Sempre acreditei que são as pequenas decisões que mudam a vida.
Uma teoria, claro, mas é de teorias que é feito o mundo. E é a partir das tentativas de provar nossas teorias, nossas idéias, é que construímos o conhecimento. Uma teoria é verdadeira até que provamos o contrário.
A teoria das pequenas decisões que mudam o mundo é de mais difícil comprovação, afinal como provar que foi por ler um jornal numa terça-feira de manhã que descobri – vinte e um anos atrás - que havia uma escola técnica que tinha um segundo grau técnico em operador de computador e que tinha prorrogado as inscrições para a prova de admissão por mais uma semana, e que era necessária a carteira de identidade para a inscrição, ou pelo menos o protocolo com número da mesma, e eu não tinha a carteira e consegui ir fazer no último dia e tirei uma foto de péssima qualidade que escureceu e por isso tive uma identidade com uma foto minha borrada e escura até me formar em medicina, quase dez anos depois, mas me adianto, dizia que me inscrevi no último dia para a prova de admissão da escola técnica de comércio e fiz a prova e entrei na escola para um curso técnico em computação, o que significava uma base fraca nas disciplinas de segundo grau, mais especificamente química, física e biologia, mas no fundo não era importante porque eu ia cursar jornalismo, porque escrevo desde sempre, só que quando fui me inscrever resolvi que queria fazer medicina, uma influência distante do meu avô médico, que havia morrido quando eu tinha sete anos de idade, e acabei passando o terceiro ano do segundo grau em dúvida entre medicina e jornalismo, um dia até resolvi definitivamente por jornalismo, mas decisões definitivas aos dezesseis anos nunca são tão definitivas, e não fui aprovado no vestibular da universidade federal mas passei na puc, em primeira chamada, um dos mais novos da turma que foi até o fim, e não perdi o semestre mesmo tendo passado duas semanas em coma numa UTI e mais duas internado com infecção porque a universidade entrou em greve no dia do acidente, e me formei em mil novecentos em noventa e quatro, iniciando a residência em clínica médica e pneumologia em dois janeiro de janeiro de mil novecentos e noventa e cinco, que foi o dia que conheci a Jacque, e casamos um ano e meio depois, e lá se vão doze anos, sendo que vivemos por dois anos em dois hemisférios, com encontros virtuais diários e reais de tempos em tempos, porque estive no norte do mundo fazendo pós-doutorado, mas voltei para casa e para o pampa, e para um futuro que ainda reservava e reserva muitas surpresas, estou certo.
Tudo isso porque eu li uma nota no jornal naquele dia de novembro de mil novecentos e oitenta e cinco.
Mas eu falava de decisões, e não existem apenas as pequenas decisões. Existem também as grandes decisões, as grandes encruzilhadas, os momentos-chave. Penso, contudo, que frente aos grandes dilemas da vida, apenas temos a ilusão de que podemos decidir: nestes casos, a decisão já está tomada. O fluxo, a onda, nos leva. Se estivermos atentos às pequenas decisões, as grandes cuidarão de si mesmas.
Até.
(publicado em 02/05/2006)
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