(Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Décimo Terceiro Dia)
Momentos assustadores.
A pandemia do Sars-Cov2 já fez seu primeiro aniversário, e aqui no sul do mundo estamos em seu pior momento, com o sistema de saúde beirando o colapso. Apesar de tudo, não é isso o que assusta no momento.
Por mais que eu tenha decidido (e conseguido) me afastar da energia negativa que vem das redes sociais, e dos noticiários em geral, tornou-se – nos últimos dias – impossível ficar alheio à grande ansiedade e até desespero que tem tomado conta não dos pacientes, como seria compreensível e esperado que acontecesse, mas – vejam só – de colegas médicos envolvidos no tratamento dos pacientes nesta pandemia. O que nos leva alguns dilemas éticos. Não vou entrar aqui na discussão política que se tornou a pandemia no Brasil, assim como não vou falar sobre tratamento precoce.
Mas é impossível não falar sobre algo que tem acontecido na última semana.
E quero deixar claro que, sim, entendo que a situação atual é extremamente complicada, difícil para todos nós que estamos, em maior ou menor grau, na linha de frente. Também entendo e sou solidário à angústia que todos sentimos com relação ao atendimento dos pacientes com COVID-19. Queremos, como médicos que cuidam de pessoas, oferecer algo a todos, que auxilie os doentes a passarem pela doença e saírem dela bem, sem sequelas. Que se recuperem bem. É o que mais queremos.
Contudo, na ânsia de oferecer algum tratamento aos doentes, corre-se o risco de, em algum momento, perder-se a perspectiva do todo, o que pode implicar no efeito exatamente oposto.
Primum non nocere, em latim.
Primeiro não prejudicar, o princípio da não-maleficiência. Tentar, durante a prática médica, evitar riscos, custos e danos desnecessários aos pacientes. É parte do nosso trabalho prescrever o tratamento adequado à condição do paciente, assim como não prescrever tratamentos que não sejam adequados, ou que sejam danosos.
Durante o período da pandemia – ‘estamos em guerra’, é o que dizem – e em especial o grave momento do Brasil, Rio Grande do Sul em especial, a angústia de muitos em oferecer algo ao paciente tem motivado diversos colegas a receitarem tratamentos prontos como “receitas de bolo”, os ditos protocolos, que não levam em conta o individuo em questão, o paciente. Independente da condição de cada um, a receita é a mesma. Longa e cara. Sem mencionar os tratamentos de efeitos muito duvidosos e sem pesquisas por trás.
Após o atendimento inicial e a prescrição longa (um paciente a quem eu perguntara o que havia usado respondeu ‘O que eu NÃO usei, é a melhor pergunta’), o paciente chega a um segundo colega para avaliação. Ele mostra a receita, e quem prescreveu o potencial tratamento potencialmente danoso é um colega conhecido.
O que fazer quando o paciente pergunta sobre o tratamento, sem correr o risco de ser antiético com o colega?
Tenho pisado em ovos, certamente.
Primeiro porque não me compete julgar ninguém, e, em segundo lugar, porque avaliar o paciente após e dizer o que eu teria feito no calor da situação é muito fácil. Ser profeta do acontecido é uma barbada. Não faço isso. Nunca. Não discuto o que eu teria feito ou não. Bola para frente.
Confesso, para terminar, que tenho ficado assustado com algumas coisas que tenho visto.
Até.
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