domingo, dezembro 04, 2005

A Sopa 05/20

O ano de 2005 (1).

Chegamos ao primeiro domingo de 2005 e o meu penúltimo em Toronto este ano. E, ao contrário do ano passado, em que não tive tempo de me sentar e escrever a minha retrospectiva pessoal do ano, vou tentar fazer nos próximos domingos, ainda aqui de Toronto e depois de casa, em Porto Alegre.

Bom, o ano que ora se aproxima do seu final foi o ano em que efetivamente morei fora do país. Porque 2004 foi o ano em que ultimei os preparativos para a vinda e vim, e 2006 vai ser o ano em que vou me preparar para a volta e voltar. Simbolicamente, os dois anos pares têm significados distintos (mas não opostos) e são igualmente importantes, como é fácil imaginar. E 2005, então, qual sua importância?

Tergiverso um pouco antes de responder à pergunta que faço a mim mesmo. E começo falando um pouco sobre a vida, o que, no fundo, é o assunto de todos os escritos.

Pensei que também podemos definir a vida como uma série interminável de ciclos de construção/desconstrução. Alguns mais intensos que outros, claro. Tomemos o exemplo de quando iniciamos numa escola diferente, ou na universidade, ou mesmo nos mudamos de cidade. Nestes momentos, saímos de situações de conforto, de segurança, e somos obrigados a iniciar do nada novas relações com o mundo. Há, por isso, uma desconstrução de quem éramos e uma reconstrução que – inevitavelmente – vai nos fazer um pouco diferente do que éramos. E assim sucessivamente, por toda vida: a cada desconstrução, nos reconstruimos um pouco diferentes.

Retornando à 2005, e respondendo à pergunta sobre sua importância, digo que este ano foi o ano da reconstrução. Depois de chegar aqui em agosto de 2004, e experienciar com intensidade a desconstrução, esse ano foi o de construir pontes, criar laços.

Foi muito intensa essa experiência porque, estando casado há quase dez anos, vim para cá sozinho. O choque inicial foi maior também por isso, e – apesar da longa preparação antes de viajar – chegar aqui sem referências não foi fácil. Mas, como sempre disse meu irmão, tinha era que ver a big picture, olhar em perspectiva. Ruim no início, depois melhoraria. Eu sabia que seria assim, e foi.

Criei laços e construí pontes, com certeza. Sem diminuir em nada as ligações que tenho com o lar (pessoas, cidade, estado e país), que – por sinal – parecem mais fortes que nunca. Tornei-me um cidadão de Toronto, um local. Tenho bons amigos aqui.

Só isso já teria valido a vinda para cá, mas tem muito mais.

Até.

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O Meu Confronto com o Imortal

by Lucia Stenzel

Outro dia um amigo me perguntou por que eu nunca mais tinha escrito minhas histórias. Entre falta de tempo (que não é desculpa), falta de idéias criativas e falta de dinheiro (vocês já vão entender como a falta de dinheiro bloqueia os neurônios); eis que surge a mais nova confirmação da minha insignificância: conheci pessoalmente o Imortal. E pior, convivo diariamente com eles: com o Imortal e com a minha insignificância.

O Imortal

Ele parece homem comum. Usa camisa e sapatos, as vezes vai ao banheiro, usa o computador, escreve e-mails, usa as chaves para entrar e sair da sala; como todos nós, míseros mortais que circulamos no mesmo espaço que Ele. Quando me disseram que Ele seria meu chefe tive um misto de orgulho e medo. O que vou dizer quando estiver frente a frente com um Imortal? Treinei alguns dias diante do espelho, mas nada parecia adequado para o primeiro confronto. Seria no elevador, na biblioteca, ou na cafeteria? O que importa. Alguma coisa que preste teria que sair desta cachola. No fundo, sabia que o dia chegaria quando eu menos esperasse. Esse dia foi hoje.

O confronto

Tínhamos uma reunião onde então eu seria apresentada a Ele e aos outros professores mais antigos da faculdade. A reunião seria na sala do departamento, onde um grupo de quize professores divide o mesmo computador. O encontro era as cinco da tarde, mas a incorrigível adiantadinha chegou cedo, cheia de ansiedade. Sala vazia e o computador ali, dando sopa. Nunca consigo ler meus e-mails na faculdade, hoje era a grande chance. De repente um barulhinho de chave na porta e eis que surge Ele: o Imortal.

E agora? Fiquei entre um singelo “olá” e um pedido de autógrafo. Acabou que fiquei muda e ele iniciou o diálogo. “Boa tarde, tudo bem?”. Ãh, cuma? Comigo? “Sim, tudo bem Professor”. E virei rapidinho para a tela do computador. Imagina incomodá-lo com qualquer outra pergunta ou comentário. Até mesmo um olhar era muito perigoso naquele momento. Outro dia li em uma dessas revistas de fofoca uma entrevista de um artista famoso onde ele dizia que, a melhor reação de um fã é quando ele finge que não viu o seu ídolo. Será que li isto mesmo? Já nem coordeno mais as idéias. Se não li inventei agora e serve: finge que não viu, que está tudo normal, tri normal, super-hiper normal.

Fiquei observando Ele através do reflexo da tela. Isso mesmo, não te mexe, fica aí vendo teus e-mails e não olha para trás, pensei eu. O prédio pode explodir, o alarme de incêndio tocar, dor de barriga, enchente, temporal; nada é motivo para tu te levantares desta cadeira. Tu vais ficar aí bem quietinha, muda, calada, e deixa o Imortal à vontade na sala três por quatro. E se ele falar comigo? Responde o essencial, só o essencial.

Ele andou de um lado para o outro, sentou na cadeira, levantou, serviu-se de água, voltou a sentar, levantou novamente. Eu ali, dura, firme, suor escorrendo na face... Mais uma vez Ele levanta, parece inquieto e me olha. Eu estava de costas é claro. Mas vi tudo pela tela do computador. E agora? Fingi que não vi, como mandava a revista. Nada de histeria, sorrisinho, gente famosa odeia essas puxa-saquices. Fiquei ali grudada no computador. Nada me tira daqui! Nada, nem terremoto.

O tempo passava e nada do Imortal sair da sala. E nada dos mortais para a tal reunião. Ele continuava no tal senta e levanta e eu ali parecendo estátua. Olhei no relógio e já se passavam quinze minutos daquela encenação ridícula. Até que o “tico e o teco” resolveram voltar a funcionar. Levantei vagarosamente da cadeira, tímida, com um sorriso contido, segurando a saia, olhei para Ele e perguntei: “O senhor deseja alguma coisa Professor Scliar? Ainda faltam uns minutinhos para a nossa reunião, o senhor quer um cafezinho, uma água?”. Ele, muito simpático respondeu: “Não querida, eu só queria ver meus e-mails. Já terminaste aí com o computador?”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vc pode-se considerar um guerreiro, pois encarar Toronto sem sua família não deve ter sido nada fácil, porém a experiência deve ter sido muito gratificante. Vamos sentir saudades quando vc voltar para Porto Alegre. bjs,