domingo, junho 07, 2009

A Sopa 08/44

Vítor Ramil, brilhante músico e escritor gaúcho, fez – há mais de vinte anos atrás – uma versão para a música Joey, do Bob Dylan. Ao invés de Joey, o título era Joquim, e contava uma história que se passava na primeira metade do século XX, no “fim do fundo da América do Sul”.

Foi o caçula de sete irmãos, e cresceu com o dom da invenção. Pelo chapéu que usava, era conhecido como “louco do chapéu azul”. Muito cedo foi expulso de alguns colégios, o que o fez desistir da educação formal. Com o dinheiro que ganhar vendendo alguns de seus inventos, reformou uma pequena oficina e levou para lá seus livros, seus projetos e muitas roupas de lã, afinal estava sempre com frio e fazia de tudo para “matar esse inimigo invisível”.

Revolucionário que era, acabou sendo preso por suas idéias libertárias. Mandado para a capital, foi jogado numa cela obscura “entre o começo do inferno e o fim do céu”, onde depois de muitas histórias a sua mulher enfim o encontrou. Apesar disso, ficou ali por mais dois anos, “sempre um homem livre apesar da escravidão”. As grades, o frio, mas novos projetos, entre eles um avião.

Depois de sair da prisão, Joquim voltou para o sul, onde construiu o avião baseado apenas nas lembranças do que escrevera na prisão. Tentou patentear o projeto, mas esbarrou na burocracia e nos meandros dos gabinetes da capital. Arrasado, voltou para casa. Passou algum tempo deprimido, até que raspou completamente a cabeça e voltou com velha força triplicada por tudo o que passou.

Iniciou uma furiosa campanha de denúncia e protestos contra os poderosos, jogou livros e panfletos do avião e foi implacável em discursos notáveis. A reação do “poder” veio logo: uma noite incendiaram sua casa e lhe deram quatro tiros. Olhando tudo do meio da rua, ele “viu as balas chegando lentamente”. Agonizando, quase sem forças, foi acudido por um amigo, a quem disse: “me dê apenas mais um tiro por favor, não há nada mais triste que um homem morrendo de frio”.

Corta.

Desde que viajei de avião pela primeira vez, sempre tive a tranqüilidade de saber que viajava no segundo meio de transporte mais seguro do mundo (o primeiro é o elevador). Nunca tive medo, nem mesmo quando experimentamos uma forte turbulência (que pareceu mais intensa por estarmos nos últimos assentos no fundo da aeronave) num vôo de Paris para Frankfurt, há mais de dez anos. No período em que morei no Canadá e acabei viajando com mais freqüência, nem pensava que algo poderia dar errado, como nunca deu.

Mas sempre que se falava de acidentes de avião, e em morrer numa situação dessas, num acidente, manifestava a única possibilidade que imaginar poderia me angustiar num momento desses, num vôo transatlântico: seria o caso em que o avião caísse no mar, eu sobrevivesse e ficasse lá, à noite, boiando agarrado num assento flutuante, a espera que algo acontecesse, provavelmente morrer. Nesse caso, consideraria sorte morrer na queda ou com uma explosão. Da mesma forma que torço – sinceramente – para que não tenha acontecido com ninguém no caso do avião da Air France.

Porque não há nada mais triste que um homem morrendo de frio.

Até.

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