Música.
Há pouco mais de uma semana, vinha eu em um Uber saindo do aeroporto de Congonhas quando recebi uma mensagem de uma amiga perguntando por onde eu andava e se poderia almoçar naquele dia. Respondi que não poderia, pois estava em São Paulo. Perguntou, por curiosidade, o que eu estava fazendo em São Paulo, e respondi que eu estava lá porque no dia seguinte – sábado – eu iria tocar em um festival de música. Foi quando me dei conta da situação, de onde eu estava e o que eu estava dizendo por mensagem (da qual fiz um print, para guardar de recordação).
Eu passara toda minha vida esperando por aquele momento...
Mas falo disso mais adiante.
Alguns dias depois daquela troca de mensagens, na semana que ora termina, vivi (vivemos) duas noites de música e encantamento, mais uma vez. E volto, tema recorrente por aqui, falar de mim, do meu umbigo, metaforicamente falando, claro.
Como um selvagem que começa a ter contato com a civilização, com linguagem estabelecida e com um mundo esquematizado, acontece – de tempos em tempos – de eu descobrir que algo que eu sentia, vivenciava ou interpretava de certa forma, e que – por distração ou ingenuidade – eu denominava de determinada maneira, já havia sido definida e explicada anteriormente. Como a Síndrome do Impostor, que antes de eu conhecer por este nome eu chamava de ‘Síndrome do Lutador de Boxe’, pois a sensação que eu tinha (tenho ainda?) às vezes era de que eu era um boxeador encurralado em um corner me defendendo de golpes de um oponente imaginário, enquanto eu estava sozinho no ringue...
O mesmo ocorreu com o que agora eu sei que é Nirvana.
Nirvana é definido nas religiões indianas como um estado permanente e definitivo de beatitude, felicidade e conhecimento, meta suprema do homem religioso, que seria obtida através de disciplina ascética e meditação, mas – num sentido geral – é utilizado designar alguém que está em um estado de plenitude e paz interior. Felicidade plena, poderia dizer. Segundo o budismo, nirvana é um estado de libertação de sofrimento, livre do apego aos sentidos e ao material, com a finalidade de buscar a paz interior e a essência da vida.
Foi justamente essa sensação, de plenitude e paz interior, ou de felicidade plena, que eu tive em fevereiro do ano passado, no litoral norte do Rio Grande do Sul (que tem uma importância gigante na minha vida), quando assisti ao show de temporada de verão da School of Rock em que a Marina cantou. Foi tamanha a felicidade, a sensação de que o mundo estava certo, a ausência de sofrimento budista, que me empolguei a ponto de querer fazer parte daquilo. Ali foi o início do processo que me fez chegar até esse texto, ainda sob o impacto da última semana.
O momento significativo seguinte foi o 31/05 do ano passado, quando tocamos, apenas três meses depois de ter iniciado como aluno, um repertório Beatles no Sgt Peppers, um tradicional pub de Porto Alegre, local onde a Jacque e eu tivemos nosso primeiro encontro, quase trinta anos atrás (o bar é o mesmo, mas numa localização diferente). Foi impactante porque, além de tocar, também assisti à Marina se apresentando.
Foi um longo ano, entre os dias trinta e um de maio de dois mil e vinte e dois e vinte e três. Muita coisa aconteceu, para o bem e para o mal. Em todos os momentos, estivemos, nosso grupo de ensaios de segunda-feira que em fevereiro desse ano passou a ser das terças-feiras, juntos, semanalmente. Ensaios, conversas, estórias e histórias. Churrascos (“nunca recuso um convite para churrasco”), porque churrasco é sempre uma possibilidade.
Fizemos show tocando “apenas” Rolling Stones no Opinião, em Porto Alegre, e depois tocamos na praia, naquele que era para ser o maior churrasco do mundo. Lá, uma das músicas quem cantou conosco foi a Marina, o que é algo que não consigo descrever com palavras, ou, melhor, é o que se chama de Nirvana: felicidade plena.
