Fernando
chegou ao Platão, o café onde semanalmente se reunia a autointitulada
“Confraria do Nada”, encontro da turma do tempo do colégio, passavam vinte
minutos da meia noite. O atraso, normalmente punido com o pagamento de três
rodadas de chopes para os confrades tinha plena justificativa, pensava.
“Caetano me ligou”, disse, a frase abafada pelas vaias dos outros quatro
integrantes da turma. Sérgio, o mais velho, também conhecido por Diabo,
retrucou: “Conta outra”. Eduardo, Lipe e Tony, os demais integrantes da
confraria, ainda ameaçando o infrator com as sanções regulamentares para casos
de atraso, silenciaram para ouvir a história do estranho dia de Fernando.
Tudo
começara naquele mesmo dia, pela manhã. Mal tinha acordado, e recebeu um
telefonema da Bela, sua ex-namorada e eterno amor platônico, dizendo que
precisava conversar urgentemente com ele. Ela que, nos últimos dois anos –
desde que haviam rompido o namoro de três - estava namorando Eliseu, na
confraria conhecido por Pastel.
Perguntou se ela estava com algum problema. Belíssima, assim ele a
chamava, disse que “mais ou menos”, mas que não podia explicar mais por
telefone, e convidou-o para almoçar. “No mesmo lugar de sempre” sugeriu,
sugestão prontamente aceita por Fernando.
O local, o
restaurante Famiglia, era uma cantina
administrada pelo Vittorio, um italiano que dizia ter vindo para o Brasil
porque representaria uma ameaça à Europa ocidental se permanecesse por lá, sem
nunca dizer o por quê. Fernando chegou um pouco antes, pediu guaraná zero, uma
heresia, segundo o Vittorio, que ignorava o pedido e trazia um cálice de vinho
por conta da casa, para que o ragazzo aprendesse a beber enquanto ele
fosse vivo para ensiná-lo. A Bela chegou um pouco depois e, quando viu o cálice
de vinho na mesa, reclamou que ele ia virar um bêbado, e ela não queria vê-lo
na sarjeta. Não adiantou tentar explicar o que tinha acontecido, ela não lhe
deu ouvidos, como sempre acontece com as conversas de casais. Para encerrar a discussão,
disse “Quer saber? O fígado é meu e eu faço o que eu quiser, pior és tu que
namora um pastel”. Mais uma vez – como sempre acontecia quando discutiam – ela
ficou contrariada e não quis mais falar nada. “E daí, o que há de especial
nisso?”, retrucou o Tony, o mais impaciente do grupo que, por essa razão tinha
o apelido de Comecru. “Calma, agora é que vai começar”. Voltando ao almoço com
a Bela, após alguns minutos de silêncio, ela revelou o motivo do encontro
urgente: precisava de um favor, que só ele poderia fazer.
Contou-lhe a
história. Ela tinha quase certeza de que o Eliseu (o Pastel) estava tendo um
caso com outra (“Eu avisei, eu avisei!”), mesmo tendo proposto casamento a ela.
O favor: que ele fosse a determinado restaurante, numa determinada hora, para
dar um flagrante. Com fotos do momento e tudo. “E aceitaste?”, quiseram saber
os amigos. “Em princípio não”, falou, mas depois confessou que aceitara para
ver o Pastel ser desmascarado. “Algo como vingança, por ele sempre ter estado
rondando à volta, como urubu, enquanto eu a Belíssima namorávamos. É a minha
vez de ser urubu, de estar à espreita”. “Mas ela não vai voltar pra ti, sabes
disso”, ponderou o Diabo. “Sei e nem quero, mas queria ter o gostinho de ver o
rival tombar”, completou Fernando, revelando um lado pouco louvável do caráter
humano.
No horário
marcado, Fernando entrou no restaurante indicado, e não encontrou o Eliseu nem
sua suposta amante. Na única mesa ocupada, estavam três loiras e um vaso com
três tulipas vermelhas. Caminhou até elas, pediu permissão e sentou na cadeira
vazia. “Já contei o dia em que Caetano me ligou?”, perguntou, fazendo levantar
duas das três integrantes da mesa. “Pra mim também”, se espantou a terceira
integrante. A partir de então haviam conversado até decidirem ir morar juntos.
Fernando estava passando no Platão só para comunicar que estava se licenciando
da confraria por tempo indeterminado, pois estava indo passar o verão em
Ubatuba, numa cabana de frente para o mar.
Após a saída
de Fernando, que foi correndo para o carro em que a loira o estava esperando
para a viagem, todos integrantes da mesa permaneceram em silêncio por um longo
tempo, até que o Lipe encerrou o assunto:
- Poxa, pra
mim ele nunca ligou...
Nenhum comentário:
Postar um comentário