domingo, julho 26, 2009

A Sopa 08/51

Uma historia do tempo em que morei no Canadá.

O hospital em que trabalhei a maior parte do tempo, o Toronto Western Hospital, situava-se na esquina da Dundas West com Bathurst, ocupando um quarteirão, com limites, além das já citadas, com Nassau St e Leonard Ave. Poucas quadras dali, na College St, ficava um laboratório de pesquisas que utilizávamos algumas vezes por semana.

Nos dias em que precisávamos ir até o laboratório, e se não estivesse absurdamente frio, percorríamos o trajeto a pé, passando justamente pelo Kensington Market, um dos mais antigos e famosos bairros de Toronto. No caminho, via Nassau St até a Augusta Ave, passávamos em frente a um café com mesas na rua, onde no verão invariavelmente havia alguém lendo e tomando café ou cerveja.

Ao passar em frente, normalmente uma das técnicas de pesquisa e eu, falávamos que seria muito bom poder parar para tomar uma cerveja no meio do dia. Nunca fizemos, e o local se tornou para nós o “imaginary beer’s pub”.

Em 2005, imaginei como seria a minha passagem pelo pub.

O copo e a água.

Após longa caminhada, entrei no pub imaginário.

Sentados numa mesa perto do bar, estavam o otimista e o pessimista, observando um copo com água pela metade. De vez em quando, faziam comentários um para o outro, alternadamente. Aproximei-me da mesa e sentei.

Olharam-me por alguns instantes e voltaram a debater sobre o copo com metade de água. O debate óbvio era se ele estava meio cheio ou meio vazio. Argumentavam com entusiasmo juvenil sobre as implicações morais e perspectivas históricas das duas possibilidades. O pessimista de tempos em tempos dava de ombros e resmungava “Whatever”, o que fazia o otimista ficar mais empolgado com a discussão.
Mas não durou muito.

Depois de debaterem mais alguns minutos, o pessimista encerrou a discussão com o argumento definitivo: “Que importa se o copo está meio cheio ou meio vazio, se vamos todos morrer no final da história?”. O otimista o olhou sério, sem piscar, e desistiu. “Whatever”, disse, e deu de ombros. Tinha perdido, jogara a toalha.

Foi a minha deixa para entrar na conversa.

“Vocês estão discutindo o volume de água do copo. Isso é o mais importante? Eu mesmo respondo: não! O volume não importa! O que importa é o conteúdo, é sua essência: o gosto. Melhor, a ausência dele. Água é inodora e incolor. Água não tem gosto. Quando alguém diz que a água ‘está com um gosto estranho’ no fundo está dizendo que ela está com gosto! Aquilo que as pessoas sentem quando tomam água, e pensam que é o gosto dela, não o é. Aquilo é o não-gosto, a ausência de gosto, a negação do gosto. Já pensaram nisso? Vocês pod”

Não pude continuar porque os dois levantaram e se dirigiram à saída. A última coisa que eu os ouvi comentarem entre si antes de me dirigir ao bar pedir uma cerveja imaginária foi “A gente tem que aguentar cada um por aqui…”.

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A Sopa completa hoje oito anos na sua forma semanal, que começou enviada por e-mail e evoluiu para o blog ‘A Sopa no Exílio’. A dúvida agora é saber como conciliar o tempo (que virtualmente não existe) para continuar escrevendo com essa regularidade. Se terei fôlego para chegar aos dez anos. Só mais dois, só mais dois...

Até.

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