Após o show de verão, começamos a preparação do show que faríamos em maio, e que foi esse de trinta e um de maio passado de que falo. Mudou o dia de ensaios, mudou o método, o sistema. A sensação inicial foi de estranhamento, de sair da zona de conforto. E todos sabem como gosto de minha zona de conforto. Mesmo assim, encarei como um desafio e oportunidade de crescimento. Pessoalmente, estou achando interessante. Nem todos concordam, mas é do jogo. A preparação foi, como vinha dizendo, desafiadora. Para mim, em especial, por motivos médicos.
Após termos ido de turma assistir ao show dos The Black Crowes em São Paulo (noite memorável, ótimo show, encontros, um morador de rua nos oferecendo dinheiro na madrugada) em que passei mais de oito horas de pé, voltei para Porto Alegre com uma hérnia de disco lombar que piorou muito a ponto de eu ter que ser submetido a uma cirurgia de urgência e ser obrigado a ficar quase vinte dias em casa de repouso, sem fazer esforço. Quando – no hospital ainda – o cirurgião disse que eu deveria ficar sessenta dias sem tocar, respondi que seria impossível porque tínhamos um show para fazer em São Paulo e precisava estar pronto...
E estava falando sério.
Começou maio, mês que terminaria com o show de temporada, e percebi que estava em um estado de excitação e euforia crescentes com a aproximação do(s) show(s). Reconheci o sentimento enquanto ouvia o repertório que tocaríamos, que tocou incontáveis vezes enquanto dirigia pelos diferentes trajetos que faço diariamente em função de trabalho. Sabia que esse sentimento cresceria exponencialmente até o dia do show. Que o nirvana, que a iluminação, se aproximavam. E que seriam personificados nas figuras dos meus amigos Thiago e Tchê, grandes responsáveis por isso.
Fomos à São Paulo, enfim, para um festival de Master Bands (bandas de adultos) da School of Rock. Fomos juntos, ficamos em uma mesma casa (boa parte do grupo) e nos divertimos muito, objetivo final disso tudo. Voltamos para casa e, dois dias depois, tocaríamos no Sgt. Peppers, alguns pela primeira vez, minha segunda apresentação.
Foram dois dias de shows.
A primeira noite, terça-feira, foi dia do show do Rock 101 (crianças menores) e do grupo do Performance (do qual a Marina faz parte). Mais uma vez, foi uma apresentação impecável, e a Marina (não sou imparcial, eu sei) foi ainda melhor do que nas outras vezes. Como nas outras apresentações, me emocionei. Felicidade plena, nirvana. Não poderia ser melhor. O que elevou a régua para o dia seguinte, quando nós, os adultos, tocaríamos.
Modestamente, não decepcionamos.
Foi mais uma noite mágica, que vivi de maneira diferente da anterior. Se assistir à Marina se apresentar com a sua turma foi de arrepiar, de orgulho, de um tipo de felicidade que não se imagina antes de termos filhos, a noite de quarta-feira foi de celebração da amizade, da música, e – sim – do Tchê Gomes, nosso amigo e mestre, a quem pedimos para tocar com a gente o clássico ‘Não Sei’ de sua autoria, em momento apoteótico. Foi lavar a alma.
Teve, ainda, “cereja do bolo”, momento felicidade, orgulho e emoção totais, ter tido a chance de chamar a Marina ao palco para uma participação especial cantando para tocarmos. Poderia ter morrido ali, feliz...
Mas era uma noite de celebrar. Celebrar a amizade, como eu disse. Aquela criada nos ensaios, nos churrascos, nas conversas entre as músicas, nos desabafos, nas rodas de violão, na pizza na praia depois do show, nas viagens à São Paulo. Nos papos nos finais de ensaio. Também nas ameaças de churrascos de todas as terças-feiras... Mas celebramos também as amizades que foram lá para nos assistir, nos parceiros de longa data e muitas histórias.
A música proporciona isso, a conexão entre as pessoas. Cria laços, reforça antigas ligações. Sempre e cada vez mais.
A música cura, como sabiamente me disse o Tchê.
Está certo, está certo.
Até.