(Crônicas de uma Pandemia – Octagésimo Quarto Dia)
Fizemos bolinhos de chuva ontem, a Marina e eu.
Confesso que temos levado bem esse período de pandemia, que se aproxima de três meses desde que oficialmente – digamos assim – chegou em nós. Estamos bem de saúde, temos casa, comida e nossos familiares e amigos próximos estão mais ou menos na mesma situação. Lamentamos pelos que não estão, e temos ajudado na medida do possível. Mesmo que a renda tenha caído de forma muito importante, pois o movimento de pacientes no consultório – minha única fonte atual – diminuiu drasticamente, mesmo que em nenhum momento eu tenha deixado de atender, a reserva acumulada nos últimos anos para uma emergência que sempre imaginamos que não acontecerá, tem me permitido dormir tranquilo.
Agora, contudo, preciso fazer um esclarecimento importante.
O que escrevo aqui é o que penso, a minha visão de mundo, minhas reflexões e pensamentos. Não são recomendações, orientações, informações médicas, prescrições ou receitas de vida.
Aqui não sou médico.
Aqui sou eu com meus pensamentos.
Sozinho, de noite, no frio, na chuva e com fome.
Com um adesivo de “Não me siga, estou perdido” no vidro traseiro.
Dito isso, devo dizer algumas coisas que tenho pensado.
Estou respeitando o distanciamento social. Lavo as mãos frequentemente e – quando não posso – uso muito álcool gel. Uso máscara em locais fechados, óbvio, e - ao sair na rua – também. Mas aí por uma questão de gentileza, não de saúde, porque não faz sentido usar máscara ao ar livre se não estou doente e se mantenho distanciamento de outras pessoas.
Mas são tempos sombrios esses.
Estamos em 1918, em tempos de gripe espanhola.
Mais de um século passou e, se por um lado temos uma ciência avançada a ponto de ser real a possibilidade de uma vacina ainda esse ano, por outro estamos sendo submetidos a medidas governamentais restritivas baseadas em medo e modelos matemáticos que vem se mostrando falíveis todos os dias, mesmo vindo de instituições reconhecidas. Assustadas, pessoas viraram fiscais da vida de outras, acusando-se mutuamente de violar regras criadas também por medo. Saem por aí filmando com seus celulares e apontando o dedo para quem – vejam só, o horror – caminham ao ar livre, num parque.
Tempos estranhos, mesmo.
A curva, aquela, foi achatada.
Não tivemos, ao menos aqui no sul, o colapso do sistema de saúde. Muitos poderão dizer “ainda”, e eu - com um pouco de força – posso entender suas razões. O pico da pandemia seria na primeira quinzena de abril, depois na segunda, na primeira ou na segunda quinzena de maio. Nunca chega, e empurra-se com a barriga o medo, e querem nos fazer ficar presos em casa por mais tempo, indeterminadamente.
Sim, presos. E o custo (vou abstrair de falar em economia, como se fosse possível) disso, em termos emocionais? As pessoas estão adoecendo em casa, emocional e fisicamente. E muitos não procuram ajuda pelo medo de sair de casa. E há casos de pessoas morreram por isso. A quem responsabilizar?
Os extremos sempre são danosos, independente de que estamos tratando. Considerar o que está acontecendo (a pandemia, no caso) como algo banal, simples, é muito errado. Assim como o é o outro extremo do espectro. Ceder ao pânico difundido pelos noticiários, exagerar, e entrar num estado neurótico, quase esquizofrênico de medo de viver.
Cuidar-se, sempre. Deixar de viver, nunca.
De novo, isso não é um manifesto a favor ou contra ninguém. Não é um parecer técnico, muito menos uma orientação. Não quero convencer ninguém de nada e nem dizer que o que eu penso é o certo ou não. Sou apenas eu, com meus botões, quieto no meu canto, num domingo plúmbeo e frio, pensando em como o mundo anda tão complicado.
Vou tomar um chá.
Até.
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