Depois de treze dias em coma na UTI do Hospital São Lucas da PUCRS, eu havia acordado, num sábado de manhã. Entre a hora da visita da tarde de sábado e domingo, quando recebi alta para o quarto, não posso precisar bem o que aconteceu. Lembro de tentar tomar água (ou suco) de um copo e virar tudo sobre mim.
Saí da UTI no domingo à tarde, para um quarto do oitavo andar, e minha mãe ficou para passar a noite comigo. Tenho uma lembrança muito ruim da janta daquela noite: a dieta era pastosa, vários “creminhos” com cores diversas cuja única diferença era essa, a cor. Foi isso o que tornou a minha primeira noite fora da UTI uma tortura, para mim e para a mãe: FOME.
Depois de dormir mais de dez dias, eu tinha fome, muita fome. Como a janta tinha sido ‘pastosa’, passei toda a noite esperando o amanhecer e, com ele, o café. De tempos em tempos, eu acordava e perguntava: “Já está na hora do café?”. Minha mãe dizia que não e eu me queixava de fome. Mesmo sem autorização médica, me deu maçã para comer, na tentativa de aplacar o meu ímpeto por comida. Foi uma noite bem longa.
Quando finalmente amanheceu e trouxeram o café, foi uma visão do paraíso. No afã de comer logo, enquanto a mãe tentava preparar um pão com manteiga para eu comer, eu comia o que estava à disposição, inclusive a manteiga que ela tinha aberto para passar no pão. Junto com o café, chegou o colega de faculdade Maurício Rieger, trazendo um pedaço da torta de morango que comprara para a comemoração do seu aniversário: comi tudo, rapidamente.
Passado esse episódio inicial, fiquei mais tranqüilo. Foi quando começaram as visitas. Ao contrário de quando estava na UTI, onde só podia entrar uma pessoa por vez, o meu quarto virou uma grande festa. Além das pessoas que vinham de fora me visitar (eram muitas), os meus colegas de faculdade (não todos, óbvio) saíam das poucas aulas que estavam tendo (lembrem-se: a PUC estava em greve desde a tarde anterior ao acidente) e se reuniam no meu quarto. Tornava-se uma balbúrdia só, todos falando ao mesmo tempo, uma gritaria. Eu só olhava, sem dizer quase nada.
O que todos logo notaram foi que, além de falar pouco, eu também não ria. Bem estranho para quem estava acostumado comigo. Não sei explicar o por quê desse fenômeno. Talvez ainda meio sem saber bem o que tinha se passado, a magnitude da coisa, não sei. Não era falta de humor, isso eu sei. Lembro que, na primeira vez que o Márcio e o Radica – amigos desde o segundo grau e até hoje – foram me visitar depois que eu acordei, uma das primeiras coisas que disseram foi que tinham ficado sabendo que depois do acidente, eu ficaria “inútil” da cintura para baixo. Sem nenhum vacilo, respondi que as funções “da cintura para baixo” foram as primeiras que descobri que estavam em ordem. Mesmo assim, não ria muito nestes dias.
Comecei a rir bem depois quando já estava em casa, mas isso é motivo para outra crônica numa outra Sopa. Acabei ficando, depois de ter alta da UTI, mais doze dias no hospital por conta de uma febre que os médicos não sabiam localizar. Coletaram hemoculturas e fui submetido até a uma punção lombar, para coletar líquido cefalorraquidiano, na suspeita até de meningite. Mas era apenas uma amigdalite. Tive alta do hospital no dia seis de setembro de mil novecentos e noventa, véspera do feriado da independência.
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