domingo, dezembro 06, 2020

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia – Duzentos e Sessenta e Sete Dias)

 

Uma história do passado.

 

Há muitos anos, quando ainda tínhamos a casa na praia, no Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul, no tempo das casas sem muros e grades, e próximas umas das outras, e quando ainda era tradição a reunião de grandes famílias nos finais de semana, havia – bem ao lado da nossa casa – justamente vizinhos com grande família e que tinham por hábito reunir-se e confraternizar muitas vezes até altas horas da noite. Não necessariamente grandes festas e grandes ruídos, mas – na maior parte das vezes – apenas conversando na área em frente e na lateral da casa.

 

Bem ao lado da nossa, bem onde ficavam os quartos em que dormíamos, o que – evidentemente – atrapalhava o nosso sono quando acontecia. E, claro, irritava.

 

Nunca reclamamos, contudo.

 

Até que uma vez em que isso aconteceu, provavelmente uma festa de aniversário mais animada e que invadiu a madrugada e eu – ao chegar sábado de manhã cedo para passar o final de semana com meus pais e ficar sabendo do ocorrido – decidi que era hora de um retorno: ainda antes das nove da manhã, estacionei meu carro em frente à nossa casa e passei a tocar música, a todo volume possível. AC/DC, Highway to Hell

 

Não demorou uma música inteira para alguém na casa ao lado abrir a porta, com cara de muito sono, e – educadamente – perguntar se eu poderia diminuir o volume do som porque queriam dormir. Claro que eu podia. Prontamente baixei o volume, ou mesmo desliguei o som, não lembro mais.

 

Você, caro leitor, pode estar se perguntando por que eu atendi ao pedido se havia muito tempo éramos incomodados pelos ruídos que vinham da casa ao lado em muitas noites de conversas e risadas e festas? Por uma simples razão. Porque nunca havíamos reclamado, nunca havíamos manifestado nosso incômodo com o barulho. Se não manifestamos nossa inconformidade, como saberiam que estávamos incomodados?

 

Voltemos ao presente.

 

Tenho um vizinho maconheiro que toca bateria.

 

Sério.

 

Problema dele, não me diz respeito. Não me incomoda, desde que não interfira na paz da minha casa. Ele faz aulas de bateria algumas vezes à noite, e vai ao limite do horário de silêncio, mas – exceto uma vez – não passa das 22h. Está no direito dele. É o mais adequado, tocar bateria num apartamento sem isolamento acústico? Não, com certeza. Mas se ele não invade o horário de silêncio, está no seu direito, por mais que ninguém goste. 

 

O mesmo com a maconha, cuja fumaça nos atinge algumas vezes se deixamos janelas abertas. É ruim? Eu acho, mas ele está na casa dele, e o que ele faz não me diz respeito, é livre para fazer o que bem entender, desde que não interfira com a minha liberdade e paz. Desde que não avance sobre os meus direitos. Porque se isso acontecer, bom, aí certamente vou reclamar, e muito.

 

Simples assim.

 

Até.

Um comentário:

Unknown disse...

Kkkkk ficou ótima! 😂