por Fabrício Carpinejar*
O porto-alegrense não se aproxima com calma. Cumprimenta alto, gritado, estapafúrdio. Não confunda com assalto: é seu jeito mesmo. Tenta assustar tudo o que pode na primeira vez, para a amizade soar mais tranqüila dali por diante. É o inverso do baiano, a voz não é mansa para se erguer naturalmente com o avanço da conversa. É tudo ou nada, é agora ou nunca. Um atropelo de vogais. Um "eiiii", um "oiiiiii", um "bah". Sem chance. Sem recuperação. Um abuso para os mais travados.
A varanda já é sala de estar no rosto do gaúcho. Não há tempo para recuar. O abraço gira em si, como um nó de marinheiro. A Revolução Farroupilha o perturbou. Está sempre desejando o que ainda nem foi apresentado.
Conjuga o tu como se fosse você, para não engolir vento.
Canta o hino rio-grandense de cor e salteado. Canta o hino de seu clube de cor e salteado. Não abandona um argumento mesmo quando percebe que está enganado. É fiel ao erro.
Sabe ser profundo quando distraído. É de uma profundidade inesgotável. Sabe ser solitário quando atento. É de uma solidão ultrajante.
Aceita ser vítima de piada de um familiar. A mesma piada na boca de um estranho é preconceito. Recebe qualquer um de braços abertos para depois investigar. Paranóico, pulou do ventre para não ser chamado de 'filho da mãe'. Não admite neutralidade e empate, muito menos voto de Minerva. Minerva é somente o nome de um sabão em pó. É preciso escolher, está do lado dele ou contra ele. Cuidado, o silêncio é compreendido como oposição.
Basta elogiar algo de sua cidade que ele vira turista. Repete os programas para ser encontrado. Comparece quatro vezes no mesmo lugar até ser reparado. Continua aparecendo até ser esquecido.
Há poucas bancas nas ruas se comparado a Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Recebe jornal em casa, debaixo da porta como um tapete. Adepto da locução escrita, ler para conversar. Morre bem informado.
Trata os escritores como se fossem músicos. Conversa sobre suas obras no ônibus, na lanchonete, no meio da rua. Seu suspiro é um autógrafo.
Bebe para discutir, não discute para beber. A bebida é anzol do chiste. Abole a frase inicial para ficar com a última. O que valoriza é a reputação. Faz as pazes no dia seguinte quando ama. Quando odeia, bem, dirá que nunca o conheceu.
Seu time é o melhor do mundo, sua cidade é a melhor do mundo, sua carne é a melhor do mundo. Às vezes é. Tão gaúcho que conta que é gaúcho para os próprios gaúchos. Ele se elogia com receio de não ser lembrado.
Porto Alegre é uma cidade para atravessar a pé. Com o último botão da camisa aberto. Quem toma chimarrão, ronca acordado. É engraçado passear pela Usina do Gasômetro ou Brique da Redenção no domingo. A térmica é um filho aprendendo a caminhar. Balançando de mãos dadas com seus pais. O crepúsculo do Guaíba transforma a orla no teto de uma igreja. Dá vontade de amar alguma santa e pecar bem mais do que se viveu.
* Fabrício Carpinejar é jornalista, cronista, poeta e professor. O texto foi transcrito do seu blog, 'Fim da Linha'
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