segunda-feira, agosto 30, 2004

A Sopa 04/06

Esta edicao, que voces leem hoje (sem acentuar ainda), foi escrita ha alguns meses e apenas atualizada agora, especialmente para esse periodo de transicao enquanto faco minha mudanca e me instalo na minha nova (temporaria) casa, numa nova cidade e num novo pais, onde ficarei pelo proximo ano ou dois, me dedicando a pesquisa em pneumologia (numa oportunidade unica, que nao poderia perder) e a isso mesmo, aprender a viver num lugar diferente, em outro pais, com outro idioma e outra cultura. Comecar uma nova vida, mesmo que com prazo de validade.

Este talvez seja um dos desejos secretos mais comuns da humanidade : a oportunidade de comecar uma vida nova, num local diferente. Ter a chance de refazer alguns caminhos, tomar outras decisoes perante os mesmos fatos ja vividos, fazer outras escolhas. « E se… ». Este eh um dos dilemas mais comuns pelos quais passamos. Se nossas decisoes fossem outras, teriamos chegado onde chegamos, estariamos melhor ou pior do que estamos ? Perguntas sem resposta, claro, mas isso sempre estimula nossa imaginacao. Se eu nao tivesse entrado naquele carro e ido de onibus para casa, naquela madrugada, teria me acidentado? Nao, mas poderia ter sido assaltado e morrido, sei la. Nao importa, e certamente eh perda de tempo pensar nisso.

Mas eu falava de comecar vida nova num novo lugar. Nao eh bem assim, claro. A vida vai continuar o seu curso habitual, e ir para essa experiencia eh parte do curso ditado pelas minhas opcoes ate aqui e nao altera ou entra em conflito com outras previamente estabelecidas. E nao so isso: o que esta acontecendo eh – mais que tudo – consequencia das opcoes que tomamos (a Jacque e eu) como casal. Ficar durante um tempo relativamente grande longe nao foi uma decisao minha individualmente. Foi conjunta e nao poderia ser diferente. Nada do que eu faco hoje, eu faco sem pensar no que pode influenciar ou afetar a Jacque. Eh a minha referencia e meu norte, e por isso somos um casal. Um apoia o outro e assim vamos vivendo bem.

Quando surgiu a oportunidade dessa experiencia, as primeiras coisas que pensei foram, ‘Eu sempre quis morar um tempo fora do Brasil !’. A seguir, vieram as peocupacoes : e a Jacque, vai comigo? Os meus pais, como vou ficar tanto tempo sem ve-los ? A Beta, minha afilhada, vai ser quase uma mulher quando eu voltar, eh capaz ate de ja ter namorado… Como vai ser, meu Deus? A reacao das primeiras pessoas com quem falei foi de espanto e apoio. O Paulo, meu cunhado e grande parceiro de viagens, foi o mais entusiasmado, e botou a maior pilha. Outros, depois da surpresa inicial, ate comecaram a planejar me visitar. A minha mae, como sempre, apoiou de pronto, apesar de eu saber como eh dificil para ela ter outro filho morando longe, mesmo que por um tempo, afinal o meu irmao ja mora bem longe, em Nova York. O pai demorou um pouquinho para digerir a ideia pelas mesmas razoes acima, mas deu todo o apoio e, mais importante, estao me ajudando segurar a barra nesta fase inicial.

A Jacque, como tem sido uma constante nestes anos todos em que estamos juntos, foi maravilhosa. Mesmo sabendo como seria (e esta sendo) dificil ficarmos separados, ficou muito feliz por mim, mesmo sabendo que nao poderia ir comigo num primeiro momento. Matou no peito a ideia e tratou de me dar apoio e confianca. Sou sempre grato por te-la conhecido.

Como vai ser, como vou me adaptar, como vai ser a volta ? Nao tenho ideia, sinceramente, mas nao penso nisso. Quando chegar a hora, tudo vai dar certo. Sempre da, certo ?

