Dia desses, eu vinha percorrendo o trajeto entre o estacionamento e a entrada do Hospital de Clínicas quando fui atingido por uma referência. Uma música, que há anos jazia mergulhada no meu inconsciente, dentro daquela quase infinita massa amorfa, aquela sopa primitiva onde estão todas nossas lembranças e experiências misturadas como num grande e silencioso pântano, rompeu a barreira do subconsciente, explodiu como raio de luz e eu lembrei dos versos e da melodia que saí cantarolando.
Decidi, então, que deveria ir atrás da versão em CD do disco de vinil que eu tivera há muitos anos atrás e que continha a gravação em questão. Decidi e esqueci, atrapalhado com as listas de coisas a fazer que, quanto mais são executadas, mais aumentam. Até que esta semana, ao andar num shopping, o CD “se atirou” na minha frente e me vi obrigado a comprá-lo.
O CD chama-se ‘The Final Cut – A Réquiem for a Post War Dream”, do Pink Floyd, se não me engano a última gravação do Pink Floyd com o Roger Waters, gravado em 1982. A música em questão se chama ‘The Gunners Dream’ , e o trecho que emergiu do subconsciente e me fez lembrar da canção diz o seguinte:
“...after the service when you’re walking slowly to the car
and the silver in her hair shines in the cold november air...”
É realmente uma música muito bonita, e é uma das que tem o efeito de me fazer voltar no tempo. Achei que fosse só isso, saudosismo, afinal eu sempre fui um saudosista dos mais ortodoxos, mas não era. Tinha mais coisa por trás dessa aparentemente simples lembrança. Demorou um pouco, mas enfim compreendi: é o final de uma era. Os sinais estão por toda parte.
O Adriano vendeu sua casa na praia. Vendeu, em suma, O Muro, com tudo o que ele representou nas vidas de um pequeno grupo de pessoas que estiveram juntas durante aquela fase marcante de todas as vidas que é o final da infância e início da adolescência. A nossa turma daquela época, que retrospectivamente foi chamada de Turma do Muro. O muro do Adriano – agora vendido – foi nosso ponto de encontro constante nos verões dos anos oitenta. Durante o dia, antes do futebol no final da tarde no campo do Pimenta, à noite, antes e depois das festas, e durante muitas madrugadas em claro conversando sobre o sentido da vida. Foi esse muro que viu e desse muro que vimos aqueles que foram embora ou que se perderam em outros caminhos. Ele já não era mais o mesmo, parecia menor e mais frágil, como um antigo lutador que vive seus últimos dias, já derrotado pelo tempo.
Apesar de tudo, não é um fato triste, esse de o Muro ter sido vendido. A vida é assim, as coisas passam e seguimos em frente. É um conceito que vem do zen budismo, o da impermanência. Tudo passa, tudo sempre passará. Pessoas vêm e vão, e sofremos quando tentamos ir contra a natureza: nada é para sempre, nem mesmo nós.
A vida está mudando, como sempre acontece, e às vezes sentimos mais isso porque estamos diretamente envolvidos. Assim está sendo por estes dias, estou a caminho da grande mudança que se avizinha e provavelmente é por isso que algumas lembranças estão fazendo uma grande força para emergirem dos recônditos do meu inconsciente para – quem sabe – não me deixar esquecer quem sou e o quê é realmente importante para mim.
A música que eu falei no início desse texto fala no “ar frio de novembro”, e tem tudo a ver com o que vou encontrar em breve, muito breve.
§
A Sopa completa, nesta edição, três anos de existência. Fico feliz em constatar que consegui, tive a persistência, de escrever semanalmente durante todo este tempo. Normalmente, a data seria celebrada junto com A Sopa de Ervilhas Anual do Marcelo. Contudo, em virtude da minha iminente viagem (é dia 19/08) não foi possível fazer.
A Sopa entra no seu quarto ano com um desafio e um estímulo: vai ser escrita de Toronto, Canadá, para onde me mudo em vinte e poucos dias para um período de um, dois ou três anos de estudo, ainda não sei ao certo. Vai ser uma fonte de notícias minhas (para quem estiver interessado, claro) e de onde vou tentar contar novas histórias.
§
Devagar, já estou indo. Mas, antes de ir, acho que deveria me despedir de todos, mas estou sem idéias. Alguma sugestão?
Um comentário:
Tadday, minha sugestao e nao se despedir... Fica aquele negocio meio nebuloso tipo Garrincha a estrela solitaria que desapareceu. Sabe , as vezes e mais facil deixar subentendido do que dizer... Fica o conselho.
Jeferson
Postar um comentário