Déjà vu.
De tempos em tempos, a história se repete, e somos obrigados a ouvir, ler ou assistir pela televisão a mesma ladainha vinda de grupos ditos “pró-vida”, ou seja, lá como se chamem. Falo do caso de Eluana Englaro, italiana, assim como falei há um tempo de Terry Schiavo, lembram?
Eluana tinha 20 anos em 1992 quando sofreu um grave acidente de carro que a deixou em coma. Dois anos depois, se não me engano, foi declarada em estado vegetativo permanente, ou seja, irreversível. Permanecia, desde então, sendo alimentada “artificialmente” (por uma sonda), até que há três meses, após cerca de dez anos de um árdua batalha judicial, conseguiu que a Suprema Corte italiana autorizasse que se suspendesse a alimentação para que ela pudesse morrer em paz.
Como seria de esperar (ou não) “meio mundo” resolveu dar palpites na história, e até parece haver uma divisão dentro do governo italiano sobre o assunto. Enquanto o – no mínimo – fanfarrão Primeiro-Ministro Berlusconi (o mesmo que disse que era impossível impedir os estupros porque era impossível ter tantos policiais quanto meninas bonitas) e seus ministros aprovaram um decreto-lei que proíbe a suspensão da alimentação e da hidratação a pacientes que não podem expressar sua vontade, o presidente italiano, Giorgio Napolitano, disse que não vai assinar o decreto, porque esse (o decreto) é contrário a uma sentença judicial já julgada e em execução.
Pelo menos um pouco de bom senso no meio de tanta estupidez.
Sim, porque até o Vaticano já deu palpite sobre o assunto, dizendo-se contra a suspensão do suporte de vida à italiana, e é a religião que tem pautado a discussão sobre o assunto (no caso da italiana, assim como foi no caso da americana Terry Schiavo e outros). O que mostra, indubitavelmente, o mal que as religiões podem fazer e efetivamente fazem ao mundo.
E é o que me irrita muito.
Quando ouvi falar desse caso pela primeira vez, até havia planejado escrever um texto sobre ele, mas com outro enfoque: como seria, para ela, acordar do coma dezessete anos depois. Aliás, como seria se isso tivesse acontecido comigo? Falo com relação ao longo tempo em coma, porque acidente automobilístico, com hospitalização e coma por alguns dias, eu tive, e tive há dezoito anos.
Ia falar em como o mundo mudou desde então, em tudo o que teria perdido, como seria recomeçar. Seria apenas ficção, assim como é ficção imaginar que ela ainda pode se recuperar, como é superstição acreditar que ela possa acordar depois desse tempo todo e voltar à vida.
Estado vegetativo permanente. Irreversível. Que parte da palavra irreversível as pessoas não querem entender? É contra a vontade de Deus? É mesmo?
A vontade de deus é que se enfiasse uma sonda direto no estômago dela e se passasse dezoito anos alimentando-a e dando água pela sonda, enquanto seu pai e sua mãe carregam a cruz de ver sua filha morta numa cama esse tempo todo, apenas com o coração batendo? Deus não é cruel a esse ponto.
A Igreja Católica, e qualquer um que apoie manter o sofrimento dessa menina e dessa família, o é.
Até.
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