#

A SOPA DESTA SEMANA EH DEDICADA A DUAS PESSOAS:

A PRIMEIRA EH A JACQUE, AFINAL COMPLETAMOS AMANHA OITO ANOS DE CASADOS E, PELA PRIMEIRA VEZ, NAO PASSAREMOS JUNTOS ESTA DATA. QUERO DIZER QUE A AMO MAIS A CADA DIA QUE PASSA, E QUE A VIDA SEM ELA NAO TEM O MESMO BRILHO.

A OUTRA PESSOA EH A KARINA, MINHA MUITO AMADA CUNHADA, QUE ATRAVESSA UM MOMENTO DELICADO EM TERMOS DE SAUDE E QUE – SE NAO POSSO ESTAR AI FISICAMENTE AO TEU LADO - MEU CORACAO E MINHA ENERGIA ESTAO 100% DO TEMPO VOLTADOS PARA PORTO ALEGRE. BEIJO E MUITA LUZ.

sábado, agosto 28, 2004

Sabado (2)

Meu segundo sabado em Toronto. E sozinho.

A angustia do primeiro dia (estar sem a Jacque por MUITO tempo) aliviou um pouco, no sentido de que nao eh mais aquela dor fisica da sexta-feira passada, mas ainda nao esta facil. Claro que tive de me ocupar com os afazeres da nova vida no hemisferio norte, como vencer os entraves burocraticos para minha licenca medica (eu acho que nao falta mais nenhum documento) e com a procura de apartamento, pesquisa de precos de coisas para a casa, mudanca, etc. Todo dia ia dormir bem tarde, cansado das correrias do dia, sem muito tempo para pensar no que ficou no Brasil, basicamente o meu coracao.

Foi uma semana de egoismo total, de pensamento centrado apenas na minha situacao, assim como tinham sido as ultimas no Brasil. Ja passou, existem coisas mais serias e graves a pensar alem da minha saudade, eu sei, mas ninguem me disse que seria facil, nem eu achei que fosse.

Das prioridades que eu tinha quando cheguei aqui, a saber, apartamento, colchao e computador, so falta agora o computador para me sentir totalmente conectado com todos. Com a familia, tenho falado todos os dias, o Neni segurando a barra em NYC, Pai & Mae dando toda forca de Porto Alegre, e a voz da Jacque sendo o balsamo que alivia minhas dores.

Os comentarios do blog (valeu pela forca, Jeferson), os emails, mensagens no Orkut, tudo tem ajudado a diminuir a sensacao de distancia.

Nao estou sozinho, eu sei.

Ah, ja tenho apartamento. A temporada de visitas esta aberta...quem quiser eh so aparecer.

quinta-feira, agosto 26, 2004

Burocracia

Ainda enrolado com algumas burocracias.

Comeco oficialmente dia 01/09 mas, efetivamente, em 09/09. Todos estarao em Glasgow para um congresso. Mais alguns dias de espera... Planejo ir a NY visitar o Neni (meu irmao) por estes dias, ate para nao ficar sozinho, no apartamento vazio, olhando para as paredes nuas e brancas... :-)

Serio, comeco a me mudar hoje. Vou levar as primeiras coisas (malas, digo) para o grande apartamento vazio e comprar os primeiros itens: um colchao de ar, e algumas outras coisinhas basicas. Hoje, ainda, vou providenciar uma linha telefonica para ter contato com todos no final de semana.

A burocracia a que me refiro no titulo deste texto eh com o College of Physicians and Surgeons of Ontario. Primeiro, nao aceitaram as minhas traducoes (tinham que ter sido validadas no consulado em Sao Paulo...). Mandei fazer, paguei C$230,00 (R$558,00). Fui entregar, e disseram que estava OK, mas faltava um copia autenticada do meu passaporte. Precisava fazer isso com um notario publico ou advogado. Liga para um, fala com outro, um me cobraria C$50,00. Outro, no proprio hospital, "apenas" C$20,00. Perfeito, mas a advogada que deveria vir hoje cedo para fazer isso nao apareceu. Quem sabe amanha...

