(Crônicas de uma Pandemia, Ano Dois, Vigésimo Sétimo Dia)
Essa semana que termina hoje ou terminou ontem, dependendo de como se considera o início de cada semana, na segunda-feira dia cinco de abril, para ser mais específico, completei quarenta e nove anos de idade. Foi o segundo aniversário que passei durante a pandemia de COVID-19. Ano passado me referi ao dia como “o aniversário do ano da peste”, acreditando que agora, 2021, já teríamos terminado com isso.
Na verdade, imaginei que os aniversários do final de 2020 seriam comemorados presencialmente, já livres da pandemia. Estava redonda e miseravelmente enganado. Assim como outras previsões que fiz com relação à duração da pandemia. Todas erradas.
Paciência.
Dizia eu, então, que fiz quarenta e nove anos essa semana que termina ou já terminou, o que obviamente quer dizer que entrei no quinquagésimo ano de vida, que completarei no nem tão próximo cinco de abril de dois mil e vinte dois. O que quer dizer isso?
Nada, além de que o tempo passa.
Para todos nós.
Vamos, desta forma, acumulando estórias para contar. Experiências e memórias, que devem ser compartilhadas, vividas – em sua maioria – em grupo, em nossos grupos sociais, família, amigos, colegas de trabalho. Entre as crueldades da pandemia, a impossibilidade da vida social, de encontros, festas e reuniões, é uma das que mais afeta a todos nós.
E não é diminuir a gravidade da situação.
Devemos continuar – vacinados ou não, recuperados ou não – com todos os cuidados e precauções para minimizar os riscos. Distanciamento social, máscaras, lavagem de mãos, ambientes arejados, evitar aglomerações, todas essas medidas devem ser tomadas diuturnamente, enquanto a vacinação avança. Em algum momento num futuro não distante, tudo isso vai melhorar, tenho certeza.
Temos, acima e apesar de tudo, até em homenagem à memória dos mortos pela e durante a pandemia, de seguir em frente a vida. Por mais cruel que isso possa parecer para alguém (apesar de eu não achar essa afirmação cruel), a vida sempre segue seu curso inexorável, e – como diz a música – não temos tempo a perder. Com cuidado, claro, temos que viver.
O que me lembra outra música, ‘Sapatos em Copacabana’, do Vitor Ramil, e o significado que ela teve e ainda tem para mim, e que pode explicar em parte a minha relação com a passagem do tempo.
“Sei que não tenho idade
Sei que não tenho nome
Só minha juventude
O que não é nada mal”
Ouço essa música desde quase o lançamento do disco ‘Tango’, em 1987. Esse disco, que ouvi aos 15 ou 16 anos, é um dos que marcaram minha vida, e de certa maneira definiram muito do que eu viria a ouvir e – porque não – pensar a partir daí. Tem músicas que são verdadeiros hinos (para mim, para mim) e que ainda hoje são parte da minha trilha sonora pessoal.
São apenas oito músicas nesse trabalho, e ‘Sapatos em Copacabana’ é a primeira do lado A, a abertura do disco, música forte, densa, com o refrão escrito logo acima, espécie de cartão de visitas do que sou, ou fui. Não precisava muito mais que minha juventude. O lado A termina com ‘Joquim’, versão da clássica Joey, do Bob Dylan, contando uma história de alguém que não se encaixava com o que “a sociedade” esperava dele, um outsider, e que sofreu as consequências do modo de viver libertário. Em meio às dificuldades impostas pelo “sistema”, um período especialmente difícil e que termina com:
“No final de longa crise depressiva
Ele raspou completamente a cabeça
E voltou à velha forma
Com a força triplicada
Por tudo, tudo o que passou
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Que o cara não se entregava”
Também eu, confesso, eu um momento de tentativa de virada em meio a uma decepção amorosa quase pós-adolescência, raspei a cabeça como forma de recomeço. Fez diferença, isso de raspar a cabeça? Para mim, sim, pela simbologia.
O lado B do disco começa com ‘Passageiro’, e termina com a (para mim, para mim) clássica ‘Loucos de Cara’, definitivamente um hino para a vida inteira, que ainda hoje – aos quarenta e nove anos de idade – volta e meia serve de orientação para o jeito que devo encarar a vida e suas tramas. A mensagem é que – não importa o que houver – fica na tua, seja quem és. A estrofe final da letra, resume tudo.
“Se um dia qualquer
Tudo pulsar num imenso vazio
Coisas saindo do nada
Indo pro nada
Se mais nada existir
Mesmo o que sempre chamamos real
E isso pra ti for tão claro
Que nem percebas
Se um dia qualquer
Ter lucidez for o mesmo que andar
E não notares que andas
O tempo inteiro
É sinal que valeu
Pega carona no carro que vem
Se ele não vem, não importa
Fica na tua”
Voltando a ‘Sapatos em Copacabana’ e aos meus quarenta e nove anos de idade.
Já tenho (alguma) idade e (talvez) nome.
Minha juventude, então, por onde anda?
Ela continua viva, dentro de mim, de onde olho o presente, que é meu tempo, e sempre será. Sigo em frente, ciente que o meu tempo é agora e com profundo respeito pelo que passou e por quem andou comigo nesse tempo, mesmo que agora já não ande mais.
Assim é a vida.
Assim seguimos.
Até.