domingo, março 21, 2021

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Sexto Dia)

 

Sobre as fases do luto.

 

Estuda-se em psiquiatria as fases pelas quais passamos quando estamos vivendo uma perda, seja ela qual for. Pode ser a morte de um ente querido, ou um final de relacionamento, todos passamos, de uma forma ou outra, por esses cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. É natural.

 

Com o atual momento da pandemia, não é diferente.

 

Entramos o segundo ano vivendo nesse mundo ainda assustado e mais ou menos aprendendo a lidar com o vírus. Nossas rotinas, nossos relacionamentos, toda nossa vida, enfim, está modificada por causa do coronavírus. E, em maior ou menor intensidade, em diferentes dimensões, todos estamos sofrendo com os seus efeitos, e aprendendo, no dia-a-dia, a lidar com as perdas, temporárias ou definitivas decorrentes dele. Todos nós estamos nessa, independente de termos adoecido ou não, ou de termos familiares ou conhecidos, também doentes ou não.

 

Como a pandemia vem sendo uma situação contínua, com altos e baixos desde o início, assim tem sido nossas reações de luto perante os fatos, e tem variado da mesma forma. Desde a negação (diferente do negacionismo e/ou do terraplanismo) inicial, passando pela raiva, depois depressão e mesmo aceitando que temos que viver ainda por algum tempo nessa distopia de não encontrarmos as pessoas e sairmos pouco de casa, o toque de recolher informal das 20h até o outro dia de manhã. Somos resilientes, acima de tudo. E não estou aqui para julgar ninguém, diga-se de passagem.

 

Cada um sabe onde aperta o seu sapato, como diz ditado popular.

 

Queria falar hoje, contudo, de barganhar.

 

Verbo transitivo direto, origem etimológica do francês bargignier, barganhar significa trocar algo através de um acordo, permutar, negociar. Em um sentido pejorativo, pode significar vender alguma coisa de maneira fraudulenta, geralmente prejudicando quem efetua a compra, trapacear, acordo que se efetiva fraudulentamente, através de favores, benefícios mútuos ou práticas enganosas, burla. Também verbo intransitivo: pedir desconto num produto, buscando comprá-lo por um preço inferior ao seu valor normal, pechinchar. 

 

Ando barganhando por aí, mas não em um sentido ruim, claro.

 

Percebi que uma das minhas formas de lidar com o distanciamento, com a impossibilidade de encontros presenciais com os amigos de diferentes origens, antigos e novos, que andamos pela vida mais ou menos juntos, todos aqueles com os quais sinto proximidade, geograficamente falando ou não, a forma que tem acontecido são as promessas mútuas de encontros e churrascos. Churrascos, principalmente. Quase todas as conversas terminam com “quando isso passar, vamos fazer um churrasco”. 

 

Serão incontáveis churrascos e encontros, talvez até uma Sopa de Ervilhas do Marcelo.

 

Você pode até se perguntar se isso não são promessas vazias, do tipo “vamos no falar”, mas que nunca se realizam. Pode até ser, não importa. 

 

O que nos move pelo mundo é esperança de dias melhores.

 

Até.

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