O tempo.
Vinha eu caminhando perto de casa, em direção a um mercado/café/bar aqui próximo, na quinta-feira final do dia, após ter passado por uma reunião de condomínio para registrar presença e me desculpar por não poder ficar até o final e que acabou com a minha eleição para vice síndico feita a minha revelia, mas que não vem ao caso porque seguia eu, de máscara e só, em direção ao local marcado com dois grandes e velhos amigos, para um reencontro após mais de dois anos, quando uma música me tomou e desci a rua cantarolando Elis Regina e Belchior, depende da versão que quiserem, ‘Nossos ídolos ainda são os mesmos / E as aparências não enganam, não /
Você diz que depois deles / Não apareceu mais ninguém’. Eu estava feliz, confesso.
Não havia nenhuma mensagem subliminar, nenhum manifesto, nenhuma intenção específica inconsciente (mas como saber, se não temos acesso fácil ao inconsciente?) com a escolha da música, devo dizer. Sim, a letra diz muito sobre o tempo, tem em mim aquele tradicional efeito máquina do tempo, de trazer sensações de muitos anos passados, mas também é uma maravilha poética da língua portuguesa. Tem versos belíssimos do gênio que foi o Belchior, como aquele que diz ‘Na parede da memória / Essa lembrança é o quadro que dói mais’.
Sou um apaixonado pela língua portuguesa.
Por isso sempre gostei de ler e li muito, hábito certamente prejudicado pelo tempo passado em frente às telas, mas ainda tento melhorar. Assim como escrever, aspiração antiga, sonho não abandonado de todo. Em período recém-encerrado de Feira do Livro de Porto Alegre, sempre lembro do desejo/objetivo de autografar um livro na feira. Quem sabe um dia, quem sabe um dia.
Dizia eu que desci caminhando e cantando até o café/bar/mercado próximo de casa para encontrar esses amigos, uma reunião que há muito não fazíamos. A pandemia, as correrias da vida, filhos, tudo havia conspirado contra o encontro, que afinal de contas e pensando bem, não é tão complicado de fazer, mas que boa parte das vezes deixamos de fazer por acomodação.
Sentamos os três, todos ao redor dos cinquenta anos, já tendo percorrido boa parte de nossas existências, cada um com sua história própria, vidas que de tempos em tempos se cruzam em volta de uma mesa de bar/mercado/café para botar o papo em dia, lembrar de histórias, contar novas, rir muito e alto, e fazer alguns planos, talvez até envolvendo música.
Quem sabe?
Até.