sexta-feira, janeiro 12, 2007

Sobre a Cicarelli e o You Tube

Indecente não é o sexo. Indecente não é acessar o vídeo.
Indecente é a censura. Indecente e inútil.

Por Reinaldo Azevedo

O YouTube está fora do ar no Brasil. Uma modelo, de 27 anos, e seu namorado, de 33, ainda não aprenderam uma lição que qualquer criança de cinco anos já sabe, e o resultado é a volta da censura no Brasil. É um esculacho. É um acinte. É uma vergonha. Além de expor ao mundo a ignorância específica da Justiça brasileira. Daniela Cicarelli despontou para a fama como uma princesinha. Está à beira se tornar a bruxa das liberdades individuais. E qual é a lição que o casal ainda não aprendeu?

Há coisas que a gente pode fazer em público, e há outras que não pode. Sexo em público pode? Costuma ser vetado pela legislação, até onde sei, de todos os países. Ainda assim, se você for tomado pelo impulso irrefreável de juntar aquilo àquilo aos olhos de toda gente, deve saber que alguma conseqüência lhe pode advir. Talvez lhe renda até um processo se os presentes não estiverem dispostos a partilhar de sua, como chamarei?, incontinência venérea. Outro eventual dissabor — foi mesmo um dissabor? — é ser fotografado ou filmado e cair no mundo. Estamos na era da economia da informação. Sei bem. Cicarelli não é juíza. Converso daqui a pouco com o juiz Lincon Antônio Andrada de Moura, da 33ª Vara Cível de São Paulo. Quero antes falar mais um pouco sobre indivíduos e suas responsabilidades.

Com a devida vênia: papai e mamãe ensinam em casa que você, depois de certa idade, não sai mostrando o piu-piu por aí, não é mesmo? No caso das mocinhas, há certas regras para sentar quando começam a usar saias. Crescer corresponde a interiorizar repressões que tornam a vida em sociedade possível. Se eu fosse falar de Freud, então, Cicarelli poderia ficar assustada. Tenho vontade de ensinar à moça que a civilização nasce da repressão do desejo e se consolida com as liberdades individuais. Ela, coitadinha, fez justamente o contrário: não conseguiu reprimir um e depois tentou reprimir o outro.

Na adolescência, os hormônios nos empurram para beijos ardentes no cinema, na estação de metrô, nos corredores de shopping, no muro atrás da escola. Os adolescentes só são seres suportáveis porque um dia envelhecem. Fossem uma categoria permanente, deveriam ser trancafiados numa jaula. Mas calma lá... Cicarelli e Tato Malzoni não são dois jovenzinhos. Quem transa em público usa essa publicidade como combustível do seu desejo. O risco — eventualmente, a certeza — de ser visto é que torna a brincadeira mais interessante, certo?

Ainda sobre a questão das responsabilidades individuais: a ex-mulher de Ronaldo, o Fenômeno, transa à luz do dia no país em que seu ex-marido é um ídolo, depois de um casamento e de uma separação igualmente ruidosos, e fica entre espantada e agravada porque foi filmada? O sucesso subiu à cabeça de Cicarelli. E pode empurrá-la para o desastre.

Agora a Justiça

Decisão judicial é para ser cumprida, claro, mas só em democracias à moda da China ou do Irã, que também censuram a Internet, é proibido lamentá-la. O juiz Lincon Antônio Andrade Moura não mandou exatamente tirar o YouTube do ar. Ele apenas ordenou que se instalasse um filtro para impedir o acesso ao vídeo do casal ardente — que, não custa lembrar, contrariava as leis espanholas ao fazer sexo em público — impossível de ser instalado. Logo, na prática, determinou que milhões de brasileiros fossem punidos por causa de:

- uma parcela ínfima que acessava o material que motivou a ação judicial;
- um casal que não aprendeu as regras básicas da convivência social, a começar das leis do país onde são recebidos como turistas.

Pergunto ao dr. Lincon:

- por que eu também tenho de ser punido pelo ato — nem vou dizer “crime” — que não cometi?;
- o sr. se informou, antes de assinar a sentença, sobre a sua pertinência técnica?;
- o que o sr. acha sobre juízes que punem coletividades por conta da ação praticada por alguns indivíduos?

A notícia correu o planeta. Por conta de Daniela, Malzoni e do juiz Andrade Moura, somos hoje, como povo, um pouco mais ridículos, um pouco mais patéticos, um pouco mais bocós, um pouco mais fim do mundo. É bom que as pessoas comprometidas com as liberdades públicas no país comecem a se mobilizar. A liberdade de expressão e as liberdades individuais, no Brasil, no fim das contas, podem depender de um homem. De um único juiz.

A transa na praia, não vi, pode ter sido um tanto ridícula. Mas talvez não tenha sido indecente. A indecência só veio depois.

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