Percebi, entao, hoje, que o meu primeiro aprendizado na estada no Canada eh ter paciencia... Fazer o que? Esperar...

terça-feira, agosto 24, 2004

Susto

Hoje cedo, ao chegar ao hospital, encontrei o Dr Zamel e o Carlos (Gutierrez, meu cicerone...) conversando sobre minha situacao, algo preocupados. Ao me inteirar do assunto, fiquei sabendo que era por causa da burocracia relacionada ao TSE.

Explico: o TSE (Test of Spoken English) eh um teste para avaliar a capacidade de alguem se comunicar em ingles. Eh uma prova em que se fica ao telefone ouvindo as perguntas e as respostas sao gravadas. Ouve-se a pergunta, tem 30seg para pensar e grava a resposta. Um stress.

Em tese, faz parte dos pre-requisitos para o Fellowship, a nao ser que alguem daqui certifique que o candidato eh proficiente em ingles.

O que aconteceu foram duas situacoes distintas:
1. Eu nao atingi o escore exigido (50 pontos em 70 possiveis).Fiz 45.
2. Nem eu nem o Dr Zamel sabiamos da opcao de ele certificar minha proficiencia.

Entao, o normal seria ele fazer a carta e certificar, certo? Certo e logico. Contudo, pelo regulamento da Universidade, a carta deveria ter chegado junto com meus outros documentos. Eu teria que fazer o TSE...

Acontece que, para fazer o TSE, deve-se fazer a inscricao 6 semanas antes e o resultado leva mais 6 semanas para sair. Doze semanas antes de eu poder comecar! So comecaria em dezembro!

O Dr Zamel dizia que tinha que haver uma saida, afinal era ilogico o lance da carta. Eu ja imaginando voltar para o Brasil e esperar ate dezembro (nao era uma ma ideia) sem trabalhar, sem dinheiro, com apartamento ja alugado aqui e tendo que fazer uns plantoezinhos em Porto Alegre para me sustentar (pessima ideia).

Como o Dr Zamel disse, tinha que haver uma solucao. Ele foi ao coordenador geral (na universidade) e falou pessoalmente com ele. Resultado: nao preciso fazer o TSE!!!

Mas tinha passado metade da manha sob forte tensao...
Fui entao resolver o lance do apartamento, depois de passar no banco e depositar minhas economias la...

Ja tenho endereco definitivo em Toronto:

35 High Park Avenue
Suite #2105
Toronto, ON
M6P 2R6

Me mudo quinta-feira para um apartamento vazio, mas com cozinha (geladeira, fogao, microondas e armarios). Como disse, minhas prioridades sao: um colchao e um computador para me comunicar com o mundo (estou agora num internet point)

Por hoje era isso.
Comentem.

domingo, agosto 22, 2004

A Sopa 04/05

Primeiro final de semana em Toronto.

Excluindo-se o estranhamento e a falta que a Jacque faz na minha vida, comeco a observar a vida canadense. Alguns fatos saltam aos olhos:
- todos com quem tive contato (desde na entrada ao pais, na imigracao, o taxista, o pessoal no hostel, e em todos os lugares onde fui) foram extremamente atenciosos e solicitos.
- educacao no transito, inclusive dos pedestres (me adaptei bem rapido a atravessar a rua so na faixa de seguranca e somente com sinal aberto para os pedestres, mesmo que nao esteja passando nenhum carro).
- MUITOS orientais. Toronto e' a cidade mais multicultural do planeta. Fala-se aqui mais de cem liguas diferentes, as etnias estao reunidas em regioes, "Little Italy", Chinatown (tem pelo menos duas), regiao dos portugueses, dos brasileiros, dos coreanos, etc. A italiana ja foi a maior comunidade, mas hoje em dia e' a chinesa.

#

Desde primeiro de junho e' proibido fumar dentro de qualquer estabelecimento (restaurantes, bares, boates) na provincia de Ontario. E realmente nao se fuma. Em compensacao, a frente desses locais esta sempre cheia de pessoas fumando. Ontem - meu segundo dia - tive minha primeira experiencia da noite de Toronto. Sai com um pessoal que conheci atraves de um colega de pos-graduacao que encontrei na rua, por acaso, no meu primeiro dia aqui.

