Eu nunca joguei futebol de botão com meu avô.
Circunstâncias da vida, afinal ele faleceu quando eu tinha sete anos recém completos. Era médico, e de uma forma que não sei explicar bem foi uma das inspirações para eu decidir cursar medicina, uma mudança de planos inesperada (plot twist) para quem pretendia ser jornalista porque – vejam só – gostava de escrever. Não sei se ele jogaria comigo se tivesse sobrevivido ao infarto e à parada cardíaca que teve no aeroporto de Lisboa, quando minha avó e ele chegavam na Europa para uma viagem de férias contra as recomendações médicas, mas não importa.
Os meus sonhos não foram todos vendidos. Já me espantei que aquele garoto que ia mudar o mundo frequentou algumas festas do "Grand Monde", e meus heróis não morreram de overdose, mas alguns deles de AIDS ainda antes de existir tratamento para isso. Poderia contar diversas histórias e as músicas que as embalam, e ficaríamos a noite inteira assim, entre umas e outras, letras e músicas.
Volto a falar de música para falar de mim.
São indissociáveis, o mundo e sua trilha sonora. Cada evento, cada experiência, cada momento vivido tem sua canção. A vida pulsa num ritmo, numa batida, que forma uma longa canção/história que narra, que é – no fundo - nossa existência. Muito louco, isso. Ou sou eu?
A vida – evidentemente – não é sempre tranquila, ainda mais para alguém que convive com um grau variável de ansiedade, grande o suficiente para ser notado, mas não o bastante para ser medicado. Há momentos de estresse, momentos em que a síndrome do impostor aparece mais forte, mas há também os momentos de tranquilidade, de paz e – sim- felicidade plena (a música tem me proporcionado muitos desses momentos no último ano em especial). Sempre que estou em sintonia com o universo, digamos assim, aqueles momentos em que sinto que estou no lugar certo no momento certo, aquela sensação de pertencimento (que é muito importante para mim), uma música me vem à lembrança. Teletransporte Nº 4, do Nei Lisboa.
Seria um lindo domingo
Um grande desfile
O último show
Se houvesse um teletransporte
Se fosse arte nas mãos de deus
Porém o céu parece estúdio
Nem o silêncio não diz nada
Mesmo essas frases vão pro lixo
São como lenços de papel
Ainda por cima aquelas pernas
Algumas coisas serão eternas
Que bela ideia acreditar
Que o mundo te aprendeu
Já falei isso por aqui, mas a ideia, a imagem de que “o mundo te aprendeu” é genial.
Até.
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