Pessoas tem morrido.
Comentário inútil por óbvio. Todos sabemos que pessoas morrem todos os dias, desde o início dos tempos. É a ordem natural das coisas, é da vida. Caminhamos todos os dias em direção a ela a partir do dia em que nascemos. Vida é isso mesmo, o que fazemos neste intervalo entre o nascer e o morrer. E não consigo não lembrar de Jorge Luis Borges e sua ‘Milonga de Manuel Flores’ (que foi musicada pelo genial Vitor Ramil):
Manuel Flores va a morir,
eso es moneda corriente;
morir es una costumbre
que sabe tener la gente.
Y sin embargo me duele
decirle adiós a la vida,
esa cosa tan de siempre,
tan dulce y tan conocida.
Miro en el alba mis manos,
miro en las manos las venas;
con estrañeza las miro
como si fueran ajenas.
Vendrán los cuatro balazos
y con los cuatro el olvido;
lo dijo el sabio Merlín:
morir es haber nacido.
¡Cuánto cosa en su camino
estos ojos habrán visto!
Quién sabe lo que verán
después que me juzgue Cristo.
Manuel Flores va a morir,
eso es moneda corriente:
morir es una costumbre
que sabe tener la gente.
Como disse o sábio Merlin, morrer é haver nascido. Verdade inquestionável e perturbadora, assim como a afirmação de que sin embargo me dói dizer adeus à vida, essa coisa de tão de sempre, tão doce e tão conhecida. É um pensamento antigo e, de certa forma recorrente: morrer é um desperdício... tanta história que se vai, tanto o que se perde.
Paciência, como costumo dizer.
Esses pensamentos afloram quando morre alguém conhecido, mais ou menos próximo, e chegar aos cinquenta anos tornam os mais próximos, estatisticamente falando, ainda mais próximos. Chegamos numa fase em que estamos testemunhando o ocaso de mestres, de professores que viraram amigos, também de familiares, e nos olhamos no espelho e vemos que a nossa vez vai chegar em algum momento no futuro.
Não que não soubéssemos que isso aconteceria, mas a confiança cega na imortalidade da juventude não permitia que vislumbrássemos nossa mortalidade ou finitude, mesmo que em uma noite de inverno o sono vencesse enquanto voltávamos para casa e um carro estacionado estivesse no caminho exatamente do meu lado e eu acordasse treze dias depois em uma UTI sem entender muito bem o que havia acontecido, e as lembranças daqueles dias fossem vagas e confusas, entre ver um campo verde em um dia de sol e saber que estava em um hospital.
A vida sempre segue seu caminho, independente de nossas vontades.
Pensei nisso hoje após uma troca de mensagens com amigos daquele tempo, em que éramos estudantes de segundo ano de medicina, e o comentário “pois é, estamos ficando velhos” apareceu. Estamos, realmente, e tudo bem.
O que realmente importa é o que fazemos com o tempo que temos. Com quem fazemos planos, com quem passamos tempo juntos, que histórias criamos e para quem contamos depois. Há anos afirmo isso, a vida não é muito mais que histórias para contar. Vivir para contarlo.
Temos que marcar um churrasco.
Até.
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