imaginava fazer, não tão no início do ano, admito. E foi o que disse a eles, que ficassem tranquilos, eu ficaria bem. Mundo corporativo, sem mágoas.

A partir do ocorrido, justamente na semana em que voltara de férias (e lamentei não ter sabido antes, pois poderia ter estendido as mesmas por mais uns dias) decidi que não pensaria em trabalho até o final do mês de fevereiro, e assim o fiz.

Quando março iniciou, após pensar um pouco, decidi que 2019 seria como um ano sabático, mas não exatamente como as pessoas imaginam esse tipo de período: eu – durante o ano – trabalharia apenas no consultório. Me dedicaria apenas ao atendimento de pacientes, e não assumiria nenhuma outra função. Com isso, teria tempo para retomar atividades que estavam relegadas a um segundo plano, por pura falta de tempo, porque corria atrás da cenoura que nunca alcançaria.

A partir dessa decisão, decidi não prestar nenhum concurso para professor universitário (houve dois ou três que poderia me candidatar), não buscar outras funções ou atividades administrativas. Isso ocorreu ao mesmo tempo em que vivi um período de – como chamei – “quarentena informal” no relacionamento com outras empresas da indústria farmacêutica (por motivos óbvios), o que significou não ser chamado para eventos e outras atividades.

E era o que eu queria.

Viajar menos, ficar mais em casa, viver de forma mais tranquila.

Claro que não isento de angústias e ansiedades. O fato de ser profissional liberal implica em rendimento variável, dependente do movimento de pacientes, de convênios, e até da sazonalidade (sou pneumologista). Mas a dúvida é o preço da pureza (como disse Sartre e cantou Humberto Gessinger) e é inútil ter certeza.

Ao longo do ano, vivi momentos eventuais de ansiedade pela ausência daquela segurança de que todos os dias quinze e trinta entraria um valor certo, tranquilo, independente do que acontecesse. Como falei antes, era o ônus de não ter emprego de carteira assinada, décimo-terceiro e férias. Foi a primeira vez em que me encontrei nessa situação. Por outro lado, logo eu me dava conta dos benefícios de não ser empregado e nem ter chefe: a liberdade de ser senhor do meu tempo.  

Minha rotina mudou. A ausência das viagens me fez ficar mais tempo em casa e, claro, no consultório. Foi um recomeçar, pois o tempo em que estive ausente certamente me fez perder pacientes ou, no mínimo, não ganhar novos. Como ter novos pacientes se não estava atendendo? Resposta óbvia. Então o ano foi o reinício do consultório, e sabia (sei) que esse é um processo lento, que leva tempo, e que ainda está em andamento.

Mais importante, talvez, foi ter – ao longo do ano – encontrado mais tempo para mim, para estar mais presente. Para escrever (e essa Sopa é justamente o retorno ao exercício da escrita), para ficar mais em casa (e cozinhar alguns dias), ler mais livros e menos telas (desafio que ainda enfrento),  voltar a praticar exercício físicos. Esse último item merece um destaque especial.

Ainda no tempo da adolescência e durante a faculdade de medicina, eu era extremamente ativo, principalmente nos verões na praia. Passava os verões no litoral gaúcho, os meses de janeiro e fevereiro eram de intensas atividades diárias. Acordava cedo, caminhava e jogava vôlei na praia pela manhã, e futebol todos os finais de tarde, de segunda à segunda. Mas isso acabou com o tempo, ou a falta de, derivada das atividades do dia-a-dia.

Virei sedentário.

Quando tentei retornar às atividades, já há algum tempo, tive problemas de menisco nos dois joelhos, e fui submetido a artroscopias em ambos. Voltei a ficar parado. Há uns três anos, comecei a nadar. Durante um ano, mais ou menos, ia nadar ainda antes das seis horas da manhã, e iniciava o dia superbem. Até que cansei. Troquei para musculação, que fiz durante um tempo, mas parei por falta de entusiasmo e pela estrutura da academia que fazia.

Há mais ou menos um ano e meio atrás, fomos comprar uma bicicleta de presente para a Marina, e – no embalo – comprei uma para mim. Ficou aos menos seis meses parada porque tinha algo no freio que não estava bem, e não tinha tempo/animação de ir olhar. Estava acumulando pó na garagem.

Quando ocorreu o evento do meu desligamento da empresa, decidi que era hora de retomar as atividades físicas, de deixar de ser sedentário, de trocar tempo de aeroporto pelo ar livre.  Passei a ser ciclista, digamos assim. Quando a meteorologia permitia, conseguia sair até três ou quatro vezes por semana. Estava legal, mas não era o suficiente.

Primeiro porque moro no sul do Brasil, e o tempo – principalmente no outono e no inverno – não colabora, e – mais importante – porque chega um momento da vida que temos que reforçar a musculatura, porque vamos começar a perder, e isso está associado com a qualidade de vida. Com esse pensamento, de que precisava voltar a musculação, passei quase seis meses procurando uma academia.

Visitei várias, nunca me agradava.

Até que uma amiga me indicou a academia que ela frequentava. Fui visitar e foi sintonia imediata: comecei e tenho sido frequentador regular já há quatro meses, quatro vezes por semana. Nos finais de semana, ainda o ciclismo, agora muito melhor pela bicicleta nova que me dei de presente de Natal.

Mudou muito a vida nesse último ano, e o que eu mais dizia é que ia ser a primeira vez em dez anos que eu ia terminar o ano de trabalho sem precisar entregar nenhum relatório ou projeto. Dia 20/12 fechei o consultório para abrir apenas no dia 02/01/2020 sem precisar prestar contas de nada para ninguém. Como eu havia dito, libertador.

O ano que recém terminou foi, sem dúvida nenhuma, o ano da qualidade de vida. Como sempre, coisas boas, e outras não, aconteceram. Também, como sempre, preocupações e angustias foram inevitáveis. É da vida. O mais importante, no final das contas, é que foi um ano em que pude desacelerar e focar no que é fundamental.

Para 2020, que já começou, espero continuar nesse ritmo, e encontrar mais os amigos, mais churrascos e cafés.

Valeu.

Até.

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