Como em Porto Alegre, a noite comeca tarde, ate porque esta anoitecendo la pelas 20h30. Fomos a dois lugares, um com som anos 70 e outro com som mais moderno. Cerveja cara (dificil foi escolher uma entre muitas). Como havia caminhado o dia todo conhecendo a cidade, fui embora mais cedo, sozinho. Duas da manha, muitas pessoas andando na rua, na boa. A violencia aqui e' insignificante, comparado com o Brasil. Caminhar a noite sem preocupacoes e' uma das vantagens.

Existem outras, mas conto outra hora.
Ate semana que vem ou em atualizacoes mais frequentes no blog.

Ah, espero comentarios...

sábado, agosto 21, 2004

Sabado

Depois do impacto da chegada, as coisas vao entrando nos eixos. Apenas continuo sem acentuar as palavras...

Sabado de manha, sol, o melhor momento da semana, mesmo aqui no Canada.
Vou sair, passear, curtir uma de turistao, afinal so comeco com as burocracias na segunda-feira. Se der, posto A Sopa ate la.

Bom sabado a todos.

sexta-feira, agosto 20, 2004

Cheguei

Ja em Toronto, em um teclado sem acentos, como podem perceber...
Foi dificil sair, mesmo com as trezentas despedidas que fizemos.
Doeu muito deixar Porto Alegre, doi muito estar longe de todos, em especial da Jacque, mas tudo vai ser superado, e vai ser uma grande experiencia, com certeza.

Por enquanto sem fotos, logo que der mando algumas.

Sinto muita falta de todos.
Aguardo noticias.

quarta-feira, agosto 18, 2004

Deixando o Pago

Deixando o Pago
(Vitor Ramil & João da Cunha Vargas)

Alcei a perna no pingo
E saí sem rumo certo
Olhei o pampa deserto
E o céu fincado no chão
Troquei as rédeas de mão
Mudei o pala de braço
E vi a lua no espaço
Clareando todo o rincão

E a trotezito no mais
Fui aumentando a distância
Deixar o rancho da infância
Coberto pela neblina
Nunca pensei que minha sina
Fosse andar longe do pago
E trago na boca o amargo
Dum doce beijo de china

Sempre gostei da morena
É a minha cor predileta
Da carreira em cancha reta
Dum truco numa carona
Dum churrasco de mamona
Na sombra do arvoredo
Onde se oculta o segredo
Num teclado de cordeona

Cruzo a última cancela
Do campo pro corredor
E sinto um perfume de flor
Que brotou na primavera
À noite, linda que era,
Banhada pelo luar
Tive ganas de chorar
Ao ver meu rancho tapera

Como é linda a liberdade
Sobre o lombo do cavalo
E ouvir o canto do galo
Anunciando a madrugada
Dormir na beira da estrada
Num sono largo e sereno
E ver que o mundo é pequeno
E que a vida não vale nada

O pingo tranqueava largo
Na direção de um bolicho
Onde se ouvia o cochicho
De uma cordeona acordada
Era linda a madrugada
A estrela d'alva saía
No rastro das três Marias
Na volta grande da estrada

Era um baile um casamento
Quem sabe algum batizado
Eu não era convidado
Mas tava ali de cruzada
Bolicho em beira de estrada
Sempre tem um índio vago
Cachaça pra tomar um trago
Carpeta pra uma carteada

Falam muito no destino
Até nem sei se acredito
Eu fui criado solito
Mas sempre bem prevenido
Índio do queixo torcido
Que se amansou na experiência
Eu vou voltar pra querência
Lugar onde fui parido

segunda-feira, agosto 16, 2004

Pra que sofrer com despedida?

