domingo, fevereiro 07, 2021

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia – Trezentos e Trinta Dias)

 

Um outro texto antigo, porque estamos de férias, que terminam hoje à noite. Novamente do tempo do exílio, quinze anos atrás. Um texto de ficção. Ou não. 

 

Confissão

 

Eu larguei a música. Duas vezes.

 

O que faço, hoje em dia, tocando com amigos e fazendo o meu "blein-blein" por aí, na verdade é uma forma de não perder contato totalmente com essa parte da minha vida, que sempre será importante. Quando digo que larguei a música, me refiro ao show business. Desse, podem crer, quero distância.

 

Mas nem sempre foi assim.

 

Há mais ou menos uns dezessete anos atrás, fui convidado para fazer parte de um grupo jovem - não posso revelar o nome por questões contratuais - que fez muito sucesso nas paradas musicais, e atraiu a atenção de muita gente. Tivemos muitos fãs. É possível que algumas dessas fãs ainda tenham posters da banda em seu quarto. Podem até ser minhas leitoras, sem nunca ter se dado conta que sou eu naquele poster na parede.

 

A trajetória da banda foi a de muitos outros grupos adolescentes. Assinamos contrato com uma grande gravadora, gravamos um disco. Vários shows, fãs histéricas, sutiãs e calcinhas jogadas ao palco, uma loucura. Foi aí que começaram os problemas: primeiro, queriam definir as roupas que usaríamos, nossos cortes de cabelo, o que diríamos em entrevistas. No início, não vi problemas, até que resolveram que teríamos de mudar nosso repertório, nosso estilo. Chamaram compositores para preparar nosso disco seguinte, no qual não teríamos nenhuma ingerência. Só o que teríamos que fazer era cantar. E sorrir. E fazer algumas dublagens em shows de auditório.

 

Não era certo daquele jeito, argumentei. Disseram que tínhamos que fazer o nosso público feliz. ‘Nhé’, pensei, vamos ver.

 

Até que num show, percebi que aquilo tudo não era pela nossa música. Até porque as histéricas fãs não ouviam o que estávamos tocando e cantando. Elas só gritavam, choravam, desesperadas. Tudo isso pela nossa simples presença próximo a elas. Aquilo era o bastante.


No final do show, fomos para um hotel. Durante a madrugada, enquanto todos dormiam, deixei o hotel e o show business. O sol nascia, e caminhei em silencio deixando para trás aquela vida que não era para mim. Tudo o que eu queria era uma casa no campo, onde pudesse compor muitos rocks rurais.

 

Não bastava ser apenas mais um rostinho bonito.


Até.

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