(Ano 19, Número 07)
Retrospectiva (2).
Um aprendizado interessante, podemos dizer assim, mas podemos nos perguntar também se não são todos os aprendizados interessantes por si só, pelo crescimento que nos proporcionam, pelos diferentes pontos de vista que se abrem, pelo próprio fato de que quanto mais sabemos, mais sabemos que não sabemos, ou o ipse se nihil scire id unum sciat (“só sei que nada sei”) atribuído a Sócrates, o filósofo. Como dizia, um aprendizado interessante é que tudo o que acontece em nossas vidas, os fatos, as histórias, independente de (em tese) boas ou não, elas são simplesmente a forma como as vemos/vivemos. Em outras palavras, elas são como vamos contá-las.
A narrativa.
A realidade é ditada por quem conta a história.
Poderia traçar um paralelo com o que acontece no Brasil nos últimos vinte anos, mas – como já disse – esses escritos, salvo quando claramente anunciado, são sobre mim. Sobre como eu vejo o que acontece comigo, como vejo o mundo.
Voltando à retrospectiva pessoal do ano que ora termina, os eventos em parte determinantes de 2019 iniciaram ainda nos estertores de 2018, com uma constatação íntima, pessoal: eu não terminaria esse ano como terminara os últimos dois anos.
Explico.
Dentre as muitas atividades profissionais em que estava envolvido, desde o último trimestre de 2016 eu era médico contratado de uma multinacional da indústria farmacêutica. Médico especialista, com a função de trabalhar com educação médica continuada, consultoria científica. Regime de trabalho parcial, boa parte em home office, mantinha minhas atividades na Universidade e consultório. Claro, como envolvia viagens quase semanais, consultório ficou em segundo plano.
Era um trabalho muito bom, em termos de ambiente de trabalho, do grupo com que trabalhava, e – claro – salário e benefícios envolvidos. Estava muito satisfeito. Houve, contudo, um momento, depois de dois anos na função, em que senti que a perspectiva de continuar com esse trabalho estava com os dias contados. Encerrei o ano de 2018 com a tranquila certeza de que não terminaria 2019 trabalhando ali. Estava pronto para pensar em novas possibilidades, me preparar para quando saísse, o que pretendia fazer até o final desse ano.
Os fatos se desenrolaram mais rápido que eu havia imaginado. Na metade de fevereiro fui chamado para uma reunião. Fui com a certeza do que aconteceria, e que se confirmou: por questões de readequação financeira, redução de custos, reengenharia, a minha posição seria terminada e, por isso, fui desligado da empresa. Mundo corporativo, nada pessoal.
Simples assim, e foi tranquilo.
Lamentei, claro, a perda da convivência com os ótimos colegas (e, não vou negar, o salário e os benefícios, mas ofereceram um pacote de rescisão muito bom.). Poderia parecer algo muito ruim, afinal ainda na metade do ano anterior eu havia me desligado da Universidade por dificuldade em compatibilizar os dois trabalhos (e por estar cansado da estrada, 300km toda terça-feira, por mais gratificante que fosse a tarefa de ser professor). No espaço de tempo de seis meses, eu havia encerrado dois contratos de trabalho, com carteira assinada e tudo mais. Poderia ser devastador.
Mas foi libertador.
Como falei, o que aconteceu – ruim sob diferentes aspectos que se olhe – foi o determinante para tudo o que aconteceu no resto do ano, que foi muito bom. O fato em si não é o mais importante, mas sim como vi e vivi o que aconteceu.
Porque fui eu quem escrevi a história, a narrativa é minha.
Conto mais sobre isso, sobre o ano que termina, adiante, na sequência musical.
Até.