Sobre trabalho.
A ideia de ter emprego, estabilidade, trabalhar em horário comercial de segunda à sexta-feira e receber religiosamente no final do mês sempre me agradou muito. Por muito tempo, também a ideia de ser um burocrata foi tentadora. Como eu disse, a estabilidade e o horário comercial sempre pareceram tentações para mim.
Só que fiz medicina, o que – de certa maneira – não é compatível com essa prática. Mas até certo ponto, claro, tanto é que já fui funcionário concursado, com horário estabelecido, e dias facultativos. E era bom, confesso. Mas o momento em que virei funcionário público não foi o mais propício porque eu já tinha outras atividades paralelas, o que dificultavam o cumprimento da carga horário prevista, tanto é que – dois anos após assumir o cargo – pedi minha exoneração, dez anos atrás.
Na época em que fui médico da Prefeitura de Porto Alegre, além de funcionário público eu tinha o meu consultório, era professor em Santa Cruz do Sul e trabalhava no Pavilhão Pereira Filho, além de fazer parte da diretoria da SPTRS. Por melhor que fosse o trabalho e a ideia de estabilidade do cargo público, não era para mim.
Mais adiante, enquanto ainda era professor da UNISC (a 150km de Porto Alegre, e eu ia e voltava uma vez por semana), fui contratado como médico especialista por uma empresa farmacêutica multinacional, e tinha viagens praticamente semanais a trabalho, eventualmente até locais tão distantes como Belém do Pará, por exemplo. Era realmente bom, tive a oportunidade de trabalhar e conviver com ótimos colegas, tanto em nível nacional quanto internacional, e – tão bom quanto – o salário e os benefícios eram ótimos. Por um tempo, mantive o consultório, a Universidade, a indústria e a Sociedade de Pneumologia ao mesmo tempo.
Era cansativo, confesso.
Por questões burocráticas vistas durante uma auditoria da GSK (e aproveitando um momento propício para isso) acabei rescindindo meu contrato com a Universidade, o que me permitiu um pouco mais de tempo para me dedicar às outras atividades. Estamos nesse momento na metade de 2018. Ao final daquele mesmo ano, por questões diversas e que não vem ao caso, decidi que 2019 seria meu último ano como funcionário da indústria. Que até o final daquele ano eu me organizaria para sair e seguir como profissional liberal. Estava tranquilo e decidido.
Na metade de fevereiro de 2019, ao voltar de férias, minha saída da empresa foi antecipada por um corte de vagas, digamos assim. Éramos três médicos especialistas e deveriam ficar apenas dois naquele momento. Como eu era o mais novo dos três na empresa, e o que morava mais longe do Rio de Janeiro, minha vaga foi cortada e rescindiram meu contrato. O pacote de rescisão foi bom, e decidi que o ano de 2019 seria meio que sabático: ficaria apenas no consultório, atendendo pacientes, sem outras atividades. Período sabático esse que duraria até final de fevereiro de 2020, quando voltaria a pensar em outras atividades além do consultório.
E veio a pandemia.
Mesmo assim, em meio a pandemia, voltei a ser professor de medicina, agora na UNISINOS, em São Leopoldo/RS, região metropolitana de Porto Alegre. Foi bom, porque havia ficado com saudades de ser professor. Ao longo desse período, contudo, acabei vendo que as obrigações que tinha como funcionário já me incomodavam mais do que a segurança do salário certo no final do mês me dava. O fato de não ser completamente senhor do meu tempo (ou a incapacidade de ter essa ilusão, ao menos) começaram a quase me irritar.
Foi quando eu vi que estava chegando ao final de mais um ciclo.
Que eu deveria fazer uma nova correção de rumo.
Estava decidido a sair da Universidade, já contava os dias para isso.
Foi quando surgiu um novo projeto, um novo rumo.
Ficou ainda mais fácil dar o passo em frente.
E foi o que fiz.
Até.