Tudo bem?
Em minhas leituras desses dias, nesse meu reencontro com os livros físicos, com a literatura e com a facilidade – que não substitui o prazer de andar por uma livraria – da compra de livros online, caiu em minhas mãos (comprei e recebi em casa) um livro chamado ‘Sentido da Vida’, do Contardo Calligaris. Ele foi um psicanalista e escritor italiano radicado no Brasil, Doutor em Psicologia Clínica na França, com diversos livros publicados, e que escrevia também uma coluna no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo às quintas-feiras. Morreu em 2021, aos 72 anos.
O livro em questão é uma obra póstuma dele, publicada em 2023 e vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura em 2024. São três textos breves sobre a obrigação da felicidade, o “morrer bem”, e o sentido da vida. É um livro curto, mas denso, que faz pensar. Li em praticamente uma tarde e noite, e resolvi reler na sequência para ter tempo de refletir sobre os escritos.
Claro que sempre que pensamos em Sentido da Vida, não temos como não pensar em Vitor Frankl e o seu livro de mesmo nome, que li ano passado enquanto preparava uma aula ainda inédita sobre DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e o Sentido da Vida. Como podem ver, esse é um dos meus temas recorrentes de reflexão.
Voltando ao livro do Calligaris, um dos textos começa abordando uma questão do dia a dia, e que é quase motivo de piada (para mim) no consultório, que é a saudação corriqueira ‘Tudo bem?’. Sempre que chamo um paciente, ao cumprimentá-lo, o hábito, o normal, é fazer essa pergunta, “Tudo bem”, no que automaticamente continuo dizendo que não, não está tudo bem, pois se estivesse tudo bem ele não estaria em minha frente para uma consulta médica.
De um modo geral, saindo do consultório e indo em direção a outros relacionamentos e outras situações de vida, encontros diversos, em que é o normal nos perguntarmos mutuamente esse mesmo ‘tudo bem’. Como assim, tudo bem? Tudo mesmo? O mundo, a existência, a finitude do ser? Como saber se realmente está tudo bem? E, mais, é claro que é uma pergunta retórica, mais uma saudação do que um interesse pelo outro. E se não estiver tudo bem, vais querer saber o que não está?
Por isso, tenho – ao menos no consultório – saudado os pacientes como um simples ‘Como vai?’, ou ‘Como está se sentindo?’, o que restringe à pergunta ao que está mais próximo, mas perto do real, mais perto do que temos controle. Pensando bem, a resposta para quem pergunta se está tudo bem deveria ser ‘Tens tempo para ouvir?’.
Até.
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