domingo, fevereiro 02, 2020

A Sopa

(Ano 19, Número 12)

Apropriação cultural.

É isso que diriam se eu resolvesse sair por aí de dreadlocks no cabelo, ou fazendo uso de algum item que estivesse associado a outras culturas diferentes da minha. Seria criticado por uns, enquanto outros não entenderiam de onde tirei cabelo para fazer isso, o que realmente seria um grande mistério (é só um exemplo, só um exemplo)...

Assunto complicado esse, em tempos de politicamente correto.

Confesso que me aproprio, sim. E faço uso daquilo que me apropriei da forma que eu bem entendo, sem nenhuma culpa. Já explico.

Mas, antes, (mais) uma declaração de princípios.

Sou muito fã do músico e escritor Chico Buarque. 

Acho ele um gênio. Apesar de não ser um grande cantor, sou completamente apaixonado por sua obra musical. Suas letras são fantásticas, desde a simplicidade de ‘A Banda’, as saudades dos carnavais que não vivi de “Noite dos Mascarados’, a maravilhosa “Quem te viu, Quem te Vê’ (“... se você sentir saudades, por favor não dê na vista, bate palma com vontade, faz de conta que é turista...”), passando pelas políticas como ‘Roda Viva’, ‘Cálice’, entre outras. 

É um gigante da música brasileira.

Mas quando olhamos para os posicionamentos políticos dele...

Ele se posiciona politicamente com o que há de pior na história política do Brasil. Suas ideias são – evidentemente que na minha opinião – completamente equivocadas, para dizer o mínimo. É fácil ser socialista em Paris...

O que potencialmente criou um dilema: posso ser fã da música de um cara que defende ideias e pessoas que estão completamente em desacordo com o que penso? Lembrou o caso de trinta anos atrás, quando um conhecido disse que não gostava da música do Cazuza porque ele era gay. Na época, olhei com estranheza e pensei que era uma grande bobagem. A resposta não mudou, apesar de não ser uma questão de preconceito o dilema atual: é uma questão de conceito mesmo. Percebi que sim, eu poderia gostar da música e discordar da visão de mundo do autor.

E me apropriar e ressignificar o que ele escreveu.

A obra de um artista, após ganhar o mundo, deixa de ser dele no sentido que é única para cada um que a lê/ouve/declama/absorve. É a beleza da arte: ela pode ser universal, mas é também uma experiência individual. E pode ter um significado diferente para cada um.

É isso o que quero dizer quando confessei me apropriar de coisas. Posso discordar frontalmente das opiniões (nesse caso) políticas do autor, e isso não é exclusivo do Chico Buarque, e ser fã da música e da poesia desse mesmo autor. E não importa a motivação da criação da obra de arte, eu vou criar para ela a história que eu quiser.

Por muito tempo cantei ‘Apesar de Você’ pensando que os anos do PT no governo (“Hoje você é quem manda, falou tá falado...”) um dia iriam acabar (“... apesar de você, amanhã há de ser um novo dia...”). Mesmo sabendo que a música foi feita em outro contexto e que agora ele a usaria de maneira oposta da minha.

Como eu disse, é a beleza da arte.

Até.

Um comentário:

Margarida Pires disse...

Politica não é comigo.
Mas conheço bem o cantor citado.
Uma continuação de bom fim de semana.
Sorrisos de luz.
Megy Maia