domingo, novembro 24, 2019

A Sopa


(Ano 19, Número 02)

Confissão.

Assim que me formei em medicina, lá no século passado, após uns poucos dias de férias, iniciei a residência médica em Clínica Médica/Pneumologia. Naquela época, a residência (pós-graduação, especialização) começava logo após o ano novo, no dia 02 de janeiro. Assim foi, e logo no primeiro dia fui sorteado para estar de plantão naquele mesmo dia. Comecei a residência numa segunda-feira, já de plantão.

O primeiro momento de folga foi no final da semana, sábado à tarde, depois de ter visto os pacientes no hospital pela manhã. Cheguei em casa, almocei, parei um pouco e pensei:

“Terminei a primeira semana. Como é que não descobriram até agora que eu não sei nada, que sou uma fraude?”. 

Essa sensação, esse sentimento, tem um nome, um diagnóstico (mesmo que não oficial): Síndrome do Impostor. Naquela época, eu não sabia disso, e nem sabia que era bem comum. Por isso, nunca comentei com ninguém.

O tempo passou, essa sensação inicial arrefeceu, a confiança e tranquilidade aumentaram, mas – de tempos em tempos – retornava. Aquela sensação de que o local em que eu estava não era aquele em que eu deveria estar, de que estava “enganando”, de que em algum momento seria desmascarado. Era um sentimento passageiro, mas incomodava. Durante o período em que durava, era como se eu estivesse acuado num canto de um ringue de boxe, apenas na defensiva.

Só que não tinha ninguém mais no ringue!

Eu a chamava Síndrome da Luta de Boxe.

A Síndrome do Impostor, a ideia de que o seu sucesso decorre apenas de sorte, e não por causa do seu talento, de suas qualificações, foi primeiro descrita em 1978 pelos psicólogos Pauline Rose Clance e Suzanne Imes. Inicialmente pensou-se que afetava apenas mulheres, mas posteriormente viu-se que afeta igualmente homens e mulheres. Sabe-se hoje que essa síndrome ocorre com qualquer um que não é capaz de internalizar suas próprias conquistas. O que pode gerar estresse, ansiedade e depressão. Existe toda uma literatura abordando o assunto, especificando diferentes tipos (características) da Síndrome, e como lidar com ela, quando se é afetado por, ou quando ocorre em pessoas que estão sob seu treinamento e/ou supervisão. Admitir e existência e conversar sobre isso é um bom início.

Voltando ao meu caso...

Como disse, eu me sentia na defensiva contra um inimigo imaginário. Minhas inseguranças estavam me atacando. Eu era meu próprio inimigo.

Isso não me impediu, contudo, de seguir em frente, de avançar.

Mas isso é outra história, para outro dia.

Até.

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