Perspectiva.
Vez
por outra, é preciso parar, se afastar de tudo, e olhar a vida com certo
distanciamento, para poder avaliar e reavaliar os caminhos já trilhados e aqueles
que estão a nossa frente. Costumo lembrar a música ‘Paisagem Campestre’, do
grande Nei Lisboa, que fala “Eu subi pro alto da montanha / Pra ver a planície
/ Os homens pequeninos / A aldeia de longe, longe, longe...”, e que fala
exatamente isso. Claro que a música não é sobre reavaliar a vida. Ele se afasta
mais do que tudo para esquecer Rosa. Após meses, uma súbita compreensão o faz
voltar ao convívio das gentes, mas ele chega, ora vejam, a tempo de ver o
casamento de Rosa com o filho do comerciante mais rico da cidade. Conclui ele,
ao final, “Ah, vidinha burra / Nunca mais subi a montanha”...
Não
é, evidentemente, esse o enfoque do que quero falar.
Ainda
fugindo do assunto principal, e mantendo-me na música, lembro que, no meu
primeiro ano de residência médica em clínica, tive uma paciente chamada –
justamente – Rosa. Caso complicado, portadora de hipertensão arterial grave de
difícil controle, com insuficiência renal devido à pressão alta, ela ficou
internada por mais de um mês na enfermaria. Pois não é que passei esse mês
inteiro entrando na enfermaria com essa música em mente? Ainda hoje, quando a ouço,
lembro da paciente, que perdi de vista e certamente veio a falecer pouco tempo
depois...
Mas
falava de parar para reavaliar a vida.
Usualmente,
nem conseguimos parar um pouco para pensar, presos que estamos nessa loucura
que é a vida diária, quanto mais subir uma montanha. Mas, de tempos em tempos,
surge uma oportunidade de nos depararmos com quem éramos no passado, olhar como
tem sido a vida com aquele distanciamento de que falei, e poder discutir isso
com quem te conhece desde o tempo em que as primeiras encruzilhadas apareceram
e as primeiras escolhas foram feitas. Quem acompanha essa caminhada desde o
início, e quem pode dizer, sem medo, se estás errado ou não. Poucas pessoas no
mundo têm essas credenciais, e quando nos reunimos é sempre revelador.
Aconteceu
na sexta-feira que passou.
Fomos
surpreendidos, o Márcio e eu, por um e-mail na quarta à tarde, avisando que o
Radica estava chegando a Porto Alegre naquele mesmo dia. Organizamos nossos
horários e nos reunimos para um happy hour na sexta-feira no final do dia. Conversamos,
conversamos, conversamos e conversamos, como fazemos há quase vinte e cinco anos.
Sobre tudo, como sempre. Determinada hora, depois de uma pizza, o rompante
adolescente: vamos para onde agora?
Para
a praia, claro.
Dez
e meia da noite, estávamos na estrada contando histórias. Por volta da
meia-noite, chegamos ao litoral norte, numa noite típica do litoral norte
gaúcho no inverno: deserto, vento nordeste inclemente, frio. Impossível descer
do carro sem comer areia. Circulamos por ruas desertas, paramos por uns minutos
numa praça para um brinde a nós, e pegamos a estrada de volta, contando
histórias e falando da vida.
Por
que a praia?
Não
importava o destino.
A
estrada, os amigos. É isso.
Até.
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