Uma discussão existencial.
Um velho dilema existencial, que há muito não me preocupava, voltou às minhas reflexões nos últimos dias: crescer, amadurecer, significando restringir, limitar.
Certo, não é mais um dilema. Foi por muito tempo, contudo, e ainda penso nele, como um velho amigo que viajou para muito longe e do qual perdemos o contato. Não é motivo de angústia, mas hoje tenho a certeza de que ele deve permanecer sempre por ali, ao alcance da vista, para não perdemos a perspectiva das coisas.
Do que estou falando, afinal de contas?
Explico, explico.
Até um determinado momento, temos a possibilidade de ser qualquer coisa na vida. Fazer o que quisermos, exercer qualquer profissão. Isso acaba quando “o mundo” nos obriga a escolher o que queremos ser (o que determina o que vamos fazer, ou vice-versa, tanto faz). A partir daí, a maioria de nós se “fecha” para outras possibilidades. Considera-se incapaz para atividades (intelectuais ou não) diferentes daquela em que se especializou.
É o que chamo de ‘Teoria das Células Pluripotenciais’. Todos nós temos no organismo – em determinado momento – células precursoras que podem se tornar qualquer tipo de célula específica, sei lá, por exemplo, músculo cardíaco ou neurônio. Essas células pluripotenciais, como o nome mesmo já diz, tem o potencial de se especializarem em qualquer outro tipo. Mas, depois de especializadas, não podem mudar. Grosseiramente falando, claro, afinal aqui não é aula de biologia. Mas a idéia é essa. E num plano macro, somos assim também.
Quando nascemos, temos o potencial de nos diferenciar para desempenhar qualquer função. À medida que o tempo passa, porém, vamos nos dedicando a poucas coisas, e nosso conhecimento vai ficando cada vez mais específico até que terminamos desempenhando uma única função social, e mais nada. Restringimos-nos a esse papel.
Por isso o crescer significando restringir, limitar.
Levei anos me questionando porque eu, que estava cursando medicina, não podia, sei lá, fazer cinema ao mesmo tempo? Ou ser chef de cuisine? Ou estudar os clássicos, ler filosofia, estudar física, em especial cosmologia?
Aí uma vez, numa Feira do Livro de Porto Alegre – que aliás, é o maior evento do gênero realizado ao ar livre no continente americano, e a mais antiga feira do livro do Brasil realizada de modo contínuo, e que está ocorrendo uma vez mais sob a sombra dos jacarandás da Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre - assisti a um depoimento do Nelson Motta e, em determinado momento, ele disse que ele não queria ser especialista em nada, queria saber de tudo um pouco. Gostei da idéia, e por algum tempo levei comigo esse objetivo.
Só que não era suficiente, afinal eu já era médico e especialista, e tinha que me especializar cada vez mais no que eu fazia. O que fazer, então? Havia sido vencido pelo “sistema”?
Por um tempo, até achei que sim.
Até o dia em que percebi que eu podia, sim, ser especialista na minha profissão e, além disso, aprender tudo o mais que eu conseguisse, sobre os mais variados assuntos. Podia manter meus horizontes amplos, e com um mundo de possibilidades bem ali, ao alcance da minha mão.
Voltei a dormir em paz, finalmente.
Até.
(versão de texto publicado em agosto de 2005)
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