Cartão postal
Rita Lee - Paulo Coelho

Pra que
Sofrer com despedida?
Se quem parte não leva, nem o sol, nem as trevas
E quem fica não esquece
Tudo o que sonhou eu sei
Tudo é tão simples que cabe
Num cartão postal
E se a história é de amor não pode acabar mal
O adeus traz a esperança escondida
Pra que sofrer com despedida?
Se só vai quem chegou e quem vem vai partir
Você chora, se lamenta, depois vai dormir
Sabe, alguém quando parte é porque outro
Alguém vai chegar num raio de lua, na esquina, no vento ou no mar
O adeus traz a esperança escondida
Pra quê?
Sabe, alguém quando parte é porque outro
Alguém vai chegar num raio de lua, na esquina, no vento ou no mar
Pra que querer ensinar a vida?
Pra que sofrer?

domingo, agosto 15, 2004


Momento de despedidas (1): Pai & Mãe Posted by Hello

A Sopa 04/04

Estava jantando com uma amiga, há alguns anos, quando me queixei da falta de tempo - ou mesmo oportunidade - de conviver mais com os amigos, ouvi a seguinte afirmação: "Fica tranqüilo, porque amizade não tem hiato". Boa frase, grande idéia.

Contudo, demorei muito para transformar essa frase em verdade, ou melhor, viver isso como uma verdade, mesmo já tendo "ensinado-a" para algumas pessoas desde então. Apesar de teoricamente saber disso, eu ainda - de certa forma - "sofria" por não ter convívio mais freqüente com boa parte dos meus amigos. Acho que todos vivemos isso, a angústia da falta de tempo para dedicar aos outros, já que muitas vezes não temos tempo nem para nós mesmos.

Tenho amigos de diversas origens. Aqueles da turma da praia, os do colégio, primeiro e segundo graus, os da faculdade, da residência médica, os da aeronáutica, aqueles que vieram depois, do convívio do hospital e outros. Isso que nem falei da família, a de sangue e a que ganhei quando casei. É impossível manter um convívio grande com todos. Mesmo sabendo disso, muitas vezes me angustiava. Até esses últimos dias.

Vocês sabem, esses são dias de despedidas, nunca adeus, mas um até breve, obviamente. As pessoas têm se mobilizado para que possamos nos encontrar antes de eu viajar, e foi aí que eu percebi que aquela frase sobre amizade não ter hiatos tinha se tornado uma verdade para mim. E fui tomado de uma grande tranqüilidade e paz. Percebi isso através da Carla e do Alexandre.

Conheci a Carla lá no final dos anos oitenta, mais especificamente no verão de 1989. Eu recém havia passado no vestibular para medicina e cheguei na praia no meio do mês, não lembro através de quem, mas a Carla, a Florence e a Milene estavam integradas à nossa turma, a já muitas vezes falada aqui Turma do Muro. Ou seja, nos conhecemos há quase 15 anos. Convivemos muito naquela época, a turma se reunia não só no verão na praia, mas também aqui em Porto Alegre durante resto do ano. Ficamos muito amigos.

Mas como é freqüente, os caminhos nos levam a lugares diferentes e convivências outras, e a turma acabou perdendo a proximidade de antes. Foi um processo natural, sem traumas. Quando ela começou a namorar o Xande, temeu-se que ela se afastasse definitivamente da turma, que - de qualquer forma - já não tinha aquela coisa do "dia-a-dia", e, afinal, muitas vezes ocorre de o "namorado da amiga" não se integrar à turma da namorada. Não foi o que ocorreu, e isso é o mais legal de tudo.

Desde então, e agora falo especificamente de eventos que eu organizo, sempre que faço um, eles são convidados e não faltam. São realmente de fé. Algumas vezes, nos encontramos uma única vez no ano, mas sempre é muito legal e é como se estivéssemos retomando uma conversa que foi interrompida alguns poucos dias antes. É a amizade não tendo hiatos. O que é muito, mas muito, gratificante.

§

Os últimos dias têm sido, também, de "última vez que..." antes de ficar um tempo fora de Porto Alegre e do "grande" Rio Grande do Sul, aquela área que vai de norte do Chuí até o Oiapoque... Ontem de manhã, como de costume, levantei cedo, em torno das 7h15, para tomar café e ler os jornais do dia, atividade a que - sempre que possível - me dedico nos sábados pela manhã, antes de sair para jogar futebol.

