domingo, julho 12, 2009

A Sopa 08/49

Do fundo do baú, um texto de fevereiro de 2003.

Para quem viveu o seu final de infância e adolescência nos anos oitenta e viu surgir e amadurecer o rock nacional, os três principais grupos deste período foram o Barão Vermelho (que depois se dividiu em Cazuza e o Barão, sob o comando do Frejat), os Paralamas do Sucesso e – provavelmente a mais importante de todas – a Legião Urbana. Cazuza, Herbert Vianna e Renato Russo, seus líderes e ícones para toda uma geração.

Como poetas, provavelmente o Cazuza e o Renato Russo foram mais importantes do que o Herbert. Coincidentemente, os dois morreram (cedo demais, como diz a música) de AIDS, em 1990 e 1996, respectivamente. Analisando – mesmo que superficialmente – a situação de ambos, dá para se afirmar que o conhecimento da doença provocou no Cazuza um profundo amadurecimento em termos poéticos, o que foi um reflexo da postura que tomou diante da sua enfermidade, assumindo-a publicamente e “agüentando” as conseqüências. De forma totalmente oposta, só ficou-se sabendo que o Renato Russo estava doente quando da sua morte, apesar de anteriormente já ter assumido sua homossexualidade, mas nunca revelado que tinha AIDS. Quanto à sua poesia, observando-se a evolução nas composições para a Legião, vê-se uma alternância inicial de momentos depressivos com outros de certa euforia e ou felicidade, para um final decididamente depressivo. Foram duas formas de encarar uma doença que – sem sombra de dúvida – afetou suas poesias.

Por outro lado, o terceiro dos “ícones” da música dos anos oitenta e o único que chegou ao ano dois mil, Herbert Vianna, era o que podemos considerar o mais “família” dos três. Era o protótipo do bom moço, sendo casado, pai de dois filhos, uma família constituída e estável. Talvez suas composições – e isso é apenas uma inferência – não fossem tão densas quanto as dos outros dois até por uma ausência de um sofrimento e uma angústia imensuráveis. Mesmo assim, compôs alguns dos hinos da música para toda a minha geração. Musicalmente, os Paralamas do Sucesso eram a melhor banda do rock brasileiro. Depois de um início em que foram claramente influenciados pelos ingleses do The Police, encontraram uma sonoridade própria e cresceram muito musicalmente, individualmente e como grupo.

Quando, em fevereiro de 2001, noticiou-se o acidente de ultraleve que vitimou a sua mulher e o deixou em coma, com poucas chances de recuperação (segundo diziam), foi um choque: estavam tentando terminar com nossas referências musicais ainda vivas. Paranóias à parte, parecia que estavam tentando nos deixar órfãos de novo. Sim, porque sempre que morre um ídolo nosso, nos sentimos órfãos. Por tudo isso, mais que uma vontade, era uma obrigação moral ir assistir a apresentação dos Paralamas no Planeta Atlântida. Não seria apenas um show musical. Seria praticamente uma celebração ecumênica. Como assistir uma apresentação da Legião Urbana com Renato Russo ressuscitado.

Foi por esta razão que, mesmo que estivesse chovendo desde a tarde, me aprontei e, de carro, rumei para o balneário de Atlântida, por volta das 22h do sábado passado. Ao chegar na entrada de Capão, parei num posto policial e pedi informações aos policiais de como chegar à sede campestre da SABA, local do evento. Orientado, segui em direção ao local indicado. Numa sinaleira próxima, um cambista me oferece o ingresso por R$ 50,00, dizendo que não havia ingressos no local. Disse que ele estava fora da realidade, que ia encalhar com os ingressos na mão. Ofereceu por R$ 40,00. Disse que podia ficar com o ingresso. Ia tentar comprar na bilheteria, se conseguisse estacionar.

Lugar para deixar o carro com o mínimo de segurança, essa minha principal preocupação. Chegando próximo ao local, por R$ 10,00 deixei num estacionamento de aspecto mais ou menos confiável. Caminhei cerca de 800m até chegar na entrada do evento. Cinco pessoas na fila, e consegui comprar o meu ingresso de gramado por R$ 35,00. Celular no bolso junto com um documento e as chaves do carro e da casa, fui para a primeira cobertura do Planeta Atlântida feita pela A Sopa.

É um evento grandioso, com certeza. Muitos ambientes, DJs tocam aqueles techno-alguma-coisa. Pista de skate, bungee-jump e uma variação em que se pula em queda livre numa rede suspensa. Várias praças de alimentação. Poças d’água e barro, depois das chuvas do dia anterior e da tarde. Ao fundo, o que importa: a área dos shows. São dois palcos, o palco Água e o palco Fogo, separados por telões e em disposição de L. Quando entro, Zeca Pagodinho está cantando no palco Água, e o próximo show é o que mais espero, o dos Paralamas, no palco Fogo. Posiciono-me de forma que fico longe do palco água, mas bem na frente do palco fogo. Em posição, tento fazer uma entrada, ao vivo, direto de lá, mas lembro que A Sopa não é rádio nem televisão. Ligo, então para casa e faço um rápido relato.

Termina a apresentação do Pagodinho, e de repente, torna-se quase irrespirável onde me encontro, devido ao calor. A chuva, tão temida na véspera e que havia parado ainda antes de eu chegar lá, seria uma convidada muito bem recebida neste momento. Entram no palco João Barone, Bi Ribeiro e, em sua cadeira de rodas, Herbert Vianna. O público vai ao delírio. Começam tocando “Calibre”, apenas guitarra, baixo e bateria, bem básico, assim como era no início da banda, como se estivessem recomeçando uma vida depois da morte. Essa hora, até a lua havia já aparecido.

Depois de tudo, ele canta como se nunca tivesse parado de cantar, e toca como se sempre tivesse tocado, manejando os pedais com a mão, solando onde tem que solar. Comanda o público, pede que todos batam palmas, que cantem junto. A emoção toma conta da maioria das pessoas presentes. Ele canta, e nós cantamos “... os Paralamas do sucesso vão tentar tocar na capital, e a caravana do amor então para lá também se encaminhou...”

A vida vale a pena, sempre.

Até.

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