Escrevo enquanto voo entre Porto Alegre e Campinas (não sei que horas conseguirei publicar), para onde estou indo para um evento médico, em um atual raro momento em que saio da invisibilidade e apareço entre os pares, os colegas médicos. Evento patrocinado pela indústria farmacêutica, atualização científica e lançamento de medicamento. Uma surpresa o convite, porque depois de ter trabalhado como médico contratado de uma das grandes farmacêuticas, após encerrar meu vínculo e um período de quarentena informal, seguidos da pandemia, tinha saído do circuito, e vivia – após um período de estranhamento – a tranquilidade da invisibilidade.
Agora pode ser apenas um fato isolado, e está tudo bem.
Queria falar de outra coisa.
Clichê maior meu, sempre disse (e digo) que a vida não é muito mais que histórias para contar. Que tudo o que vivemos não passa disso, de histórias que vamos contar e contar e contar novamente. Esses dias, enquanto atendia um paciente, por um instante abstraí da consulta e percebi que talvez eu esteja, com relação a alguns amigos, vivendo das histórias que vivemos. É legal, isso, de ter histórias para compartilhar, para relembrar, porque nos dá senso de ter pertencido.
Só que, como tudo na vida, tem um lado que não é legal.
Porque corremos o risco de viver do passado, apenas lembrando do que vivemos, e não mais viver, não mais criar e, como diz a música do Raul, ficar “sentado no trono de um apartamento, com a boca cheia de dentes, esperando a morte chegar”. Esse é, penso, o único medo que as pessoas deveriam ter. De morrer em vida. De desistir, entregar os tacos.
Parênteses.
Quero escrever há tempos sobre isso, mas nunca houve a oportunidade. Vou fazer agora, mesmo que talvez não fosse o melhor momento. É o seguinte: uma das afirmações mais importantes, mais graves que podemos fazer, e que encerra em si toda uma ética, todo um código de conduta não escrito e que é respeitado porque é da vida, vem do velho jogo de tacos, que jogávamos nas ruas de nossa infância.
“Licença para dois, entrega os tacos”.
Nada é mais importante e denso do que isso, e dispensa explicações ou adendos. Depois de um “Licença para dois, entrega os tacos”, tudo muda, a vida muda de rumo...
Fecha parênteses.
Dizia que não quero viver de histórias passadas. Quero, e preciso (precisamos), criar, viver novas histórias, que serão – sim – acrescidas de novas e contadas e contadas. E as pessoas que as vivem e as viverão são o que fazem valer à pena, fazem a vida valer à pena.
Entre meus objetivos estabelecidos para esse ano, e para os próximos, é isso, é criar as novas histórias que contaremos juntos com as pessoas que são importantes. Cafés, churrascos, viagens, encontros. Vou – me propus – abrir janelas de oportunidades, me mostrar disponível, fazer saber que estou aqui como sempre estive, e que vou tentar me manter perto mesmo que a geografia seja algum tipo de obstáculo. A minha parte, pretendo fazer.
Quem vier junto, ótimo.
Que não estiver disposto, tudo bem também.
Cada um sabe de si.
Até.