Como era o último sábado antes de viajar, reeditei o "Chimarrão com milonga", que simplesmente é tomar chimarrão ouvindo (algumas vezes tocando) milongas. Sempre gostei deste tipo de música, esteticamente falando e como forma de afirmar a minha identidade de gaúcho, minha ligação com o lugar onde nasci.

Uma questão que tenho levantado nos últimos dias: a distância vai fortalecer a minha ligação com o Rio Grande (assim como está acontecendo com o Magno em sua estada em São Paulo) ou vou descobrir que não tenho tanta ligação assim com a minha cidade, meu estado e meu país? Será que tenho tamanho desprendimento? Dúvidas...

§

De qualquer forma, estou me preparando para até fundar um CTG se for preciso... Entre os meus pertences, vão junto comigo duas pequenas bandeiras, uma do Brasil e outra do Rio Grande. A camisa do Inter e uma do Brasil também. Alguns CDs com clássicos do cancioneiro gauchesco, como "Eu sou do sul", "Canto Alegretense", "Céu, sol, sul" e diversas outras. Sem falar no CD "Ramilonga", do Vítor Ramil. Só para garantir...

§

Mas isso não quer dizer que não vou fazer uma "imersão canadense". Como estou me mudando - provisoriamente, mas mudando - vou me tornar um "local", ou seja, não pretendo ficar "agarrado" nem preso às lembranças. Quero aproveitar (sei que vou) a experiência de viver no Canadá por completo.

§

Aos amigos que eu não pude e que não puderam me encontrar pelas mais diferentes razões, deixo o meu fraterno abraço lembrando que amizade não tem hiato.
Até a volta.

Ah, essa semana, o Blog deve ser atualizado diariamente. Confiram.



sábado, agosto 07, 2004

A Sopa 04/03

Minha última crônica sobre futebol.

Certo, talvez não seja a última. Continuo gostando de (tentar) jogar, permaneço torcendo para o Inter, etc, mas estou sem a menor disposição de continuar pensando (quanto mais escrevendo) sobre futebol. Cheguei ao meu limite. Como falei na sexta-feira para amigos, estou me desligando emocionalmente do assunto.

Isso que nem vi os resultados do final de semana ainda (até porque eles ainda não ocorreram). Admito, já sei que o Grêmio perdeu e sim, estou satisfeito com isso. Mas o assunto é outro. É o Inter, o time, a direção e a torcida.

Desde há alguns anos, quando comecei a acompanhar futebol de dentro dos estádios por conta própria, fui tomado por uma crescente irritação com os torcedores, muito mais com o time. Passei a ir ao estádio e passar boa parte do jogo sem prestar atenção no campo porque ficava ouvindo os comentários que vinham das sociais, de onde eu assistia ao jogo. De novo, já falei disso.

O torcedor de social é o pior tipo de torcedor que vai à campo, porque se sente dono do campinho, literalmente. Por contribuir com parte de seus rendimentos mensais ao clube, acha que entende mais de futebol que os outros, e se acha no direito de reclamar se as coisas não estão indo como ele acha que têm que ir. É o grande mala, aquele que vaia quando os alto-falantes anunciam a escalação do time.

Mas ele é torcedor, é passional, está ali para uma espécie de catarse, onde põe para fora, na forma de xingamentos ao juiz e ao seu próprio time, toda a frustração e raiva pela vidinha medíocre que ele leva, muitas vezes sendo humilhado pelo chefe - quando tem emprego - e até apanhando da mulher. O momento no estádio é o único na semana, às vezes no mês, em que ele se sente o senhor de seu destino, onde pode falar o que quiser sem ser repreendido, grita, torna-se o homem que não realidade não é. Além disso, muitos torcedores juntos configuram 'a massa'. E todos sabem, 'a massa' é passional e burra.

