domingo, maio 16, 2010

A Sopa 09/40

“E depois?”

Essa foi a pergunta que me fez o Allan (do blog Carta da Itália) ao ler as últimas atualizações do meu imbróglio com a prefeitura de Porto Alegre, mais especificamente com a Secretaria da Saúde. Perguntou isso após ver uma foto com a legenda “a road to freedom” e dizendo que me despeço do serviço público.

Para quem não acompanhou ou cansou de ouvir falar a respeito (eu mesmo cansei disso tudo, sintoma que pode ajudar a defini-la de vez), um resumo.

Fiz concurso da Prefeitura de Porto Alegre para Médico Pneumologista e fui aprovado em 2º lugar. Dois anos após o mesmo, fui convocado, tomei posse e, apenas após isso, fui informado que havia sido designado para função de emergencista e lotado no SAMU, serviço de atendimento de urgência, num claro desvio de função. Comecei na função e tentei me adaptar, o que não foi possível devido a circunstâncias da minha vida profissional e pessoal.

Comecei, então, uma maratona de conversas e reuniões tentando conseguir a transferência para a função para a qual fiz concurso. Surgiu uma oportunidade que seria perfeita, atuando como pneumologista e num local geograficamente bem situado com relação aos meus roteiros diários por Porto Alegre. Pareceu que a situação seria bem resolvida, afinal de contas. Mas nem sempre as coisas são como deveriam ser.

Tudo culminou na última quarta-feira quando o próprio secretário da saúde me ligou me oferecendo uma vaga em outra função que não era aquela a qual eu havia feito o concurso, com o agravante de que era geograficamente inviável para mim. Disse a ele que não tinha como ajudar. Perguntei sobre aquela oportunidade que havia, e ele fechou as portas a ela. Ainda apelei para o bom senso, conversando mais duas vezes com o assessor direto dele.

Sem sucesso.

Cheguei ao meu limite, então, e resolvi me exonerar do serviço público, após apenas dois meses desde que comecei. Comuniquei a minha chefia direta que a partir de sexta-feira (quando estaria de plantão novamente) já não estarei mais trabalhando (estava de plantão ontem e, apesar de aconselhado a não aparecer no trabalho, minha consciência me mandou ir para não deixar nenhum colega na mão). No momento em que escrevo essa Sopa, já fiz o plantão e não farei mais. Se nada mudar nos próximos dias (ainda aguardo a remota possibilidade de alguma mudança a meu favor), no final do mês estarei oficialmente fora.

Num momento em que tudo o que dizem nas ruas e na imprensa é que faltam médicos e especialistas no serviço público, que atendam no postos de saúde (que tem a remuneração menor que o pronto-socorro e o SAMU), acho o fim do mundo eu, médico especialista, com doutorado e pós-doutorado no exterior, que estou disposto a trabalhar no posto de saúde, ser obrigado a me exonerar porque não consigo exercer a função na qual me especializei e para a qual fiz concurso. Perguntam-me por que não entro na justiça, como outros fizeram.

Por uma questão de princípios. Não vou entrar na justiça para requerer algo que é meu por direito. Estou certo, tenho razão, e não vou ficar à mercê de decisões ou falta de vontade política dos gestores públicos. A justiça estaria do meu lado (porque tenho razão), mas me recuso a seguir esse caminho nessa situação. Talvez o serviço público não seja, no fim das contas, para mim.

Outra pergunta que me foi feita foi “por que não ficar lá até conseguir transferência para onde queres, ou ao menos até o final do estágio probatório?”.

São três anos de estágio probatório, e nenhuma garantia de conseguir a transferência após esse prazo. Não tenho três anos para jogar fora fazendo plantões e não sendo dono do meu tempo. O que significa isso? Que as escalas de plantão são feitas mensalmente e não tenho controle sobre isso. Qualquer planejamento fica na dependência de conseguir trocar os plantões ou compensá-los dobrando carga horária em outros momentos. Trabalhando finais de semana, que é quando teria mais tempo para ficar com minha filha (ter pacientes internados e ir vê-los nos finais de semana é um coisa, ficar vinte e quatro horas de plantão é outra bem diferente).

O meu tempo livre – aquele que dedico à família e aos amigos – é muito valioso para deixar sob controle de outros. Qualidade de vida é tudo o que busco, sempre.

Chego então à pergunta que me fez o Allan: “e depois?”.

Bom, vou direcionar meus esforços e tempo a algumas coisas que não estava conseguindo fazer, vou realocar mais tempo para atividades profissionais onde sou o meu próprio chefe, como meu consultório, e tenho certeza que em pouco tempo estarei até mais tranqüilo que no serviço público.

E como nada na vida é definitivo, se por acaso a prefeitura mudar de idéia em tempo (no que não acredito), talvez ainda possa continuar. Mas nos plantões, certamente não.

Até.

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