domingo, junho 05, 2022

A Sopa

Música.

 

Pretendia começar essa Sopa de domingo afirmando que tenho uma relação especial com a música. Desisti. Soaria pretensioso demais, afinal todos – ou quase todos – nós temos uma relação que consideramos especial com música. Nossos gostos pessoais são sempre os melhores, os mais apurados, com toda certeza e mesmo que outros discordem disso. 

 

De qualquer forma, a música tem sua importância em minha vida, desde que posso lembrar. Talvez a memória mais distante que eu tenha de música, depois de algumas músicas infantis, é de na minha casa de infância ouvir junto a meus pais os discos de vinil deles, no toca-discos, Chico Buarque. A Banda, Roda Viva, A Rita, O que Será, Mulheres de Atenas, entre muitas outras. Fui, de certa forma, forjado em MPB.

 

O primeiro disco de vinil de comprei, contudo, foi do Queen, ‘The Game’.

 

E a partir daí fui conhecendo e formando ao longo dos anos meu gosto musical.

 

De gostar de música para querer ser músico (ou tocar algum instrumento e cantar) foi uma evolução natural, mas que esbarrou na falta de uma voz com alguma afinação natural, ou o chamado ‘dom’ para música, e na falta de dedicação e disciplina para aprender a tocar um instrumento. Brincava de tocar violão, fiz algumas aulas de guitarra. Tinha uma noção de música, notas e acordes, e ainda brincava um pouco (quase nada mesmo) no piano. E só. 

 

Quando a Sopa de Ervilhas Anual do Marcelo cresceu, de alguma forma foi natural criarmos a Banda da Sopa (de Ervilhas do Marcelo) no início dos anos 2000. Éramos o Márcio (guitarra solo), o Magno (vocal e baixo) e eu (violão e segunda voz), além de integrantes eventuais (Silvester na bateria e Dani no baixo em algumas edições). Era – no meu caso, no meu caso – mais “atitude” do que talento e/ou dedicação. Fizemos alguns shows (em Sopas e até em bares) e foi isso, uma experiência divertida.

 

Eu podia dizer que já havia feito parte de uma banda. Estava feliz.

 

Façamos um corte no tempo de quase vinte anos. Terminei meu doutorado, morei dois anos no Canadá fazendo pós-doutorado, fui professor universitário, deixei de ser, trabalhei na indústria farmacêutica, voltei a ser professor (e novamente vou deixar de ser em breve, mas isso é assunto para outra Sopa), a Marina nasceu, e vivemos uma pandemia.

 

Ainda no início de 2020, em março, a Marina disse que queria fazer aulas de canto, e até fez uma aula experimental na semana que antecedeu o fechamento de tudo pelo coronavírus. Mas a pandemia colocou em compasso de espera o projeto dela de cantar. Confesso que fui inicialmente reticente, afinal pensava na minha ausência de afinação/voz para cantar.

 

Só que eu estava errado.

 

Ainda durante a pandemia, em setembro do ano passado, ela descobriu por conta própria a School of Rock, franquia internacional de escolas de música cuja sede em Porto Alegre fica a pouco mais de cem metros da nossa casa. Ela fez uma aula experimental e iniciou as aulas individuais de vocal e com banda (parte do método de ensino). Além das aulas e dos ensaios com a banda, as apresentações (shows) são parte do processo. A primeira apresentação, com repertório que incluía Deep Purple, Oasis, Red Hot Chilli Peppers, entre outros, foi em dezembro, na escola mesmo, e foi bem legal. Vimos que estava valendo a pena. 

 

O segundo show, por outro lado, foi ao ar livre, no verão, no litoral gaúcho, e foi mais legal ainda, porque a evolução da banda (todos com a mesma idade) era evidente, estavam muito melhores (não que a primeira apresentação não tenha sido boa, pelo contrário). O clima do show, a parceria entre a gurizada, a competência de todos, o ambiente “familiar” da escola, tudo isso me fez “enlouquecer”.

 

Queria fazer parte disso.

 

Após conversar com a Marina (pedir autorização a ela), decidi voltar a tocar, voltar para a música. O ‘pedir autorização dela’ foi para ver se ela não se sentiria incomodada, invadida, pelo pai estar entrando na mesma escola que ela fazia aulas, que potencialmente seria ‘o lance dela’. Ela disse que não via problemas, então me matriculei no início de março passado, já com o próximo projeto iniciando: Beatles.

 

Além de fazer aulas de guitarra semanais, de uma hora, mas que sempre duram mais porque nos empolgamos conversando, temos duas horas de ensaio como banda. No início, por óbvio, me sentia o elo mais fraco, por estar voltando a tocar após quase vinte anos, mas tem sido bem divertido e noto claramente evolução, o que me deixa bem feliz.

 

Assim chegamos na última terça-feira, trinta e um de maio. 

 

Foi o dia do show de encerramento do projeto Beatles da School of Rock, e o local em que tocamos foi Sargent Peppers Pub, em Porto Alegre, local – como o nome diz – totalmente dedicado e que homenageia os Beatles. Não tinha local melhor para fazer isso (excetuando-se, claro, o Cavern Club em Liverpool...). Foi uma noite memorável e simbólica, afinal foi nesse mesmo pub, que na época ficava em outro local, que a Jacque e eu saímos pela primeira vez juntos. Vinte e sete anos depois, fomos ali para eu tocar e ver nossa filha se apresentando também...

 

A casa estava lotada, o clima era de celebração, as apresentações estavam ótimas (a Marina arrasou) e tive ainda a honra tocar – além do Adriano, baterista, e do João, vocalista e violão, ambos ótimos - com o Thiago – diretor da escola, baixista e vocalista -  e com o mestre Tchê Gomes, meu professor de guitarra, lendário músico do rock gaúcho, e cara de uma energia e alto astral infinitos, que estimula e conduz as bandas da escola.

 

No ano dos meus cinquenta anos, mais um momento para não esquecer.

 

Até. 

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