É por isso que quem manda num clube de futebol não pode ser um torcedor na mais pura acepção da palavra. Porque dirigir um time requer uma grande dose de racionalidade e frieza. Principalmente para não dar ouvidos à massa, porque o que essa quer na realidade é ver cabeças rolarem, quere é circo. O dirigente tem que saber discernir as coisas, deve ter a lucidez de não dar ouvidos à massa. Pois é justamente isso - dar ouvidos à massa - o que fez a direção do Inter. E foi o grande erro.

Tudo começou no início da temporada, com o Lori Sandri. Desde o início, "a torcida" não gostou dele, e, mesmo em tempos de vitórias, o vaiava sempre. Antes dos jogos iniciarem! Incomodaram tanto até que, com o time em quinto lugar no campeonato, a poucos pontos do líder, ele foi demitido. Contrataram aquele que estava disponível (não é julgamento de competência) e agora o time está em franco declínio em 15º lugar no campeonato. A mesma história aconteceu com o Ivo Wortman em 2002, lembram? Foi demitido na semifinal do campeonato gaúcho, por pressão da torcida, e hoje está no Juventude, bem à nossa frente.

Pela última vez, dirigentes não podem dar ouvidos à torcida. Neste caso, a voz do povo NÃO é a voz de Deus.

§

Se hoje é segunda-feira, dia 09 de agosto, então faltam dez dias para a minha partida. Muito pouco tempo e muita coisa que gostaria de fazer antes de ir.

Paciência, o jeito é fazer tudo o que for possível.

Despedida oficial: 12/08, 20h, na Choperia, ali no Guion.
Quem estiver a fim de ir, favor confirmar.

sexta-feira, agosto 06, 2004

E a ficha?

Não caiu, ainda.
Por vezes me dou conta que em duas semanas - DUAS! - vou estar, sozinho, em Toronto, iniciando uma vida lá. Sim, uma vida. Alguém que vai ficar em qualquer lugar por um, dois anos, está começando uma vida nova, mesmo que depois vá voltar (meu caso). É estranho, estou calmo demais. Ou negando...
Talvez a ficha só vá cair bem depois, quando eu começar no novo hospital, ou estiver morando na nova casa, sei lá.

Antes disso, tem a despedida.
12/08, 20hs, na Choperia, na Lima e Silva, na entrada do Guion.

domingo, agosto 01, 2004

A Sopa 04/02

Esta semana é só ficção, para não ficar falando sobre o meu umbigo...

Um

Bacharel em ciências jurídicas. Advogado. Não, melhor dizer bacharel em ciências jurídicas. Foi isto que me tornei. Depois de tudo o que imaginei para a minha - para as nossas - vida(s), ao menos consegui me formar em Direito. Quando digo isso, sempre lembro daquelas camisetas que dizem algo sobre "fazer direito" com o óbvio duplo sentido. Como eu ia dizendo, foi tudo o que consegui entre tudo aquilo que imaginamos para nossas vidas, que nunca foram nossas, mas sim a tua e a minha vida. Nunca fomos uma dupla, um par, nunca compartilhamos dos mesmos medos nem das mesmas expectativas. Sempre foste mais forte, mais "sabedora das coisas". Desde que lembro de ti, já sabias para onde ir e por que ir; às vezes tinhas algumas desesperanças, mas isso não mudava os teus planos. Eu, por outro lado, não sabia nem quem eu era direito, muito menos para onde queria ir. Por isso te admirava, por isso te amei.
Vinha lembrando disso enquanto estava parado num engarrafamento de final de tarde uns dias atrás. Não, não chovia nem tocava nenhuma música no rádio do carro. Afinal, quem precisa de música ou de chuva para sentir saudades? As lembranças sempre vêm quando a gente não espera, nos assaltam de repente e ficam dias rondando nossos pensamentos até voltarem ao limbo das memórias mais antigas onde ficarão até serem despertadas novamente, quem sabe por um sonho. Esta noite sonhei contigo, Carla. E com o Edu também. Vocês que foram embora há tanto tempo, que não lembramos mais por que nos separamos, tu, o Edu, o Caco, o Morte e eu. Agora deve parecer tudo sem importância, mas quem vai nos devolver o tempo perdido? Que rumos tomamos que - paralelos - não mais podemos nos reunir? No sonho estávamos reunidos, sem rancores, como nunca poderemos estar novamente. Lembro do teu sorriso. Como eu amava aquele sorriso, mesmo que algumas vezes ele fosse sarcástico a ponto de machucar sem piedade.
Estes pensamentos duraram até eu abrir a porta de casa e ser abraçado calorosamente pelo Gui. Acho que tu não sabias, mas já sou pai. Verdade. Um guri, Guilherme. Quem diria, você deve estar pensando. Eu mesmo me faço esta pergunta de vez em quando. O que é o mundo, afinal?

