Sobre o direito de morrer.
Estava atendendo uma paciente esses dias, já nesse período em que o Natal se aproxima sinalizando que o ano também está em seus últimos momentos, quando estamos mais emotivos e querendo ser leves, quando ela – com uma doença pulmonar de estágio avançado – próximo ao final da consulta, me perguntou sobre o seu prognóstico. Quanto tempo de vida eu tenho?
Respondi a ela que, honestamente, não tinha como eu dar a ela uma estimativa de tempo, um prazo de validade. Que existiam muitas variáveis envolvidas nesse tipo de previsão, e quase qualquer coisa que eu dissesse a ela seria, de certa forma, imprudente. Sabíamos que, pela sua função pulmonar acentuadamente reduzida, e mesmo sem sermos capazes de estimar objetivamente o seu tempo de vida restante, que esse tempo não deve ser muito longo.
Disse a ela que minha função era tentar evitar, ou pelo menos reduzir, o sofrimento que sua condição física lhe causava ou causaria em um futuro nada distante. Pareceu resignada, que entendia, e me disse que esse não era um assunto que poderia ou conseguia falar com a sua família, e que eu era a pessoa com quem poderia falar.
Falou então, sobre eutanásia, consciente que no Brasil é crime.
Concordamos que o Estado, assim, com letras maiúsculas, e ainda mais um estado laico como é, ou deveria ser na prática, o nosso, não deveria se envolver com a vida privada das pessoas. E que essa era a mesma questão do aborto. Nem a religião e nem o Estado devem ter alguma palavra sobre o direito da mulher de decidir sobre a questão do aborto. Eu, pessoalmente, caso estivesse envolvido em uma situação dessas, seria em princípio, contra o aborto, mas como opinião, sabendo que a decisão final sempre deve ser da mulher e que deve ser respeitada. Não é uma discussão simples, longe disso.
Tenho por princípio que cada um tem o direito de viver da forma que quiser, ser o que quiser ser, e ninguém tem nada a ver com isso. O direito individual deve ser respeitado, e respeito é uma via de duas mãos. Se queres ser respeitado, deves respeitar. Simples, simples. O teu direito termina onde começa o meu, e vice e versa. Não é difícil a vida em sociedade quando todos são respeitados e quando todos (grupos, pessoas) se respeitam.
Tergiverso, contudo.
Conversávamos em uma consulta médica, a paciente e eu, e falávamos sobre terminalidade, um assunto não muito leve para um dezembro antes das festas de final de ano. Dizia eu que não era possível afirmar quanto tempo de vida ela ainda tinha, e ela falava sobre lugares em que a eutanásia assistida é permitida, como a Suiça e a Colômbia, mas que não sabia se nessa última era permitida para estrangeiros. Reafirmei que a entendia e respeitava seu sentimento, mas não poderia eu ajudá-la com relação a isso, a encontrar um lugar para a eutanásia assistida, mas que – sim – eu tinha como garantir uma coisa a ela, sem sombra de dúvidas.
Diminuir seu sofrimento com os tratamentos disponíveis e, mais importante, proporcionar conforto e empatia.
Saiu mais tranquila.
Até.
Um comentário:
Que forte seu texto. Tocante. Nos faz pensar no sentido da vida e o que fazemos dela. Imagino o quão difícil deve ser estar do seu lado e ter que comunicar coisas assim.
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