Ainda sobre "A Tempestade" do final de janeiro.
É assim que vou lembrar e me referir a ela, a partir de agora. Com respeito e letras maiúsculas, porque tenho certeza de que não houve outra igual em Porto Alegre, ao menos no tempo que alguém possa ter feito registro. Pois é.
Como falei anteriormente, boa parte da cidade ficou sem luz entre a sexta-feira à noite e - em alguns lugares, como aqui perto e casa - até a terça-feira. Alimento perecíveis estragaram, prejuízos, etc. Quase tudo já se falou sobre o que aconteceu, eu sei. Mas nem todos viveram o que eu vivi, no sábado à noite.
O filme de terror.
Tínhamos, a Jacque e eu, sido convidados para um casamento que ocorreria no sábado à noite, menos de vinte e quatro horas após A Tempestade. Sem luz em casa, fomos tomar banho e nos preparar para o evento na casa da minha mãe, na zona sul, onde dormiria a Marina e de onde sairíamos no domingo de manhã para nosso curto período de férias. Assim o fizemos, voltamos de carro até em casa, de onde saímos de táxi para a igreja e onde dormiríamos.
A igreja com luz devido a gerador, da mesmo forma que o restaurante onde ocorreu a festa. Que estava muito boa. Mesmo. Como viajaríamos no dia seguinte pela manhã, por volta da 1h da manhã decidimos voltar para casa. Por sorte, um casal de amigos que também ia embora nos ofereceu carona.
Circulando por ruas desertas e escuras, sem nenhum tipo de iluminação, nem a lua a iluminar os caminhos, chegamos em frente ao prédio onde moramos. Descemos rapidamente, o porteiro - no escuro, sem lanterna - abriu o portão e entramos. Ao trancar o portão a chave, um grito de "Socorro, alguém me ajude!" irrompeu na noite, vindo de perto, mas impossível de saber de onde.
Havia desespero na voz de quem pedia socorro.
O que fazer naquele momento?
Sair para a rua para procurar na escuridão total a origem da voz, para tentar ajudar, sob o risco de me tornar vítima também? E se fosse uma emboscada, um golpe? E se fosse genuíno o grito e eu deixasse de auxiliar alguém em perigo?
Com a sensação de impotência, decidi entrar e torcer que tudo se resolvesse para quem pedia socorro. Não poderia correr o risco de tentar ser herói e acabar me envolvendo em algo potencialmente pior para mim. Minha integridade e de minha família em primeiro lugar. Apenas com a luz do celular a iluminar nosso caminho, iniciamos a subida em direção ao sétimo andar, onde moramos. Não sei bem em que andar, mas de repente caímos em um filme de terror.
Do nada, aparecem duas mulheres na escada do edifício, mãe e filha, essa última com um corte abaixo do olho e o rosto ensanguentado. A mãe segurava a filha - que tentava se desvencilhar - pelo braço e pedia que a ajudássemos (era a mesma voz que ouvíramos antes) a não deixar que ela saísse. Dizia que a filha e o filho haviam bebido demais e estavam brigando, e agora a filha queria ir para a rua. A filha dizia que só iria até o térreo para ficar um pouco longe do irmão, que seria esquizofrênico e que sempre brigava com ela, e ela não "aguentava mais".
Parecia mais tranquila que a mãe, mais coerente.
Mais uma vez, não havia nada que pudéssemos fazer. Enquanto elas resolviam as coisas entre elas, subimos o que restava até em casa.
Deitei para dormir, mas logo levantei e fui conferir se a porta estava bem trancada.
Olhei pela janela, escuridão total, nenhum movimento na rua, silêncio total.
Tive a certeza que, a qualquer momento, iriam bater na porta e tentar invadir.
Apocalipse zumbi, só podia ser isso.
Filme de terror, filme de terror.
Até.