Dois

Não faz muito tempo, voltamos para ver o vale, para descobrir se as mesmas pedras ainda estavam nos mesmos lugares, se a luz do sol ainda nos ofuscava os olhos quando acordávamos pela manhã, se ainda podíamos andar de pés descalços no chão de terra e asfalto que levava à água. Uma gaivota indicaria a proximidade com o mar, e a areia trazida pelo vento que varre tudo confirmaria esta impressão. Talvez encontrasse um ou outro que também estivesse querendo revivê-lo.
Não havia mais o vale, nem pedras, nem a luz de antes, nem pés descalços. Havia o mar. E o vento.

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Sentado à beira da cama, ainda com o roupa que sempre usava para dormir, ele olhava através da janela, de onde via o mar. Parecia não pensar em nada, absorto em olhar o movimento dos carros que iam através da avenida que levava à praia. Ao fundo, o mar azul nem sempre azul, sem ninguém notar, avançava há décadas em direção ao continente.

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De volta à primavera e à cidade, pensava em ir ao parque – o mesmo de antes – andar sem compromisso, ver pessoas e, quem sabe, encontrar alguém. Sempre pensava em encontrar conhecidos nos lugares por onde andava, mas raramente acontecia. Talvez fosse uma coisa antiquada, não importava, ele era uma pessoa que sentia saudades. De épocas, de pessoas. O hábito de escrever em seu velho caderno de notas sobre a vida havia se perdido, e o único contato que tinha com o seu passado era através de uma música ou outra que eventualmente ouvia no rádio. Sempre se perguntava: “Afinal de contas, o que é o tempo, e o que é o mundo?”.

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Antes de ir embora, ainda tive coragem de tirar os sapatos para tentar recuperar a sensação de liberdade que lembrava e/ou imaginava de outros tempos, quando corria com eles descalços pela planície que levava ao vale, que não existe mais. Não entendi, melhor, não quis entender por que agora doíam e sangravam. As pedras soltas pelo asfalto pareciam mais cortantes que outrora, e a distância até o mar parecia bem maior do que em minhas lembranças. Frustrado, resolvi voltar para casa.
Onde ficava a minha casa, afinal?

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Sem muita vontade, resolveu vestir-se e sair de casa. Mais um dia começava sem novidades nem perspectivas. Antes de sair, parou alguns instantes para olhar o porta-retratos que ficava no armário da televisão, ritual que cumpria todas as vezes que ia deixar o lugar que um dia ele imaginara um lar. Talvez um dia ela voltasse.

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As melhores manhãs eram as de sábado, com sol. Talvez não tivessem nada de especial, talvez fosse referência a uma música qualquer que ouvira ou simplesmente a tentativa de dar um toque poético um dia da semana, não importava. Gostava de sair de casa e caminhar, quase sempre cantando para si mesmo, sem rumo certo ou tempo previsto. Andar pelo prazer de andar. Não era adepto de esportes, qualquer que fosse o tipo, mas freqüentemente se via em meio aos atletas de fins-de-semana caminhando por parques ou na beira da praia. Misturava-se a eles e, se não fosse pelas roupas inadequadas para o jogging, seria confundido com um deles. Não se importava, não fazia nenhuma diferença para ele.